Pouco mais de um ano após o susto causado pelo fechamento da fábrica de cigarros da Souza Cruz em Cachoeirinha, Liel Miranda assumiu a presidência da empresa líder no mercado brasileiro ciente de que a escalada do contrabando é o maior inimigo do setor.
Natural do Mato Grosso do Sul, Miranda ingressou na Souza Cruz como trainee e acumula passagens por funções estratégicas na controladora British American Tobacco (BAT) na China, Canadá e Inglaterra. Sua chegada à presidência ocorre no momento em que o setor enfrenta uma nova investida da Anvisa, que quer reforçar as advertências nas embalagens.
Miranda comentou as perspectivas para o setor em entrevista à Gazeta do Sul.
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ENTREVISTA
Liel Miranda, presidente da Souza Cruz
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Gazeta – Qual o principal desafio do setor fumageiro hoje no Brasil?
Miranda – O grande desafio é o contrabando de cigarros, que já tomou uma proporção totalmente fora de controle. Estamos falando de 45% do mercado. É um volume que está tirando a arrecadação do governo, está tirando empregos das pessoas envolvidas com a indústria, está tirando o sustento dos varejistas que dependem de venda de cigarro para manter o negócio deles funcionando e está tirando renda dos produtores de fumo aqui na região. Então, está afetando a cadeia produtiva inteira e, além disso, financiando o crime organizado. Esse é o problema da indústria no Brasil hoje.
Gazeta – E a Souza Cruz sentiu na pele esse problema, pois fechou a fábrica de cigarros de Cachoeirinha no ano passado.
Miranda – Aproximadamente 20% dos varejos que vendem cigarro no Brasil estão fechando. Além da crise econômica, estão sofrendo com esse fator adicional do contrabando. Há muito emprego e renda se perdendo. Nós fechamos a fábrica de Cachoeirinha e aqui na região há muitos investimentos que poderíamos fazer, mas o mercado não absorve. Então, é a economia que sofre.
Gazeta – Qual deve ser a postura das indústrias diante desse contexto?
Miranda – Já fazemos tudo o que podemos. Na prática, a capacidade de realmente resolver o problema está nas mãos do governo federal. A grande causa do contrabando é a diferença de preço entre o Brasil e os países vizinhos. No Brasil, 70% do valor do cigarro é imposto. No Paraguai, por exemplo, o imposto é de 8%. É claro que essa diferença é o que faz com que o contrabando exista. Por isso, a única entidade capaz de criar condições para que possamos competir com o contrabando é o governo federal, reduzindo o imposto ou não aumentando. Nos últimos três anos, sofremos aumentos sucessivos, muito acima da inflação. Um problema que já era grande virou gigantesco.
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Gazeta – O governo federal atualmente é um aliado ou um obstáculo para o setor?
Miranda – Não sei julgar como o governo vê a indústria. Mas o fato é que o imposto foi aumentado desproporcionalmente nos últimos três anos. E isso economicamente não faz sentido. Cada vez que você aumenta o imposto, a arrecadação cai, porque muito do volume passa para o contrabando. O argumento que algumas pessoas usam, de que a arrecadação cai porque o consumo está caindo, não é verdadeiro. O consumo não está caindo no Brasil, o que acontece é que as pessoas que compravam o cigarro na padaria, agora estão comprando o cigarro contrabandeado. Então, não tem benefício para a saúde pública, não tem benefício para a arrecadação e está destruindo uma parte importante da economia brasileira. A Souza Cruz é a maior arrecadadora individual de IPI de todo o País. Imagina a quantidade de dinheiro que está se deixando de arrecadar.
Gazeta – E quais são as perspectivas para o mercado no longo prazo? O futuro está no cigarro eletrônico?
Miranda – Na Souza Cruz, acreditamos que o consumidor tem que ter escolha. O consumidor adulto já sabe dos problemas do cigarro. Então, acreditamos que alguns consumidores vão preferir parar de fumar e alguns vão preferir cigarro eletrônico, mas outros vão preferir continuar fumando o cigarro tradicional. Em uma sociedade livre, e em se tratando de um produto legal e que paga imposto, o consumidor tem que ter a liberdade de escolha. Sim, o cigarro eletrônico vai fazer parte do futuro da indústria, mas não temos que impor ao consumidor que mude de produto.
Gazeta – A Souza Cruz entrou com uma ação para retirar a advertência frontal das embalagens de cigarro, determinada pela Anvisa. Agora, a Anvisa está abrindo uma consulta pública para incluir mensagens mais diretas nos maços. Como o senhor avalia esse movimento?
Miranda – No caso da ação, existe uma lei que define que metade do maço na parte traseira tem que ter advertência, assim como uma das laterais. Se essa é a lei, não pode ter uma regulamentação de uma agência determinando que se faça algo acima da lei. Esse é o nosso entendimento. A nova consulta pública vai na mesma direção, porque quer aumentar ainda mais o espaço expropriado da indústria nos maços, o que contraria a mesma lei. Possivelmente vamos continuar discutindo isso na Justiça. Um ato administrativo de uma agência não pode ser maior do que a lei.
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Gazeta – Aumentar as advertências nas embalagens não tem efeito sobre o consumo, então?
Miranda – A Souza Cruz acredita em uma legislação balanceada. O fato de a advertência ocupar a metade ou mais da embalagem, como é hoje, não vai fazer com que as pessoas fiquem mais informadas sobre os riscos do cigarro. Elas já estão informadas o suficiente. Acreditamos que o cigarro não pode ser consumido por menores e trabalhamos com os nossos varejos para que façam uma venda responsável. Mas o grande problema é que tudo isso só é regulado em 50% do mercado. Os outros 50%, não sabemos que produto estão vendendo, a maioria não tem advertência alguma, e como são vendidos ilegalmente, é mais fácil imaginar que não há preocupação se estão vendendo para um menor de idade e a que preço.
Gazeta – No ano passado, foram comemorados os 20 anos da fábrica da Souza Cruz em Santa Cruz. O Vale do Rio Pardo continuará importante para o setor?
Miranda – Absolutamente. Independente da crise no mercado brasileiro, se tem uma área de crescimento no nosso negócio, é a exportação de tabaco. E a exportação está crescendo porque o Brasil está ficando mais competitivo, graças às técnicas que têm sido desenvolvidas pelos produtores, prefeituras e associações. E isso tudo acontece aqui. Então, aqui é um lugar que, para a indústria de tabaco, tem muita perspectiva de crescimento. O Brasil vai continuar crescendo como exportador e, com isso, vão continuar os investimentos aqui.
Gazeta – Para o setor, a crise econômica já ficou para trás ou ainda não?
Miranda – No nosso negócio, a percepção é de que o pior já passou, mas ainda não está melhorando. Estamos naquela fase em que saímos da tempestade, mas o poder aquisitivo que perdemos para o contrabando ainda não voltou, o endividamento do consumidor ainda não desapareceu e o investimento público ainda não está acontecendo. Parou de piorar, mas ainda vai demorar alguns meses ou anos para que possamos voltar a crescer. E o melhor termômetro disso é o desemprego, que é recorde. Na nossa visão, ainda vai levar mais um ano para vermos uma melhora significativa do poder aquisitivo. A partir de 2019, acreditamos que vai começar a melhorar. n
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