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ASSUNTO DE PROFESSOR

Elenor Schneider: o bom professor é um acolhedor, um semeador de caminhos

Foto: Lula Helfer/Banco de Imagens

Foram mais de quatro décadas dedicadas em tempo integral à atividade docente. E nos mais variados níveis de ensino, para os mais diversos públicos. Se há alguém em condições de falar sobre o que é ser professor, e quais os desafios e quais as maravilhas dessa profissão/vocação, esse alguém certamente deveria ser Elenor José Schneider, de 73 anos, agora aposentado.

Natural da localidade de Boa Esperança, então interior de Lajeado e hoje pertencente a Cruzeiro do Sul, onde nasceu em 26 de agosto de 1948, Elenor teve a trajetória vinculada à Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), junto à qual, atuando na graduação e na pós-graduação em Letras, entre inúmeros outros cursos, contribuiu para a formação de milhares de estudantes que passaram por suas salas de aula. Além da atividade em sala e de gestão de departamento, entre 2014 e até a aposentadoria, em 2017, foi pró-reitor de Graduação.

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É com essa bagagem, e com esse olhar panorâmico sobre a atividade docente, que Elenor concede entrevista exclusiva para a série Assunto de Professor, da Gazeta, idealizada como subsídio de reflexão para docentes de todas as idades e de todas as áreas de ensino ou disciplinas. Nas respostas, coteja as diferentes fases vivenciadas no universo da educação, do ensino e da aprendizagem, ao longo das décadas, e analisa a constante adequação e atualização a que a atividade se vê submetida, tanto no que concerne à adoção ou ao uso de novas ferramentas (como as recentes plataformas de ensino a distância) quanto na própria formação dos professores.

