Se para a maioria das pessoas a pandemia exigiu adaptações temporárias na rotina, no universo dos negócios a turbulência iniciada há um ano gerou a necessidade de profundas reinvenções. Diante do desafio de incorporar o distanciamento físico às operações, do impacto da crise econômica sobre a demanda e das limitações de circulação de clientes, além da imprevisibilidade do “abre e fecha”, muitos empreendedores tiveram que buscar não apenas soluções provisórias, mas novos e definitivos rumos para garantir a sobrevivência e se preparar para o “novo normal”.
Segundo a diretora do Centro de Estudos e Pesquisas em Administração (Cepa) da Ufrgs, Daniela Brauner, em um primeiro momento as dificuldades enfrentadas pelas empresas foram de ordem financeira, com a queda brusca nos faturamentos em função das restrições. Essa situação, porém, acabou por revelar problemas de base de alguns empreendimentos, vulnerabilidades que já existiam antes da pandemia. Pesquisas realizadas pelo Cepa mostraram, por exemplo, que apenas 40% dos estabelecimentos utilizam alguma ferramenta de gestão. “Quando tudo anda bem, o empresário não sente falta, mas isso é especialmente importante em momentos de imprevisibilidade, quando a manutenção dos controles, especialmente financeiros, é essencial para planejamentos de curto prazo, além de ajudar no monitoramento da saúde financeira”, observou.
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Uma das realidades reveladas pela pandemia é a urgência da digitalização dos negócios. A presença digital, conforme Daniela, tornou-se essencial e isso não envolve apenas ter um site, mas sim estratégias de atendimento e venda nos canais virtuais. Outro fenômeno é o trabalho remoto, adotado em massa em função do distanciamento, mas que deve se tornar cada vez mais comum a partir de agora. “Enfim, os empresários perceberam que há espaço e produtividade no home office. Algumas empresas até já evidenciaram aumento de produtividade significativo”, diz a especialista. Outra transformação imposta pela pandemia foi a necessidade de buscar um propósito para além do lucro. Diante do estado de calamidade pública, emergiu a importância de as empresas atuarem em rede com clientes, parceiros e até concorrentes no apoio às regiões. “Em tempos de crise, o empresário tem a oportunidade de demonstrar um propósito, além de seus produtos e serviços, e nada melhor do que engajar seu negócio com ações de solidariedade e apoio.”
Apesar de o setor de alimentação ter sido um dos mais atingidos pelos protocolos sanitários, Pablo Cardoso conseguiu fazer do limão uma limonada. Proprietário desde 2018 do restaurante Dom, ele comemora, passado um ano, o sucesso de uma nova operação aberta em meio à pandemia e se prepara, inclusive, para abrir a primeira filial da empresa.
Até o início das restrições, o restaurante atendia apenas ao meio-dia. Diante das dificuldades para manter o serviço quando as restrições começaram e da preocupação em proteger a saúde financeira do estabelecimento sem precisar reduzir a equipe de 12 funcionários, o empresário passou a buscar uma alternativa.
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Daí surgiu a ideia de apostar no rodízio de massas, que até então era oferecido somente durante três meses do ano, mas que sempre teve uma procura interessante. Como não era possível receber clientes no local, a estratégia foi adotar o formado de telentrega à noite. “Pensamos: se não conseguimos operar aqui, por que não levar o rodízio até a casa das pessoas?”, conta.
Não demorou muito para o tiro se mostrar certeiro: na primeira semana, o faturamento da operação noturna foi três vezes maior do que se faturava com o almoço antes da pandemia. O êxito foi garantido na esteira da explosão do delivery e em função do custo de produção ser muito inferior, ainda que nenhum funcionário tenha sido demitido.
Foi o que Cardoso chamou de “choque positivo”. Hoje, o “rodízio em casa” é o carro-chefe do restaurante e o que motivou a ideia da filial, que será em Vera Cruz, pelo grande número de pedidos que começaram a chegar do município vizinho.
