Luis Ferreira

Eles sempre têm o que contar

Sempre ouvi dizer que livros de contos vendem muito menos do que romances. Nunca entendi o motivo desse aparente desprezo dos leitores, pois o conto tem lá suas vantagens. A principal é que, se ele se for ruim, você leva minutos e não horas para descobrir. Sem descrições infindáveis e volteios exagerados, as narrativas desse gênero funcionam muitas vezes como flashes: o registro de um momento que, em sua singularidade, acaba descortinando toda uma realidade.

Lembro de O consumidor, do mineiro Luiz Puntel, um texto de três ou quatro páginas. Um homem entra em um supermercado e enche o carrinho de compras com todos os itens que encontra pela frente. Ao parar junto ao caixa, na hora de pagar, ele simplesmente abandona o carrinho e vai embora. É que esse personagem, sem dinheiro real nem virtual, queria apenas ter a sensação de ser um “consumidor”, alguém que pode ir ao mercado comprar o que quiser.

Mas, com os preços de quase tudo pela hora da morte, o máximo que consegue é esse devaneio pelos corredores, minutos de ilusão até a hora da verdade. Engraçado como um conto escrito na década de 1970 pode parecer atual assim.

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Uma espécie de delírio também acomete o protagonista de O outro, do também mineiro Rubem Fonseca. Cansado do desconhecido que todo dia lhe pede “uns trocados” na rua, um executivo toma uma medida radical para se defender. O estranho surge ao seu lado sempre como figura ameaçadora, maior e mais forte. No final, contudo, o apavorado executivo percebe que era só uma criança. Ele apenas não havia prestado atenção, não tinha parado para vê-lo como era.

Já em Meu irmão, Oswaldo França Júnior só precisa de uma página para descrever o encontro de dois irmãos que, alheios um ao outro por tempo demais, perderam a capacidade de falar. Por fim, em tempos nos quais se fala tanto (infelizmente) em violência doméstica, como esquecer de A espera, do santa-cruzense – sim, aqui da aldeia – Cassionei Niches Petry.

“Aqui, a pouco metros, meu vizinho espanca sua mulher com um cabo de enxada.” Da agressão à esperança de uma difícil, talvez impossível reconciliação, vemos tudo como em um flash. Pouco mais de uma dezena de linhas. O contista não se furta em esmiuçar os recantos mais escuros do cotidiano, nem que seja para trazer alguma luz.

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Carina Weber

Carina Hörbe Weber, de 37 anos, é natural de Cachoeira do Sul. É formada em Jornalismo pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) e mestre em Desenvolvimento Regional pela mesma instituição. Iniciou carreira profissional em Cachoeira do Sul com experiência em assessoria de comunicação em um clube da cidade e na produção e apresentação de programas em emissora de rádio local, durante a graduação. Após formada, se dedicou à Academia por dois anos em curso de Mestrado como bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Teve a oportunidade de exercitar a docência em estágio proporcionado pelo curso. Após a conclusão do Mestrado retornou ao mercado de trabalho. Por dez anos atuou como assessora de comunicação em uma organização sindical. No ofício desempenhou várias funções, dentre elas: produção de textos, apresentação e produção de programa de rádio, produção de textos e alimentação de conteúdo de site institucional, protocolos e comunicação interna. Há dois anos trabalha como repórter multimídia na Gazeta Grupo de Comunicações, tendo a oportunidade de produzir e apresentar programa em vídeo diário.

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