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Em Santa Cruz, Hans Durrer sente-se em casa

Enquanto boa parte do mundo certamente sonharia com a oportunidade ou a possibilidade de se instalar na Suíça, pela reconhecida qualidade de vida desse país, um suíço fez um caminho inverso. Escolheu Santa Cruz do Sul. E faz isso de forma recorrente há pelo menos cinco anos. O escritor Hans Durrer, 66 anos, adotou a cidade como um refúgio durante o inverno no hemisfério norte. Quando chega dezembro, faz a bagagem e parte rumo ao Sul do Brasil. Instala-se em um apartamento anexo à escola de idiomas Schütz & Kanomata, e ali, em geral até fevereiro, dedica-se a escrever. Em paralelo, integra grupos de conversação e frequenta aulas de português.

Durrer é ensaísta e ficcionista, e possui ampla bibliografia publicada em inglês e em alemão, e por editoras de diferentes países – mas ainda segue inédito em português. A forma como Santa Cruz entrou em sua vida por si só seria digna de figurar em um romance. Ainda mais porque, sendo ele um cidadão do mundo, que viajara por dezenas de países e morara em diversas regiões do planeta, num primeiro momento sequer tivera contato com o Sul do Brasil.

Nascido em Grabs, no extremo leste da Suíça, próximo à divisa com o principado de Lichtenstein, mais velho de quatro irmãos, Durrer se fixou em Sargans, cidade de 5 mil habitantes, não muito longe de sua terra natal, e a 100 quilômetros de Zurique, a maior das cidades do país. Por coincidência, Durrer nasceu em 1953 no mesmo dia da emancipação de Santa Cruz, 28 de setembro, de maneira que ele e a terra que escolheu como refúgio de virada de ano aniversariam na mesma data.

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Graduado em Direito, e tendo atuado junto à Cruz Vermelha na África, fluente em diversas línguas, do alemão e do inglês ao espanhol e ao francês, fez mestrados em Jornalismo em Cardiff, no País de Gales, e em Linguística Aplicada em Darwin, na Austrália. Mais tarde, quando já havia estabelecido a rotina de vindas ao Rio Grande do Sul, cursou à distância uma pós-graduação sobre políticas relacionadas a dependência de drogas e álcool, em instituição da Escócia.

Foi no curso de Jornalismo que despertou para a escrita, habilidade que até então não explorara. Sua tese sobre fotografia documental recebeu amplos elogios dos mestres. Com tal respaldo, foi publicada em livro em 2006 por uma editora de Bangkok, na Tailândia, a White Lotus, sob o título de Ways of perception: on visual and intercultural communication.

NOVOS RUMOS

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Já com a experiência da publicação, em 2008 Hans Durrer encontrava-se em Calgary, na província de Alberta, no Canadá, e atuava como ghost-writer (escritor contratado para elaborar texto sob encomenda, em geral a ser assinado por outra pessoa). Em certo momento, decidiu que queria se instalar em região do mundo onde pudesse se dedicar a seus projetos de escrita, aprender alguma língua e, claro, escapar do inverno do hemisfério norte.

Em pesquisa na internet, procurou a recrutadora canadense Linda Rayner, que, casualmente, tinha contato com a escola de idiomas Schütz & Kanomata, de Santa Cruz do Sul, mantida pelo casal Ricardo Schütz e Takako Kanomata, ele santa-cruzense, ela japonesa. Por intermédio de Linda, Durrer submeteu uma apreciação a fim de passar a frequentar a escola e, desse modo, deslocar-se para essa cidade.

E assim foi. Em ocasião anterior, ele até havia visitado o Brasil, mas tinha conhecimento apenas da realidade do Nordeste e do Norte do País, que, segundo menciona, se assemelhava bastante com o continente africano. Também morara em Havana, onde foi casado com uma cubana, que hoje reside nos Estados Unidos e da qual está divorciado.

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Quando veio para o Sul, foi surpreendido por realidade bem mais europeia. E logo se sentiu em casa. “Talvez até pela imigração europeia, o Rio Grande do Sul se parece muito com a Itália e a Alemanha”, diz. “Costumo dizer que, de certa forma, quando povos migram para outras regiões, tentam se estabelecer em ambiente o mais parecido com sua terra de origem.” Talvez com ele próprio isso tenha ocorrido. Durrer diz que a realidade urbana de Santa Cruz do Sul o faz lembrar da calma e do ritmo de vida em sua terra.

Um ambiente que favorece a inspiração do escritor

Mais do que se sentir em casa em relação ao ambiente, Hans Durrer descobriu que Santa Cruz favorece igualmente sua escrita. “Reparei que aqui consigo produzir com mais inspiração e tranquilidade, e dar andamento a meus projetos”, enfatiza. Estes envolvem ensaios sobre diversos temas, com ênfase em fotografia, uma de suas paixões, e jornalismo, mas também ficção, com romances de suspense, na linha do thriller. “Na Suíça, a rotina sempre me desvia da concentração em meus trabalhos. Aqui tudo flui melhor”, afirma.