Entrevista – Elenor Schneider, professor

  • Gazeta – O senhor lecionou por mais de 40 anos em diferentes níveis de ensino. Quais foram, na concepção do senhor, os grandes marcos ou as grandes rupturas no processo de ensino-aprendizagem nesse período, e como os professores puderam ou tiveram de se adaptar a eles?
    Comecei meu magistério em plena era da ditadura. Não havia sequer terminado o curso de Letras, portanto minha formação era incompleta. Nos primeiros anos, colei ao meu trabalho, de forma bem inconsciente, modelos de repressão dos quais somente me dei conta mais adiante e tardiamente me arrependi. A escola reproduzia o “eu mando, tu obedeces”. Não que isso não possa existir, mas há muitas formas de execução. Lá pelas tantas aprendi que dá para ser exigente, mas jamais se afastando do carinho, do amor, do respeito, da proximidade com o aluno, que é uma criança ou um jovem se encaminhando para a vida futura. E o professor é uma grande referência para ele. A partir dos anos 1980, ares mais suaves começaram a perpassar a educação. Estava desenhado um momento de ruptura e as escolas passaram a ter uma cortina de liberdade e democracia.
  • Algum momento anterior se mostrou sequer parecido com o que se vive hoje no ambiente da educação no Brasil e no mundo? O que o senhor aponta como mais significativo no universo da atuação do professor, na condição de ser professor, no exercício da profissão, na atualidade?
    As mudanças vieram em grande velocidade, pegando a maioria dos professores – e das pessoas em geral – de surpresa. Quando ainda se discutia se o aluno podia ou não usar a máquina de calcular nas aulas de matemática, o mundo da informática chegava de forma irreversível a todos os recantos do mundo do trabalho, do ensino, da comunicação. Antes, uma enciclopédia era uma obra valiosa de consulta. Era até um luxo ter uma coleção dessas em casa. Hoje, qualquer celular traz tudo que eu gostaria de saber. E passamos da proibição de seu uso para aliado na aprendizagem. Por outro lado, pode dispersar o interesse do aluno, que acaba vendo as aulas como desinteressantes, chatas, desnecessárias, desafiando o professor a ser infinitamente criativo e inovador.
  • O senhor lecionou nos níveis que hoje seriam equivalentes aos ensinos fundamental e médio, bem como no ensino superior e na pós-graduação. Cada um desses níveis encerra um tipo de complexidade, de linguagem e de comunicação com os alunos. Em que momento, em que circunstância, na avaliação do senhor, está a grande chave para captar, cativar em definitivo o aluno para uma caminhada plena e realizada no processo de educação?
    Trabalhei em todos esses níveis e, o mais importante, me realizei plenamente em todos eles. Tenho as melhores lembranças das quintas séries, dos anos finais de primeiro e segundo graus, dos mais diversos cursos em que atuei no ensino superior. Demorei um pouco a entender que cada turma era diferente da outra, que cada nível exigia uma forma específica de comunicação. A aula que desenvolvia na Comunicação Social não podia ser a mesma no curso de Psicologia, por exemplo. A aula que desenvolvia na turma A teria que ter matiz diferente na turma B. Quando descobri isso na plenitude, me tornei um professor muito melhor. Saber de quem estava sendo professor me proporcionou um salto de qualidade e de realização pessoal no trabalho.  Lembro que nas primeiras turmas de ensino médio o objetivo era passar no vestibular. Ensinava para isso. Mas, sem demora descobri que o importante era ensinar para a vida. E por essa razão cativava os alunos.
  • Um professor, sozinho, ou em pequeno grupo, pode de algum modo contornar ou fazer frente a um sistema educacional que, por si só, já não favorece ou até inibe uma plena formação humana e técnica da pessoa?
    Penso que o professor precisa conhecer o sistema, mas que sempre deve ter a capacidade de ser melhor do que ele. Já nos tempos de controles rígidos eu sempre dizia que, assim que fechasse a porta da sala de aula, o espaço era meu. É claro que não poderia transformá-lo em universo caótico, de desinformação, de desorientação. Eu não poderia ser irresponsável. É evidente que o professor sozinho ou em grupo pode gestar as transformações que se impõem, disseminando valores humanos e proporcionando formação técnica necessária à vida.
  • E, por falar em formação humana, o que, no entendimento do senhor, se deve compreender por tal? Qual o papel, por exemplo, das chamadas ciências humanas nesse processo? E como o senhor analisa o espaço atual para estas ciências humanas em âmbito de País? Aliás, o que se entenderia por ciências humanas e por que elas são tão relevantes para o cidadão?
