Um livro da virada do século 19 para o 20, do renomado autor português Eça de Queiroz, A cidade e as serras, já tratava da dicotomia entre a vida na cidade grande (Paris), com seu acesso às novidades tecnológicas de então, e a simplicidade dos campos no interior de Portugal, com os defeitos e as virtudes de cada ambiente, nunca satisfazendo plenamente as pessoas.
Em nosso tempo, cada vez mais envolto em avanços tecnológicos, esses dilemas continuam muito presentes em nosso dia a dia, em cada local onde vivemos, onde a cada momento somos colocados frente a frente com essa realidade. São tantas as opções novas e modernas que se apresentam, que há sempre uma insegurança e ansiedade de que não se está acompanhando os avanços, de não se ter o mais moderno, o melhor, o “top” de linha.
Em especial os mais jovens pensam ser impossível viver sem certos aparelhos e parafernálias tecnológicas, só pensam e agem com eles, ficam totalmente dependentes deles e perdidos sem eles. No trabalho, em casa, na rua, o aparelho eletrônico está nas mãos, nos ouvidos, nos braços, está até nos pés, está na cabeça toda, toda envolvida e viciada no que de mais novo oferece a tecnologia. Até o simples exercício físico só parece válido se acompanhado de todos os aparatos tecnológicos, das roupas e calçados da moda, das últimas dicas dos especialistas.
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Do meio rural vai-se já há tempo para a cidade a fim de encontrar as facilidades e modernidades, que, no avançar da idade, porém, muitas vezes cansam e não satisfazem. Volta-se então do meio urbano ao interior, na busca da natureza, da paz, mas, às vezes, o silêncio excessivo também entedia e não preenche as necessidades do ser humano. Ou se procura o refúgio na beira do mar, em áreas mais quentes, ou mais frias. Sempre em busca de algum novo lugar, de novas condições que permitam alcançar a satisfação e a felicidade pessoais.
Ninguém, em sã consciência, pode negar as melhorias oferecidas pelas tecnologias, a lógica de utilizar as qualidades que apresentam para a vida pessoal e profissional. Mas, por certo, a fixação excessiva nesse propósito tem forte propensão a artificializar por demais a pessoa e a vida de um ser que, por origem, é natural. De outro lado, ficar longe demais da chamada civilização e das outras pessoas também não faz parte da natureza humana. Assim, encontrar um maior equilíbrio entre os dois extremos sempre parece ser a melhor saída.
Além disso, lendo e refletindo sobre experiências já vividas no passado, ainda que romanceadas, mas baseadas em situações reais e que continuam bem atuais, podemos muito bem concluir que, de modo geral, os problemas não estão tanto no que o mundo oferece de novo, no que dizem ser melhor para ti, mas sim no que pensas e decides a respeito, sem influência, a não ser da própria consciência e do que o seu interior lhe diz, independente de como os outros podem reagir ou julgar. Enfim, mais internalidades e menos externalidades, que possam oferecer ao indispensável contato com os outros um ser mais natural e menos artificial, que consiga interagir sem tantos artifícios e com mais autenticidade, valorizando e compatibilizando o que há de bom em cada lugar, em cada pessoa. Saber progredir nessa direção é a sabedoria que nos desafia.
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