O italiano Norberto Bobbio (1909-2004) foi um dos mais respeitados filósofos políticos. Testemunhou a ascensão e queda do fascismo de Mussolini e, depois disso. tornou-se um incansável defensor do regime democrático. Em um de seus últimos livros, intitulado Elogio da serenidade (2002), Bobbio tornou a expressar sua convicção da democracia como a melhor opção política disponível: “…a democracia, vale dizer, uma sociedade em que as opiniões são livres e portanto são forçadas a se chocar e, ao se chocarem, acabam por se depurar. Para se libertarem dos preconceitos, os homens precisam antes de tudo viver numa sociedade livre”.
Contra regimes políticos baseados na força, Bobbio sempre defendeu a livre expressão das ideias, em um ambiente no qual elas possam se confrontar e se “depurar”. Isso só é possível, obviamente, onde existe disposição para debates racionais, pautados em argumentação criteriosa e bom-senso. E onde também não haja espaço para censura, perseguições, imposição de qualquer “pensamento único”. Também é importante, para o autor, a ideia de “verdade”. Como ele diz: “Quem não acredita na verdade será tentado a remeter toda decisão, toda escolha, à força, segundo o princípio de que, desde que não se pode ordenar aquilo que é justo, é justo aquilo que é ordenado.”
“Verdade”, uma palavra pesada e frequentemente contestada, mas que significa basicamente: respeitar os fatos, porque eles existem. Hoje em dia, é preciso repetir o óbvio incessantemente. E “serenidade”, outra palavra que merece ser reiterada, talvez mais ainda. Bobbio define o “sereno” como o não violento – em contraste com a figura do “herói”, para quem são permitidas atitudes vetadas às pessoas comuns, como o uso da violência. Na verdade, o mundo dos heróis costuma ser unidimensional, pois não comporta mais do que dois termos opostos: nós e eles, amigo e inimigo, coragem e covardia, preto e branco, herói e traidor. Esse sistema de referências pode ser útil em situações orientadas para a guerra e a morte, mas dificilmente para a paz e a vida.
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Em contrapartida, o sereno é aquele que “deixa o outro ser quem é”. É tranquilo, mas não submisso. O submisso renuncia à violência por fraqueza ou medo. O sereno, não: renuncia porque considera inútil e sem sentido a “guerra de todos contra todos”, sempre movida pela prepotência, por desejo de mais poder. E, assim, torna o mundo um pouco mais respirável e habitável. Menos heroísmo e mais serenidade, para Bobbio, pode ser o caminho para consolidar um ambiente democrático capaz de funcionar de forma plena.
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