A Amazônia tornou-se, mais do que nunca, assunto global nos últimos meses e anos. A ameaça aos recursos naturais da maior floresta tropical do planeta tem sido tema recorrente em todos os meios. Para quem está um tanto à distância daquele ambiente, as dúvidas ou as incertezas sobre a veracidade do que é veiculado são uma constante, num embate de versões a partir de diferentes fontes, dos órgãos públicos às ONGs e a organizações de diferentes setores. É de máxima atualidade e interesse, portanto, que um livro como Banzeiro Òkòtó, nova obra da jornalista e escritora gaúcha Eliane Brum, esteja chegando às livrarias.
Mais do que se orientar por depoimentos ou por pesquisas a distância, Eliane, como era de se esperar de uma repórter de sua grandeza, mergulha na realidade do que investiga. Em 2017, e depois de inúmeros projetos editoriais de fôlego desenvolvidos anteriormente, ela tomou a decisão de se mudar e se fixar em Altamira, no interior do Pará, no coração do Xingu, uma das cidades mais violentas do País. Tudo porque ali, na porta de entrada para os confins da floresta, concentravam-se, como elementos advindos de todos os recantos do entorno, os personagens de algum modo desterrados por conta da devastação e do gradativo desaparecimento do ecossistema.
De suas visitas anteriores à Amazônia, como conta no livro, Eliane guardara o pasmo e o fascínio diante das transformações, um tanto inesperadas e profundas, que a cosmovisão do mundo amazônico provoca no indivíduo que a conhece. A jornalista sentiu-se instigada e instada a compreender melhor esse universo e, compreendendo, aliar-se de todas as formas, e com toda a sua energia, na divulgação de notícias coerentes com o que os povos da floresta e todos os seres requeriam. A partir de Altamira, e acompanhando moradores, pesquisadores, cientistas, arqueólogos, Eliane foi penetrando cada vez mais fundo na Terra do Meio, a imensa parcela da floresta situada entre os rios Xingu e Iriri.
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O seu depoimento, em forma de um volume de quase 450 páginas, tem a preocupação de denunciar, sim, a devastação que o homem branco (movido por seus interesses capitalistas, extrativistas, imediatistas e destruidores) tem provocado na floresta. E ao arrasar a floresta, condena não apenas os povos e todos os seres que formam esse mundo, mas, de certo modo, condena a própria Amazônia a nunca mais ser o que era: lar de espécies animais e vegetais únicas, que ali habitam e coexistem ao longo de milênios.
A riqueza da floresta existe, aponta Eliane, enquanto ela está em pé, porque ela própria é a riqueza. Que se torna pobreza quando a floresta some, e se transforma em deserto reduzido a milhões de seres desterrados.
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Leia trecho:
“Xingu, a palavra que nomeia o colossal afluente do Amazonas, significa morada dos deuses. Minha mudança para Altamira foi interpretada por Antonia Melo, a maior liderança popular do Médio Xingu, como um destino determinado pelas deusas e pelos deuses que faziam do Xingu a sua casa. Elas e eles haviam me levado até lá, acreditava Antonia, para que eu cumprisse minha missão junto aos povos-floresta. Sempre me fez bem escutar essa espécie de profecia repetida pela sumaúma em forma de mulher chamada Antonia Melo, cujas poderosas raízes geram outras mulheres em gesto de potência no movimento social de Altamira.
Não costumo me mover por certezas, sou mais uma criatura carregada pelas incertezas e por uma intuição que se torna cada vez mais feroz conforme envelheço. Como a todo momento me sinto perdida e fora de rumo e de prumo, fico grata quando alguém acredita que há algo determinado e predestinado no errático percurso da minha vida. Essa certeza que vem de fora me concede um efêmero momento de apaziguamento. Em seguida, já começo a duvidar de tudo mais uma vez. (…) Quando alcancei o Xingu para botar o meu corpo na Amazônia de outra maneira, em 2017, eu carregava a experiência de uma série de idas e vindas.”
Ficha
Banzeiro òkòtó: Uma viagem à Amazônia Centro do Mundo, de Eliane Brum. São Paulo: Companhia das Letras, 2021. 448 p. R$ 69,90.
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