Rashid Khalifa, um contador de histórias, é a única fonte de alegria para os habitantes de uma cidade no país de Alefbey. Apelidado de Mar de Ideias pela riqueza da imaginação, que é capaz de criar um “fluxo interminável de histórias críveis e incríveis”, ele torna mais leve o cotidiano em “uma cidade tão arrasadoramente triste que tinha esquecido até seu próprio nome”. Nesse lugar, “fábricas de tristeza” produzem uma incessante fumaça negra que paira sobre todos.
Um dia, porém, Rashid fica em silêncio. Ele simplesmente perde o dom da palavra e, com isso, a própria alegria e a capacidade de alegrar os demais. Teria sucumbido de vez ao clima lúgubre daquela cidade? É o que o filho dele, Haroun, tenta descobrir no início do romance Haroun e o Mar de Histórias, publicado em 1990. Foi o primeiro livro lançado pelo escritor Salman Rushdie depois da condenação à morte.
Um ano antes, Rushdie, britânico de origem indiana, havia enfurecido o líder do Irã, aiatolá Khomeini. O motivo: teria desrespeitado o profeta Maomé na obra anterior, Os versos satânicos, e insultado a religião islâmica. Assim, qualquer muçulmano no planeta estava autorizado a cumprir a ordem (a fatwa) de matá-lo. Khomeini chegou a oferecer dinheiro pela cabeça do escritor.
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Salman Rushdie viveu anos escondido e sob proteção, escapou de vários atentados e continuou escrevendo. Sempre. Com o tempo, a polêmica com os radicais islâmicos pareceu ter ficado para trás. Até a sexta-feira da semana passada, quando ele quase foi morto a facadas em uma cidade norte-americana, onde se preparava para dar uma palestra.
Um homem que se diz admirador de Khomeini foi preso. Ele nunca leu Os versos satânicos, mal sabe do que se trata, e ficou espantado quando lhe contaram que não conseguira matar Rushdie. Este sofreu ferimentos graves, corre risco de perder um olho, mas sobreviveu. E não perdeu a capacidade de falar.
Não sei o que será da vida e da carreira de Salman Rushdie após esse episódio. Sei apenas que os assassinos do “bem” – sempre prontos para identificar o “mal” em quem pensa diferente deles – nunca descansam nos esforços para aumentar a tristeza no mundo.
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