As críticas da diretora da Escola Estadual Ernesto Alves de Oliveira, Janaína Venzon, ao governo federal por, segundo ela, enviar a obra literária O avesso da pele às escolas repercutiu no final de semana. Ministério da Educação (MEC) e Secretaria da Educação do Rio Grande do Sul (Seduc) responderam às falas da professora e à orientação da 6ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE) de recolher o romance.
Na sexta-feira, 1º, a diretora publicou em suas redes sociais um vídeo contendo um texto no qual, além de narrar trechos específicos do livro, considerou lamentável o governo adquirir uma obra com “vocabulários de tão baixo nível” e enviar às escolas para ser trabalhada com alunos do Ensino Médio. Assim, solicitou que o MEC buscasse os 200 exemplares enviados à instituição. Também foi taxativa ao afirmar que os professores e a escola não escolheram nenhuma obra literária, e sim o MEC. No vídeo, classificou o fato como “nojento” e encerrou a manifestação com um questionamento: “Vindo ainda de um governo federal, é muito nojento. Que país é esse?”.
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No entanto, a versão da diretora foi rebatida pelo Ministério da Educação. Em nota publicada na tarde de sábado, 2, às 14h58, a pasta afirmou que o romance literário está incluído no Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) desde 2022, ou seja, durante a gestão passada, de Jair Bolsonaro. Além disso, foi enfática ao afirmar que envia as obras apenas por solicitação dos educadores e da escola, que podem escolher de forma democrática quais serão trabalhadas em sala de aula.
Ainda no sábado, a Seduc ordenou a suspensão de retirar os livros das bibliotecas das escolas estaduais da região de Santa Cruz. Esta havia sido uma orientação da 6ª CRE.
O autor de O avesso da pele, Jeferson Tenório, e a editora Companhia das Letras, responsável por publicar a ficção literária vencedora do Prêmio Jabuti em 2021, também se manifestaram. Afirmaram que não vão aceitar qualquer tipo de censura.
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Em meio às declarações, Janaína Venzon fez uma sequência de pronunciamentos durante o final de semana. Defendeu que não está censurando o livro e afirmou que seus questionamentos foram distorcidos.
O escritor Jeferson Tenório, autor do livro, usou suas redes sociais para falar sobre o caso. Para ele, O avesso da pele foi censurado em Santa Cruz após o vídeo acusando o livro de usar palavras de “baixo calão” e descrever cenas de atos sexuais.
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Afirmou que a obra literária, vencedora do prêmio Jabuti, foi adotada em centenas de escolas brasileiras e teve os direitos vendidos para mais de dez países, além de se ser adaptado para o teatro. “Além disso, o livro foi avaliado pelo PNLD, em 2021, ainda no governo Bolsonaro. A própria diretora assinou a ata de escolha do livro”, argumentou.
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Para Tenório, as distorções e fake news são estratégias que vêm sendo utilizadas para promover a desinformação. “O mais curioso é que as palavras de ‘baixo calão’ e os atos sexuais do livro causam mais incômodo do que o racismo, a violência policial e a morte de pessoas negras”, frisou.
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O autor também agradeceu à Companhia das Letras e aos leitores que se manifestaram pelo apoio. “Não vamos aceitar qualquer tipo de censura ou movimentos autoritários que prejudiquem estudantes de ler e refletir sobre a sociedade em que vivemos.”
Radicado em Porto Alegre, Jeferson nasceu no Rio de Janeiro, em 1977. O doutorando em teoria literária pela PUCRS estreou na literatura com o romance O beijo na parede (2013), eleito o livro do ano pela Associação Gaúcha de Escritores. Teve textos adaptados ao teatro e contos traduzidos para o inglês e o espanhol. É autor também de Estela sem Deus (2018).
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Em 2020, foi patrono da Feira do Livro de Porto Alegre. A homenagem na 66ª feira foi a primeira a um escritor negro, além de ser o mais jovem. A reportagem da Gazeta do Sul entrou em contato com Tenório no domingo, 3. Nesta segunda-feira, 4, ele concederá uma entrevista Rádio Gazeta FM 107,9, às 13h10.
A Secretaria da Educação do Rio Grande do Sul afirmou que não havia dado orientação para recolhimento dos livros, conforme determinou a 6ª CRE na sexta-feira, 1º. Também enfatizou que a coordenadoria deve seguir as instruções da Seduc e providenciar que as instituições de ensino usem adequadamente as obras literárias.
