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Entre Pepe e Belchior

Eu deveria hoje falar sobre Mujica.  Por isso pedi a um colega para burlar a sequência das colunas. Estive com Mujica há alguns dias, em Montevidéu. Um daqueles encontros para não se esquecer mais, ainda que a minha memória costume me trair. Então Belchior se intrometeu no meio da conversa. Partiu para revelar que esteve aqui tão perto. E, de certa forma, me fez pensar outra vez em Pepe. 

Viajamos ao Uruguai para encontrar com Mujica. Uma viagem com muitas paradas, como são as viagens feitas em família. Não sabíamos se ele nos receberia. Resolvemos arriscar. Pepe nos recebeu.  Ainda que a placa no meio da estrada alertasse que o senador não recebe mais visitantes por falta de tempo. Quando soube do percurso que tínhamos feito até lá, decidiu que nos receberia de qualquer forma. 

Pepe foi de uma generosidade e de uma simplicidade. Me encantou ainda mais. Há muito que admiro a sua forma de pensar. A defesa das causas sociais. E o viver de acordo com aquilo que ele defende. Pepe mora em um sítio simples, com a esposa. Planta e colhe. Consome muito pouco. Isso eu já sabia. E Pepe conseguiu, ainda assim, me surpreender. 

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Talvez pela maturidade, não nos tratou em nenhum momento como intrusos ou estranhos. Falava calmamente. Tranquilo. E nós, ali, boquiabertos, acompanhávamos tudo quase incrédulos. “Gracias, queridos”, disse na despedida, enquanto apertava a mão de um por um. 

Quando voltei, muitos me perguntaram porque não entrevistei Pepe. É verdade. Eu queria ouvir muito mais dele. Mas lá na sua frente não me sentia jornalista. Só conseguia admirar a figura que representa boa parte dos meus ideais. E pensar no quanto a vida pode ser surpreendente e boa. E o quanto deveríamos brigar para que fosse ao menos um pouco melhor para uma parcela que sofre muito. 

Dizem que o jornalista deve ter um tal distanciamento da fonte. Admirar tanto o entrevistado é uma armadilha. Pensando nisso, me convenci de que não fui até lá para entrevistá-lo. Fui para ouvir. Ouvir Pepe falar sobre como precisamos investir menos em guerras e mais em sanar a fome. Em como consumimos tanto. E no quanto ainda precisamos evoluir para sair de uma pré-história. 

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Uma senhora muito simpática me disse esta semana que Belchior entendia dessas causas sociais porque todo nordestino entende disso. Porque todo nordestino sente na pele. E quando se sente na pele é natural que se compreenda. Belchior falava do seu sofrer, em suas letras e em seus silêncios. 

Pensando nisso tudo, consegui entender, de certa forma, o que fez tantas pessoas abrigarem Belchior sem nunca tê-lo questionado de forma direta sobre muitas coisas.  Respeitarem um silêncio cheio de incertezas. Estar na frente de alguém que admiravam tanto, pelas ideias e pelo talento, talvez explique parte disso. O resto, por enquanto, ainda é mistério.

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