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A telentrega é oferecida de quarta a sexta, com três opções de combos – um deles satisfaz de cinco a seis pessoas. De acordo com o proprietário, o sucesso também se explica porque a proposta, além de entregar um prato, é “proporcionar uma experiência”. Os clientes recebem do restaurante, por exemplo, uma lista com sugestões de músicas para serem ouvidas durante o jantar. “E não temos opção de porção para uma pessoa só, porque entendemos que é um momento para ser compartilhado”, explica Cardoso.
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Moradora de Santa Cruz desde 2015, Mariele Ghilardi se viu em apuros há algumas semanas quando, apenas dois meses após abrir seu estúdio de yoga, o Benzzê, a pandemia se agravou e ela foi obrigada a fechar as portas.
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Foi nesse momento que ela decidiu aplicar em seu empreendimento a experiência obtida no ano passado, quando a economia fechou pela primeira vez e ela, valendo-se da queda dos preços de cursos e especializações, aproveitou o isolamento para se qualificar. Todas essas aulas, porém, foram no modelo a distância, já que os estabelecimentos não podiam receber alunos presencialmente.
Mariele, então, passou também a atender de forma remota. Segundo ela, aproximadamente metade dos alunos toparam fazer a transição para o ambiente virtual, enquanto os outros não quiseram. Mariele também optou por não incluir nesse processo o público infantil, por entender que eles já estão sujeitos a muitas horas diárias de contato com eletrônicos, uma vez que o ensino regular também está funcionando a distância. Por outro lado, a tecnologia permitiu a ela buscar mercado para além de Santa Cruz. “A distância possibilitou uma coisa muito interessante, que é interagir com pessoas de lugares diferentes. Hoje tenho aluno em São Paulo e outro que está esperando fora do Brasil”, relata.
Com isso, as aulas online deixaram de ser um “improviso” para ela, que não tem mais intenção de parar, mesmo no pós-pandemia. “É um caminho sem volta”, definiu. Além das aulas, Mariele também começou a gravar materiais que são disponibilizados no YouTube.
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De acordo com ela, o retorno financeiro ainda não se equipara ao que tinha com o trabalho presencial, mas ela acredita que isso pode mudar com o tempo. Em termos de qualidade no atendimento, não há prejuízo. “Os feedbacks são bem positivos”, celebra.
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Para a cardiologista Leonora Scherer, a pandemia foi a oportunidade que lhe faltava para vencer a resistência em relação à telemedicina. Até então, ela não acreditava que conseguiria, à distância, o mesmo resultado que obtinha atendendo pessoas em seu consultório particular.
Com a chegada da Covid-19, porém, surgiu uma demanda nova de pacientes que, em função do distanciamento físico, exigiam um atendimento diferenciado. A solução foi criar um canal específico e apostar no modelo remoto.
Leonora passou a disponibilizar um número de telefone e uma secretária exclusivamente para os pacientes de Covid-19. Esses atendimentos ocorrem por videochamadas no WhatsApp e fora dos horários de rotina, geralmente à noite e em fins de semana. Os resultados, para ela, vêm sendo surpreendentes. “Imaginei que ia ser um atendimento precário, mas não é. Posso fazer praticamente tudo o que faço no consultório”, observou.
Parte dos casos é resolvida apenas mediante conversa e observação do paciente por meio do vídeo. Quando são necessários dados mais objetivos para analisar o quadro, Leonora orienta que adquiram aparelhos disponíveis em farmácias, como medidor de pressão, termômetro ou oxímetro, por exemplo. “Vira uma consulta tão boa quanto a presencial e talvez até melhor. No presencial, tu olhas o paciente, examina, faz um diagnóstico e ele vai voltar dali a duas semanas para avaliar. Já com esses pacientes tenho falado diariamente.” A procura vem sendo tão grande que ela chega a atender às 10 da noite. “Atendo pessoas do Paraná, o que jamais aconteceria, e de vários lugares do Estado.”
Para a profissional, o investimento também ajudou a compensar a queda no volume normal do consultório, que foi de cerca de 20% no início da pandemia e novamente agora, na segunda onda. Segundo ela, trata-se de um movimento temporário, enquanto durar a pandemia, já que ainda considera que atendimentos cardiológicos devem ser presenciais. Ela não tem mais dúvidas, no entanto, de que a telemedicina é uma tendência irreversível. “Vai se expandir e para muitas áreas”, comentou.
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