A Gazeta do Sul buscou uma manifestação do governador Eduardo Leite em relação ao caso. No entanto, sua assessoria informou que por enquanto o posicionamento oficial do governo ficaria restrito à nota da Seduc. A expectativa, porém, é de que Leite fale no decorrer da semana.
Em nota, o Ministério da Educação (MEC) afirmou que há “peças de desinformação” repercutindo, de forma deturpada, a escolha do título O avesso da pele como material a ser adotado em salas de aula no Brasil. “O envio de obras literárias para escolas sem o devido e expresso interesse das instituições é falso, uma vez que os exemplares não estão disponíveis fisicamente ainda, sendo que eles sequer foram adquiridos das empresas editoras”, esclareceu.
Conforme a pasta, os educadores de cada escola escolhem as obras a serem adotadas. Isso é feito a partir de um Guia Digital com a lista de livros.
“Diferentemente do que conteúdos maliciosos estão repercutindo, como se o MEC enviasse os livros a despeito de qualquer manifestação dos educadores pelo envio dos livros, os livros são distribuídos às escolas somente após a escolha dos profissionais de educação, realizada em sistema informatizado do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE)”, enfatizou.
O comunicado detalhou ainda que a escolha dos materiais do PNLD precisa ser feita entre o corpo docente e a direção escolar de forma conjunta. E, com base nas informações presentes no guia do programa, analisar e considerar se as obras que foram escolhidas são pertinentes à proposta pedagógica de cada instituição.
Além disso, a seleção dos livros didáticos precisa ser formalizada por meio da internet. Somente após isso, o FNDE inicia o processo de negociação com as editoras.
Ainda segundo o ministério, as obras presentes no programa de material didático são avaliadas por professores, mestres e doutores inscritos no banco de avaliadores do MEC. Após aprovadas, elas integram o catálogo na qual as instituições escolares escolhem, democraticamente, qual é a adequada à realidade pedagógica.
O livro foi incluído no PNLD por meio de portaria em 2022 após passar por uma seleção, publicada em edital de 2019. Conforme nota publicada no Diário Oficial da União, as obras literárias receberam pareceres antes de constarem na lista. O documento é assinado por Gilson Passos de Oliveira, secretário de Educação Básica substituto. Oliveira também é conhecido por ter atuado como diretor de políticas públicas para escolas cívico-militares.
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Diante da repercussão de sua fala, Janaína Venzon voltou a se pronunciar. No sábado, afirmou que não escolheu livros e que a situação será averiguada.
Justificou que a coordenação pedagógica da Ernesto Alves de Oliveira escolhe o material didático e o coloca no sistema com seu CPF. Para selecioná-los, no entanto, os professores não conseguem ler os títulos e no site do MEC constam somente uma foto e um resumo.
Acrescentou que a coordenação que faz os pedidos não tem lembrança de ter inserido a obra em novembro de 2022. “Relatam que não tem nenhum conhecimento de pedido desse livro por parte dos professores, pois não tem lembrança dessa data. No dia e horário que coincide com atividade do [turno] noturno em nossa escola, uma supervisora estava fazendo cadastros de livros e pode ser que ela fez a inserção por um pedido de um docente” (sic), escreveu. Afirmou ainda que não está censurando o livro e que a escola trabalha o tema do racismo.
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Já ontem, alegou que não questiona a obra quanto ao contexto do racismo estrutural. Disse estar apenas examinando termos impróprios que, segundo ela, são usados constantemente e que não acrescentam “valores éticos.”
“Deveria ter tido o cuidado de tratar o assunto sem usar termos impróprios para menores de idade, sobretudo em ambiente escolar”, avaliou. E, diferentemente do que disseram o autor e a editora, enfatizou que não está censurando, mas sim protegendo crianças e adolescentes de “terminologias inadequadas para a idade”.
Nas duas manifestações, Janaína voltou a mencionar o governo federal, mas sem tanta ênfase. Na última, frisou que os professores confiam no que o MEC oferece.
Em entrevista ao Portal Gaz na noite do domingo, 3, ainda informou que será verificado quem realizou o pedido de O avesso da pele para ser trabalhado com alunos do 1º ano do Ensino Médio. “Pode ser um pedido de um professor ou da própria supervisão. Não culpo os professores ou a coordenação pedagógica, pois simplesmente o livro estava ofertado pelo MEC”, disse.
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Mais uma vez, destacou que não tira o mérito do livro, mas questiona como deve ser trabalhado dentro de uma instituição de ensino. “Antes da distribuição das obras, a bibliotecária fez a leitura dos exemplares, e ela acabou achando muito fortes algumas palavras. Poderia ser um vocabulário diferenciado.”
