De 11 de novembro a 31 de dezembro de 2017, período em que a reforma trabalhista entrou em vigor, o número de novos processos abertos na Justiça do Trabalho de Santa Cruz do Sul teve redução de dois terços, na comparação com a mesma época de 2016. Os dados são do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT4).
Nesse período foram ajuizadas apenas 132 ações, contra as 404 que deram entrada no ano anterior, na comarca do município. Conforme o vice-presidente do TRT4, o desembargador Ricardo Carvalho Fraga, dois fatores podem explicar essa diminuição.
O primeiro está ligado ao ingresso de muitos processos nos meses que antecederam a reforma. Segundo o magistrado, o volume de ações que entraram, entre agosto e novembro do ano passado, é cinco vezes maior do que a movimentação normal de processos.
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Para o desembargador, os advogados aproveitaram o tempo até a regulamentação da reforma para antecipar as reclamatórias. A outra explicação está ligada à postura deles diante da nova lei. “Boa parte dos advogados pode estar esperando para agora a consolidação dos primeiros entendimentos do Judiciário a respeito das novas questões”, observa.
Sem prova, é preciso pagar
O desembargador Ricardo Fraga explica que a mudança de dois artigos – o 790-B e o 791-A – da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) possibilita que, a partir de agora, o trabalhador reclamante seja cobrado pelas custas do processo, no caso, pedidos não atendidos na ação.
Serviços como os de perícia e até mesmo a defesa do ex-empregador podem recair sobre o reclamante. “Esses valores são fixados pelo próprio juiz julgador do processo”, explica Fraga.
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A nova regra já está sendo aplicada. No Rio Grande do Sul, há inclusive uma orientação aprovada em plenária dos magistrados trabalhistas, para que a cobrança pelas despesas só seja feita nas ações ajuizadas após a entrada em vigor da nova regulamentação.
Se nos tribunais o entendimento já é novo, no campo ainda não. Na localidade de Taquari Mirim, no interior de Venâncio Aires, o produtor de tabaco Celso Kramer conta que a situação do trabalho na colheita ainda não tem uma definição clara.
Por lá, a reforma trabalhista parece não ter chegado. Kramer explica que o próprio Ministério do Trabalho entende que é preciso encontrar um meio-termo para qualificar o trabalho de quem colhe tabaco. “Nós participamos até de audiências públicas, em Brasília.”
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Kramer é dono de uma área produtiva de 80 hectares e, em suas terras, o sistema é de parceria. Atualmente, a propriedade está fragmentada e dividida para o arrendamento de 11 famílias. Cada uma delas se responsabiliza pelo trabalho – inclusive a colheita –, dispensando a contratação de trabalhadores diaristas. “Eles mesmos colhem e às vezes ajudam os vizinhos, o que é natural e legalmente reconhecido”, explica.
Na agricultura, relação com os empregados temporários ainda não
se ajustou às novas determinações legais para contratação
Foto: Lula Helfer
A assessora jurídica do Sindicato Rural de Venâncio Aires, Isabel Cristina Oestreich, avalia que as mudanças foram positivas. Segundo ela, a recomendação do sindicato é para que os produtores façam o contrato intermitente para curtas temporadas de trabalho.
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Já no caso de ajuda mútua – como ocorre nas terras de Kramer –, a prática é aceita, mas somente entre dois produtores. Isabel salienta que, antes de entrar em vigor, o Sindicato Rural havia elaborado uma cartilha com os principais passos a seguir na nova legislação, atendendo a uma solicitação da Philip Morris. “Além da distribuição aos produtores integrados da empresa, o guia está disponível aos agricultores na sede da entidade.”
O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Arroio do Tigre, Alceu Mergen, que também produz tabaco, afirma que há resistência ao cumprimento das leis vinda das duas partes.
De um lado, o trabalhador prefere colocar no bolso os valores sem os descontos trabalhistas, como o do percentual de INSS. Quando há assinatura de contrato, o valor final pago acaba sendo menor por conta dos encargos. Já os produtores, por sua vez, encontram dificuldades para cumprir com todas as responsabilidades da lei.
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Mergen conta que é comum ver equipes de dez ou mais trabalhadores se organizarem para fazer a colheita em uma propriedade. “Em meio dia eles terminam o trabalho, pegam o dinheiro e no outro dia vão para outra lavoura.”
Conforme Mergen, um diarista chega a ganhar R$ 120 por dia trabalhando na lavoura
Foto: Lula Helfer
Esses grupos chegam a encher um forno de secagem com 90 a 100 arrobas em uma manhã, o que favorece a qualidade do produto. “O tabaco é bem melhor se colhido todo de uma vez, ao invés de em dias diferentes”, garante Mergen.
O dirigente sindical explica que, se fosse seguir a lei, o produtor teria que disponibilizar até banheiro químico. Ressalta que isso dificulta a legalização, acrescentando que a questão ainda precisa ser melhor discutida. Conforme Mergen, um trabalhador chega a ganhar R$ 120,00 por dia trabalhado na lavoura.
A Black Friday e o Natal já passaram e, com eles, parte do comércio santa-cruzense também experimentou os efeitos da reforma trabalhista. De acordo com o presidente do Sindicato dos Comerciários de Santa Cruz do Sul e Região, Afonso Schwengber, as grandes redes varejistas, que têm lojas no município, já estão contratando por jornadas de trabalho curtas em datas promocionais.
“Já foram feitos contratos por um dia, ou por horas de trabalho. Para o comerciário isso não serve, a jornada da categoria é de 44 horas semanais”, critica. Segundo Schwengber, o trabalhador está sendo penalizado por conta da crise e a reforma trabalhista acabou com os direitos da categoria. “Nós vamos questionar judicialmente esta situação”, reforça.
O presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Santa Cruz do Sul (Sindilojas), Mauro Spode, afirma que ainda não é possível medir a extensão da mudança nas leis. Ele acredita que, no município, não houve registro de alteração nesse sentido. Segundo ele, a Fecomércio apresentará um relatório sobre o tema na próxima semana.
Segundo a lei
- O trabalho intermitente (temporário) passa a ser regulamentado e deverá ser por escrito, com o valor da remuneração.
- A convocação para o trabalho deverá vir com três dias de antecedência, oportunidade em que será informada a jornada.
- Aceita a oferta para o comparecimento ao trabalho, a parte que descumprir o contrato, sem justo motivo, pagará à outra parte uma multa de 50% da remuneração que seria devida.
- Após o trabalho, o empregado receberá o pagamento imediato da remuneração; férias proporcionais com acréscimo de um terço; 13o salário proporcional; e repouso semanal remunerado.
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