Após colecionar importantes vitórias na largada de sua gestão, quando teve aprovadas a reforma da previdência, as privatizações de estatais e as alterações nas carreiras do serviço público, o governador Eduardo Leite (PSDB) enfrenta um cenário adverso quando tenta levar a cabo uma ampla revisão do sistema tributário do Estado. Medidas como a retirada de benefícios fiscais sobre alguns setores provocam rejeição na sociedade e deixam em dúvida o resultado da batalha na Assembleia Legislativa.
A discussão surge em um momento delicado para Leite. No dia 1º de janeiro, deixam de valer as alíquotas de ICMS que foram majoradas pelo governo José Ivo Sartori em 2015. Um dos principais objetivos da reforma tributária é compensar essa perda de arrecadação, que pode chegar a R$ 2 bilhões para o Estado e R$ 850 milhões para os municípios, de acordo com os cálculos da Secretaria da Fazenda. O próprio Eduardo Leite já projetou um “caos” se o governo perder essa receita, ainda mais em um cenário de dificuldades em função da crise gerada pela pandemia de Covid-19.
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Para conseguir driblar a situação, no entanto, o governador precisa convencer a população de que a reforma é um bom caminho. Entre os pontos mais controversos estão a alteração na isenção do IPVA, que passaria a vigorar apenas para veículos com mais de 40 anos – ao invés de 20 anos, como é hoje. Também enfrenta forte resistência a extinção de benefícios, que pode levar a uma taxação sobre a cesta básica de alimentos e de medicamentos e, consequentemente, a um aumento de preços. Entidades como a Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul) e a Federação de Entidades Empresariais (Federasul) já se posicionaram contra trechos dessa proposta.
Eduardo Leite, porém, não dispõe de muito tempo. Devido ao princípio da noventena (prazo de 90 dias para que um aumento de tributo seja cobrado), a reforma tributária precisa ser votada até o fim deste mês. O governo alega que o aumento de carga vai ser compensado por outras medidas, como a devolução de ICMS para famílias de baixa renda.
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O impacto: a alíquota que incide sobre automóveis e camionetas passaria de 3% para 3,5%. Com isso, ficaria no mesmo patamar do Paraná e ainda inferior à alíquota de estados como São Paulo (4%) e Rio de Janeiro (4%).
A polêmica: setores da sociedade criticam um aumento de imposto que atinge boa parte da população em meio a uma crise econômica causada pela pandemia.
O impacto: os descontos para bons motoristas seriam reduzidos – de 15% para 5% com três anos sem infrações, 10% para 3% com dois anos sem infrações e 10% para 3% com um ano sem infrações.
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A polêmica: a crítica é de que os motoristas responsáveis serão penalizados com menos benefícios.
O impacto: passariam a ser isentos de IPVA somente os veículos com mais de 40 anos. Hoje, a isenção vale para veículos com mais de 20 anos. Com isso, o percentual de pagantes passaria de 54% para 75%.
A polêmica: alega-se que isso vai impactar não só os colecionadores, mas também pessoas de baixa renda que não têm condições de comprar carros novos.
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O impacto: a reforma retira, de forma gradual até 2023, a maioria dos benefícios concedidos na forma de Redução de Base de Cálculo (RBC). A medida recairia sobre a cesta básica de alimentos e a cesta básica de medicamentos, além de produtos como carnes temperadas e erva-mate. Além disso, o governo pretende retirar isenções sobre alguns produtos, como hortifrutigranjeiros e pão francês. Também haveria impacto sobre o transporte intermunicipal.
A polêmica: a preocupação é com o impacto de um provável aumento de preços no orçamento das famílias.
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O impacto: alguns produtos teriam alíquotas maiores. É o caso do vinho e aguardente, que hoje são tributados a 18% e passariam a 25%. Outro é o gás de cozinha (GLP), que passaria de 12% para 17%.
A polêmica: no caso do gás, que já vem sofrendo sucessivos reajustes impostos pela Petrobras nos últimos meses, a principal preocupação é com o impacto sobre o orçamento das famílias. Já em relação ao vinho, alega-se que um aumento de carga pode prejudicar a competitividade do produto gaúcho. O governo alega, porém, que pode conceder medidas de incentivo para evitar que o vinho do Rio Grande do Sul perca mercado.
O impacto: a proposta retira isenções concedidas a agrotóxicos, fertilizantes e outros insumos agropecuários. Os valores seriam utilizados principalmente para viabilizar a devolução de ICMS para famílias de baixa renda.
A polêmica: o setor agrícola alega que isso vai elevar os custos de produção e repercutir no preço final dos produtos aos consumidores.
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O impacto: o imposto incide sobre a transferência gratuita de bens móveis e imóveis. As alíquotas passariam a ser progressivas para causa mortis de 7% e 8% (atualmente o máximo é 6%) e para doações de 5% e 6% (hoje o limite é 4%). Áreas de preservação ambiental serão excluídas da cobrança.
A polêmica: o setor agrícola alega que isso vai onerar a população do campo por causa das heranças de propriedades e dificultar a regularização de imóveis rurais.
Simplificação do ICMS
O atual modelo de tributação no Rio Grande do Sul tem cinco faixas (12%, 18%, 20%, 25% e 30%). Pela proposta, passariam a ser apenas duas (17% e 25%). A simplificação, que será gradual até 2023, é vista com bons olhos pelo setor produtivo.
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Fim da majoração
Em 2015, o governo Sartori elevou a alíquota geral do ICMS de 17% para 18%. Já a alíquota que incide sobre gasolina e álcool, energia elétrica residencial e comercial e comunicações foi aumentada de 25% para 30%. Com a reforma, os índices voltariam a ser de 17% e 25%.