Também na noite desse domingo, Janaína recebeu uma comitiva de pais para conversar sobre o assunto. Eles estão, segunda ela, organizando-se para comparecer à Câmara de Vereadores por estarem indignados sobre essa questão. “Inclusive o PT tomou isso como dor e está querendo atacar a minha índole e a minha moral”, afirmou. Lembrou ainda que o livro de Tenório já foi alvo de polêmica em uma escola da Bahia.
O Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial (Compir) irá fazer uma reunião extraordinária para debater o assunto. Uma nota oficial deverá ser divulgada nos próximos dias.
O professor Cesar Goes, da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), adiantou seu posicionamento no encontro. Doutor em sociologia – que representa a universidade no Compir –, ele afirmou que a fala da diretora não é, objetivamente, uma manifestação racista, embora a considere moralista. “Como [o livro] fala em relações de sexo e órgãos genitais, o moralismo dela aflorou para ela fazer sua manifestação”, avaliou.
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Na visão do segundo vice-presidente do Centro dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul (Cpers-Sindicato), Edson Garcia (foto), a diretora da Ernesto Alves pecou ao gravar o vídeo sobre um livro que, na sua avaliação, é importante para a juventude atual.
Coordenador do Coletivo Estadual de Igualdade Racial e Combate ao Racismo da entidade, defendeu a necessidade de estimular a leitura entre os jovens e fortalecer as bibliotecas escolares. Ainda acredita que a diretora perdeu tempo e poderia ter convocado a escola para fazer uma avaliação do livro e debater seu conteúdo.
“Acredito que a diretora não deva ter lido o livro. Porque quando lemos um livro e realmente conseguimos fazer uma avaliação, não tomamos uma atitude tão radical como aquela, tão empobrecida, que não faz nem um tipo de avaliação da obra em si”, comentou.
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O diretor da Escola Estadual de Ensino Fundamental Bruno Agnes, Dionísio Júlio Beskow, detalhou o processo para adquirir obras literárias por meio do PNLD. Além do resumo e da capa de cada material, há uma análise crítica das obras presentes. Ela é feita pelo banco de avaliadores, que inclui professores, mestres e doutores da literatura, responsáveis por avaliar a qualidade das produções literárias.
Só após passar por esse crivo, o qual considera exigente, as obras entram no catálogo para serem selecionadas pelas escolas. Ainda sobre o processo, afirmou que as escolas precisam fazer reuniões pedagógicas para discutir sobre os livros. Tomada a decisão, o diretor é quem confirma a opção.
Além de considerar os livros disponíveis de “alta qualidade”, destaca que possuem temáticas para serem abordadas em sala de aula. “No caso do O avesso da pele, é trabalhado o racismo estrutural. Mas há obras que lidam sobre outras temáticas, como as drogas ou a depressão”, exemplificou.
Mas, para isso, é necessário que o professor contextualize os temas presentes nos livros aos alunos, fomentando a reflexão e o senso crítico dos adolescentes. “A escola não pode se negar a questionar isso na sociedade. Caso contrário, estaremos vivendo na sociedade das trevas”, comentou.
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Diante da repercussão da fala da diretora da Escola Estadual Ernesto Alves de Oliveira, a Companhia das Letras, editora responsável por publicar o livro, manifestou-se sobre o tema, afirmando estar indignada. Destacou ainda que O Avesso da Pele foi um dos 530 títulos aprovados pela banca de educadores.
“Para chegar ao colégio em questão, ainda precisou passar por aprovação da própria diretora, que assinou o documento de ‘ata de escolha’ da obra e agora contesta o conteúdo do livro”, cita a nota da editora.
Na visão da Companhia das Letras, a retirada de exemplares de um livro, baseada em uma interpretação distorcida e descontextualizada de trechos isolados, é um ato que “viola os princípios fundamentais da educação e da democracia”. Segundo a editora, isso também empobrece o debate cultural, além de limitar a capacidade dos estudantes de desenvolverem pensamento crítico e reflexivo.
Por fim, defende que o destaque do livro não é uma cena ou a linguagem, mas a denúncia ao racismo. “Repudiamos veementemente qualquer ato de censura que limite o acesso dos estudantes a obras literárias sob pretexto de protegê-los de conteúdos considerados ‘inadequados’ por opiniões pessoais e leituras de trechos fora de contexto”
Um abaixo-assinado online começou a circular na internet durante o final de semana pedindo o afastamento da diretora Janaína Venzon. Criada pela jornalista Emanuele Mantovani, a petição contava com mais de 600 assinaturas até a manhã desta segunda-feira, 4.
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