Durante o ano de 2020 Santa Cruz do Sul registrou a morte de 17 bebês ainda no ventre de suas mães. Conforme o Comitê Municipal de Ações de Redução da Mortalidade Fetal e Infantil, a quantidade de casos ocorrida no ano passado é mais do que o dobro do total de nascidos mortos em 2019. Uma série de medidas está sendo implementada para tentar frear esta estatística.
A auxiliar administrativa Regina Gehres, de 31 anos, faz parte desta lista. Na 33ª terceira semana de gestação ela perdeu sua primogênita, Heloísa, em abril do ano passado. Segundo Regina, um problema no fígado, seguido de uma pré-eclâmpsia, anteciparam o parto, que havia sido marcado para o dia 16 de junho daquele ano.
A ida ao centro obstétrico foi também um dos momentos mais difíceis da sua vida. “O médico veio dizer que teríamos que fazer uma cesariana de emergência, pois meu bebê estava em sofrimento”, recorda. Regina explica que Heloísa ainda foi reanimada pela equipe médica que acompanhou o parto, mas não resistiu.
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“Eu não fui mal atendida em nenhum momento. Só não sei por que eu não tive o acompanhamento, durante o pré-natal, com um obstetra. As consultas foram com a médica do posto, que foi muito boa também, mas não era obstetra”, complementa.
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Regina explica que teria sido informada, após o parto ocorrido no ano passado, que na próxima gestação seria acompanhada pelos serviços dedicados à gravidez de alto risco, que têm atendimento às mamães junto ao Hospital Santa Cruz e no Centro Materno Infantil (Cemai).
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Segundo a enfermeira da Secretaria Municipal de Saúde, Thaís Weiss, o atendimento pré-natal junto à rede de saúde municipal ocorre de diferentes formas. Em alguns postos e estratégias de saúde da família, é o médico com formação em saúde de família – capacitado também para fazer o acompanhamento pré-natal – que acompanha mamães e bebês. “Quando a gravidez é identificada como de alto risco, a gestante é encaminhada para o Atendimento ao Pré-natal de Alto Risco, realizado no Centro de Especialidades Médicas do Hospital Santa Cruz ou no Cemai”, afirma.
O nascimento prematuro é, segundo a Secretaria Municipal de Saúde, um fator muito presente em toda a série histórica da mortalidade infantil, não somente em Santa Cruz do Sul, mas em todo território nacional. No caso dos números do município, em 15 dos 17 casos de óbito fetal registrados em 2020 os bebês eram prematuros, ou seja, tinham menos de 37 semanas. Dentre esses 15 casos de prematuridade, levando em conta a classificação da Organização Mundial da Saúde (OMS), cinco bebês foram considerados prematuros extremos, três eram muito prematuros e sete eram prematuros moderados.
Nem todos os bebês que morreram no ano passado eram de mães atendidas no SUS. De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde, sete eram de convênios, nove do sistema público e um não teve acompanhamento pré-natal registrado.
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A vereadora Nicole Weber (PTB) foi a autora do pedido de informações que levantou a discussão sobre o tema. Ela ainda aguarda o prazo legal de dez dias úteis para que a Prefeitura apresente resposta. “É inadmissível que em um município com a estrutura que temos em Santa Cruz ocorram tantas mortes de crianças durante o período de gestação”, afirma.
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A pedido da Gazeta do Sul, o Comitê Municipal de Ações de Redução da Mortalidade Fetal e Infantil forneceu um relatório com o total de óbitos fetais ocorridos nos últimos anos (veja no quadro abaixo). De 2017 a 2020, o ano que mais teve registro de bebês nascidos mortos foi o último. Foram 17 casos, ante oito notificados em 2019.
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A enfermeira Thaís Weiss diz que até o momento o Comitê não tem como atribuir causas específicas para o aumento do número de óbitos fetais de 2019 para 2020. “É importante ressaltar que esse aumento se deu também em nível regional e não apenas local, e que em 41% dos casos analisados as gestantes fizeram acompanhamento em serviços privados, 53% no Sistema Único de Saúde (SUS) e 6% não realizou pré-natal.”
Thaís conta ainda que em alguns casos, para melhor elucidação do diagnóstico, há necessidade de realização de exames genéticos, por exemplo. Segundo ela, nem sempre estes procedimentos estão disponíveis pelo SUS. “Ou ainda, seu acesso é difícil, com necessidade de idas a Porto Alegre, por exemplo.”
A enfermeira, que é integrante do Comitê, salienta que muitas vezes existe certa dificuldade em determinar a causa básica de um óbito, sendo necessário fazer associações às condições e às patologias relacionadas à gestante. “Em função disso, há muitos óbitos nos quais a causa básica registrada no sistema de informação oficial consta como ‘causa não especificada’. No ano de 2020 foram 11 ocorrências em que esta expressão consta na declaração de óbito.”
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A 13ª Coordenadoria Regional de Saúde (13ª CRS) de Santa Cruz do Sul mantém o monitoramento de óbitos fetais na região. Os dados apresentados pela coordenadora-adjunta Aline Lima revelam que no ano passado 53 bebês morreram durante a gestação ou na hora do parto no Vale do Rio Pardo. Na comparação com toda a década passada, o percentual foi o maior.
Em 2020 a taxa de mortalidade fetal foi de 12,99% para cada grupo de mil nascidos vi-vos. “Assim que o volume de casos cresceu, nós pedimos informações ao Hospital Santa Cruz e todos os casos registrados até aquele momento foram explicados”, revela a coordenadora-adjunta.
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Além de ter sido o ano com maior número de natimortos, 2020 foi um dos que menos teve registro de nascimentos na região. A média de partos oscila entre 3,8 mil e 4 mil por ano. No ano passado foram 3.684, segundo menor número da década, atrás apenas de 2010, quando nasceram 3.575 bebês na região.
A enfermeira Maitê Lima, que também integra o Comitê Municipal de Ações de Redução da Mortalidade Fetal e Infantil, informa que um dos objetivos do grupo é avaliar as circunstâncias das ocorrências dos óbitos infantis, fetais e maternos e propor medidas para a melhoria da qualidade da assistência à saúde e demais ações para sua redução. “Neste sentido, frente à constatação do aumento do número de óbitos fetais, os comitês Municipal e Regional de Mortalidade Infantil recomendaram que fossem realizadas auditorias e reuniões específicas com os serviços das unidades de saúde, hospital e Coordenadoria de Saúde.”
Maitê acrescenta que o grupo solicitou também esclarecimentos a outros serviços médicos, como Instituto Médico Legal e Central de Regulação do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) em Porto Alegre. Um dos próximos passos, conforme a enfermeira, é a organização de uma capacitação para melhorar os registros nas declarações de óbitos, que está em construção junto à Epidemiologia do município.
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