Devolução de ICMS
A proposta prevê que famílias de baixa renda recebam de volta parte do ICMS que pagaram. A ideia é combater a regressividade – ou seja, não onerar mais quem ganha menos. Pela proposta, a devolução seria de 40% para famílias com renda de até um salário mínimo, 20% para família com renda de até dois salários mínimos e 15% para famílias com renda de até três salários mínimos.
Compras internas
Haverá uma redução do ICMS pago nas operações internas – quando uma empresa gaúcha compra de outra empresa gaúcha. A alíquota passaria de 18% para 12%. A ideia é reduzir os custos das empresas e aumentar a competitividade.
Imposto de fronteira
Pleito antigo do setor empresarial, em especial do comércio, a partir de 2022 seria extinto o Diferencial de Alíquotas (Difal), conhecido como imposto de fronteira. Pela proposta, haveria cobrança apenas quando uma mercadoria vier de outro estado com alíquota inferior à do Rio Grande do Sul para o mesmo produto.
Estímulo às importações
A proposta prevê equalização nos tributos sobre importação de produtos com os patamares praticados em outros estados do Sul. A ideia é incentivar as importações por meio de portos e aeroportos do estado.
Creditamento do ICMS
A reforma reduz para parcela única o prazo de creditamento do ICMS por aquisição de bens de capital. Atualmente, máquinas e equipamentos fabricados no Rio Grande do Sul têm prazo de dois anos para devolução, enquanto equipamentos importados ou comprados em outros estados têm prazo de quatro anos. Segundo a proposta, o crédito seria integralmente recuperado no mês seguinte à aquisição, após um período de transição de oito anos.
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“Vai acabar na mesa do povo”
Para o presidente da Comissão de Direito Tributário da OAB Subseção Santa Cruz, Guilherme Pedrozo, a proposta de reforma tributária do governo estadual surge em momento inadequado. Primeiro, porque a economia está sob efeito da crise desencadeada pela pandemia. Depois, porque está em discussão no Congresso uma reforma nacional que pode levar à unificação de diversos impostos, incluindo o ICMS. Outro problema, na sua visão, é o fato de a discussão estar sendo apressada para que possa ser votada até o fim deste mês.
Segundo Pedrozo, embora uma reforma seja necessária, a proposta do governo vai na contramão de um modelo considerado ideal de tributação, que onere mais o patrimônio e menos o consumo. Um exemplo é a retirada de benefícios sobre insumos agrícolas. “O efeito disso vai acabar na mesa do povo”, afirmou.
Ainda de acordo com ele, a discussão sobre o sistema tributário deveria ser acompanhada de uma reforma administrativa mais profunda para reduzir os gastos públicos. “Em nenhum momento poderíamos estar discutindo reforma tributária sem olhar o custo da máquina pública”, disse.
“Vai ser um problema para o governo aprovar”
Na visão do ex-governador Germano Rigotto, que durante o governo Fernando Henrique Cardoso foi presidente da Comissão de Reforma Tributária da Câmara Federal, a proposta do Estado tem pontos positivos. Contudo, terá grande dificuldade para passar na Assembleia Legislativa, ao menos em relação a pontos como o aumento de IPVA e a retirada das isenções sobre a cesta básica e a cesta de medicamentos. “Vai ser um problema para o governo aprovar essa parte do projeto”, avaliou.
Segundo Rigotto, o problema da proposta é que os aumentos de carga, gerados principalmente pela extinção de benefícios, oneram setores que estão sofrendo muito com os efeitos da pandemia. “Nós temos uma situação que não é normal. Temos desemprego, temos fechamento de empresas. Então, aumentar carga tributária sobre esses setores que não estão bem é complicado”, ressaltou.
Para o ex-governador, uma reforma não deve ter o objetivo de resolver rombos fiscais, mas sim implantar um sistema tributário mais adequado. Nesse sentido, discutir reforma no momento em que os governos aumentam as despesas para enfrentar a crise da Covid-19 é arriscado, na opinião dele. De acordo com Germano Rigotto, considerando o pouco tempo, a renovação das atuais alíquotas de ICMS seria uma saída menos problemática.
“Única solução é o desenvolvimento econômico”
Profundo conhecedor das finanças do Estado, o economista Darcy Francisco Carvalho dos Santos considera que o governador Eduardo Leite (PSDB) cometeu um “erro estratégico” ao prorrogar por apenas dois anos as alíquotas majoradas de ICMS. Para ele, o aumento da carga sobre a cesta básica é problemático na medida em que pode levar a uma queda de consumo, apesar da previsão de devolução de valores a famílias de baixa renda. “Quem ganha quatro ou cinco salários mínimos, não dá para dizer que é rico, e vai pagar mais”, frisou.
Embora considere positivos alguns pontos da reforma, como a simplificação do ICMS e as medidas de estímulo à economia, o especialista acredita que a prorrogação das atuais alíquotas seria o melhor caminho.
Por outro lado, Santos reforça a necessidade de o Estado manter os níveis de arrecadação. Além do déficit, que se agravou com os reajustes salariais concedidos aos servidores da segurança pública no governo Tarso, outro problema que ameaça as finanças estaduais é a nova lei do Fundeb. Ela prevê que os gastos com aposentados não podem ser contabilizados no percentual de 25% previsto na Constituição para despesas com educação. Isso pode exigir do Estado R$ 2,5 bilhões a mais por ano.
Segundo o analista, a única saída para resolver o problema em definitivo é fomentar a geração de renda. “Só temos uma solução, que é o desenvolvimento econômico. Sem crescimento, não tem como elevar a arrecadação.”
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