Os tempos sombrios que estamos vivendo, além das dificuldades e restrições impostas pela pandemia, dos desencantos e das incertezas que se anunciam para o futuro, nos colocam à frente de uma perigosa encruzilhada: a ideia de que tudo pode ser relativizado para sucumbência da verdade.
Sob a ótica de um jornalista, diria que verdade é a reprodução mais fiel acerca de um fato. Mas devo concordar que a percepção pode ser plural sob o olhar de um e de outro. Porque cada um tem um filtro, delimitado por suas convicções, por sua visão de mundo, por suas pressupostas verdades.
No campo da filosofia, da religião e da fé, a discussão em torno do tema é inesgotável, alimentada pelas mais diferentes crenças, convicções e teorias.
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Mas é no âmbito da política que o conceito de verdade está definitivamente relativizado. Submetido aos interesses que regem o poder, nos mais diferentes escalões, parece uma geleia que se molda aos argumentos de ocasião.
De forma muito simplificada, diz-se que verdade é o que corresponde à realidade. Por isso, estamos acostumados a ouvir nos tribunais – e nas CPIs – advertências sobre o compromisso de falar a verdade, sob pena de o depoente ser submetido a um processo.
Mas se o depoimento de uma testemunha, por exemplo, pode ser confrontado com elementos objetivos como fatos e provas, como firmar convicção que não seja meramente ideológica e passional em meio ao embate político que se estabeleceu no Brasil?
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Sinceramente, há como ter esperança no futuro de um país onde os atores políticos todo dia nos agridem e nos constrangem, que polarizam um debate que se sustenta, em primeiríssimo lugar, na desconstrução do “inimigo”, de um lado ou de outro, ao invés de mirar um projeto para o futuro da nação?
Nossa história política recente se resume à aprovação da Constituição de 1988 pela Assembleia Nacional Constituinte, a uma sucessão de escândalos, sobretudo de corrupção, e desmandos de toda ordem. Por consequência, com fundamento ou não, sempre há uma patrulha de plantão para tentar apear quem está no poder ou a nos fazer assistir, resignados, às negociatas que acontecem em Brasília, patrocinadas por quem optou por se sustentar no Planalto a qualquer preço.
De duas uma: ou o eleitor brasileiro vota mal ou carece de representantes à altura, no Executivo e no Legislativo. Retomando a questão inicial, este cenário sugere que nem sempre a verdade está com quem vence, nem com a maioria que decretou a vitória.
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A título de comparação, em setembro próximo, após quatro mandatos sucessivos – e desistindo antecipadamente de buscar nova reeleição – a primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel, vai se aposentar. Ela não é uma unanimidade. Nem é brilhante por carisma pessoal. Mas é uma estadista, reconhecida por analistas políticos internacionais como a mais importante liderança da Europa.
Avessa a confrontações e embates desnecessários, como somos acostumados a assistir por aqui, governou pelo diálogo, em busca de entendimento. Sua imposição se fundamentou na serenidade e na confiança que conseguiu transmitir ao povo do seu país. E que avançou para além fronteiras quando, com sua influência, evitou uma iminente fragmentação da União Europeia e administrou a onda migratória que desestabilizou o Velho Continente.
Mas se sua reconhecida competência não fosse o bastante, para nós, brasileiros, uma escolha de Merkel em particular deveria chamar atenção. Em vez de habitar a residência oficial a que teria direito, ou um palácio cortejado por dezenas de serviçais como ocorre em nosso rico país, preferiu continuar residindo com o marido no apartamento simples que já ocupava. De diferente, apenas a presença de alguns policiais à frente do prédio para oferecer uma segurança protocolar.
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Não sei quanto a você, leitor. Mas eu sinto inveja dos alemães.
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