A partir da primeira vinda, em 2008, estabeleceu novo contato com Ricardo Schütz e perguntou se não poderia adotar a cidade como uma espécie de residência sazonal para escapar do inverno da Suíça, curtindo o verão no Sul. A proposta foi prontamente acolhida: há cinco anos se transfere para Santa Cruz na virada do ano, ocupando aposentos anexos à escola, junto ao conhecido e popular castelinho da região central da cidade. Neste verão, chegou em dezembro e pretende permanecer até o fim de fevereiro. Além de seguir com a produção literária, integra-se a grupos de conversação e frequenta aulas de português.

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Entre a primeira vinda e as mais recentes, foi ampliando sua bibliografia. Em 2011, pela editora alemã Rüegger, lançara uma série de artigos que produzira em Cardiff, sob o título Inszenierte wahrheiten: Essays über fotografie und medien (“Verdades encenadas: ensaios sobre fotografia e mídia”, na tradução). E enveredou por outros temas de reflexão e cunho filosófico, que resultaram em livros como Warum rennen hier aller so? Die Erfahrung der eigenen und der fremden Kultur (“Por que todo mundo está correndo assim? A experiência da cultura própria e estrangeira”), novamente pela Rüegger, em 2013.

Escritos aqui

m 2016 lançou Framing the world: photography, propaganda and the midia, pela Alondra Press, de Houston, Texas (EUA); e em 2017 Wie geht das eigentlich, das Leben? (“Como isso realmente acontece, a vida?”, em tradução aproximada). Neste, em especial, avaliou a questão das dependências no mundo contemporâneo. Sugere que não apenas o álcool e as drogas causam dependência, mas que o capitalismo requer, ou necessita, que haja dependência, via consumo.

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“Você tem de consumir, competir, correr, concorrer, e por isso o capitalismo está diretamente implicado com estimular dependências”, sugere. “Na sociedade contemporânea nunca se tem o bastante, precisa-se sempre mais, e isso acaba por se tornar altamente destrutivo. Não é uma energia positiva, e só alimenta mais a ansiedade e a angústia, marcas dos dias atuais”, acrescenta. Conforme cita, o livro recebeu críticas muito favoráveis.

Em paralelo, investiu na ficção, com o romance thriller Herolds rache (“Vingança de Herold”), lançado em 2018 pela editora alemã Fehnland. Nele, encena uma espécie de vingança que num primeiro momento seria pessoal, mas acaba por reverberar em todo o planeta, numa espécie de vingança da “consciência global”. As duas últimas produções, de 2017 e 2018, foram finalizadas em suas estadias de virada de ano em Santa Cruz, de maneira que a cidade está diretamente relacionada a essas obras.

Na atual temporada no Brasil, afirma que está produzindo em ritmo intenso. Trouxe consigo artigos que elaborou em ocasiões anteriores, ao longo do seu período de estudos, os quais relê e reúne para edição, e também escreve sobre sua história de andanças pelo mundo, nos diversos continentes. “Cheguei à conclusão de que sou uma pessoa bastante estável, pois sigo pensando as mesmas coisas que defendia nesses meus artigos escritos em épocas anteriores”, brinca.

E revela que se encantou com Santa Cruz. “Escrever aqui para mim é muito mais intenso do que na Suíça”, afirma, dizendo que se sente muito bem na cidade, cujo clima e ambiente lhe agradam. “Sempre viajo bastante pela Suíça, e aqui é como a vida numa pequena e pacata cidade de lá.”

Costuma caminhar, frequenta mercados e livrarias, e enfatiza que sempre foi bem tratado por todos. “Nunca tive contratempo.” E como a princípio não lida com prazos para entrega de originais a alguma editora, pode seguir no ritmo mais conveniente de leituras e de escrita, desfrutando da paz e do sossego que seu local de residência proporciona, cercado de natureza exuberante. Mesmo longe da Suíça, Hans sente-se… em casa.

A Suíça para ler

Aproveitando a circunstância de que os santa-cruzenses têm um escritor suíço em seu convívio, o Magazine refere autores da Suíça que merecem (e até devem) estar em uma biblioteca pessoal. É um país que, embora pequeno, tem quatro línguas oficiais (francês, alemão, italiano e romanche), o que promove um interessante caldeamento cultural.

Entre os mais conhecidos e elogiados desponta Friedrich Dürrenmatt (1921-1900), autor de A suspeita, O juiz e seu carrasco, Vale do caos, Justiça e Grego procura grega, entre outros. De leitura também fundamental é Robert Walser, com romances como O ajudante, Os irmãos Tanner e Jakob von Gunten: um diário.

Entre as autoras identificadas com a suíça, destaque para Germaine de Staël, a Madame de Staël, nascida em Paris mas filha de pais suíços, que tem o livro Da Alemanha disponível no Brasil; e Ágota Kristóf, húngara que se radicou em Neuchâtel, cujos romances A prova, Ontem e A terceira mentira foram editados em português.

Outros autores que devem ser mencionados são o escritor de relatos de viagem Nicolas Bouvier (1929-1998), que assina o instigante Crônica japonesa, lançado pela L± e o romancista e poeta Jacques Chessex, autor de O ogre e O sonho de Voltaire. Na atualidade, o escritor e ensaísta Alain de Botton, bastante conhecido no Brasil, e o romancista Joël Dicker, que acaba de ter seu novo livro, O desaparecimento de Stephanie Mailer, editado no País, são dois escritores com ampla repercussão mundial.

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