    Não sei se existem ciências que não sejam humanas. Portanto, todas elas têm seu papel na formação do ser. Educação Física, por exemplo, é uma ciência humana? E pode existir algo mais relevante para o ser humano do que aprender a cuidar de sua saúde, do seu bem-estar, do seu corpo e da sua autoestima? A Biologia, a Química, na sua classificação, não seriam ciências humanas. Todos os saberes são ciência humana, todos contribuem para a formação de um bom cidadão. Da escola não deveria sair uma pessoa sequer que não tivesse o mínimo de consciência ecológica, de profundo desejo de preservação ambiental. A arte, o pensamento, a reflexão crítica, tudo isso contribui para uma formação de primeira qualidade. Eu me preocupo e entristeço quando vejo algumas pessoas tentando impor que na escola ou na universidade não se possa pensar, que não se possa divergir, não se possa ensinar que qualquer objeto ou fato tem ao menos dois lados. A beleza do mundo está na variedade das cores. Seria muito triste se tudo fosse cinza, só cinza.
  • O que se espera de um professor, acima e independente de área de atuação, disciplina ou área de afinidade?
    Considero primordial para um professor saber o seu exato papel, o seu poder de promover a transformação, de fortalecer os fracos e desanimados a vislumbrarem um horizonte melhor, um futuro melhor. Muitas casas não têm essa capacidade, embora no fundo todas as pessoas tenham esse desejo para si e para seus filhos. Os pais, muitas vezes, não conseguem ajudar os filhos nas mínimas tarefas escolares que levam para casa. Por isso, avalio a defesa da homeschool como um tapa na cara de quem não tem como se defender. Quando diretor da Escola Educar-se, repetidas vezes eu dizia, considerando os alunos rejeitados: “Nós somos a última esperança dessas crianças abandonadas!” O bom professor é um acolhedor, um semeador de caminhos.
  • O que se poderia ou deveria esperar efetivamente da escola e dos gestores por ela responsáveis?
    A escola deve ser um espaço bem cuidado, bonito, agradável, deve deixar orgulhoso quem nela transita e vive. Aos gestores cabe isto: não apenas suprir as necessidades materiais, mas também olhar atentamente para a qualificação do seu quadro, para o pátio limpo e talvez até com árvores e flores, saber das eventuais dificuldades de seus professores dentro e fora da escola, enfim, tornar humano e feliz esse espaço tão importante. Gestores têm que ser líderes em sua comunidade, em seu bairro, atrair os pais e torná-los coparticipantes da educação de seus filhos e da conservação da escola. Quando olhamos para a história dos nossos imigrantes, por exemplo, uma das metas prioritárias era construir uma escola. Eles sabiam que dali viria a transformação.
  • É, diante do cenário atual, acreditar que a escola no Brasil, seja pública ou privada, forma efetivamente para que, adiante, o aluno se torne um cidadão pleno, realizado, feliz e capaz de explorar seus dons e suas potencialidades? O que um professor deve fazer, dentro e fora de sala de aula, para cativar o aluno ou convencê-lo de que aquilo que ele apresenta, propõe ou ensina é de fato relevante e merece ou requer atenção e energia?
    Mesmo passando por sérias restrições e ameaçada de patrulhamento, a escola tem como compromisso prioritário formar cidadãos. E essa formação deve perpassar todos os momentos, todas as aulas, todas as disciplinas. Não basta ater-se aos conteúdos de determinadas matérias, cumprir o programa. É indispensável saber para que há de servir isso que se está estudando. E, sim, explorar as potencialidades, incentivar os talentos perceptíveis, compreender as dificuldades e ajudar o aluno a superá-las com a devida sabedoria. Passa pelo professor a aceitação ou a recusa daquilo que está sendo estudado. O professor tem que ser o primeiro a acreditar naquilo que ensina e como isso se relaciona com a vida.
  • O senhor é reconhecido como um mestre que, além de defender com ênfase a leitura, sempre motivou e estimulou os alunos a ler. O que ler significa para um estudante?
    Quem lê, injeta sangue nas veias de sua formação. Quem não lê, navega por campos áridos, em que a vida brota com muita dificuldade. Quem lê, sabe pensar mais, sempre tem a capacidade de compreender-se melhor, de trazer para a sua própria história de vida aquilo que outros já viveram. A leitura precisa aflorar espontaneamente, não pode ser uma imposição. A escola deve ter a preocupação permanente de renovar sua biblioteca, de dar visibilidade ao livro, aos resultados da leitura. Vamos recordar Jorge Luís Borges: “De todos os instrumentos inventados pelo homem, o mais assombroso é o livro; todos demais são extensão do seu corpo; somente o livro é extensão da imaginação e da memória.” Sempre é mais interessante ouvir um político, um empresário, um professor, seja quem for, quando se percebe que é uma pessoa que lê. E não falo somente de literatura, falo de todas as fontes que nos podem tornar melhores.
  • O senhor também coordena um seminário de língua portuguesa em Rio Pardo. Este evento terá a sua retomada presencial em 2022? Se sim, já tem data de realização e panorama de temas a serem contemplados?
    Fui convidado para coordenar uma edição e acabei ficando já por quase 25 anos. Esse seminário é um dos mais importantes que se realizam no Rio Grande do Sul. Constitui-se em excelente oportunidade de atualização e formação, principalmente para professores. Neste ano, depois da parada da pandemia, estamos voltando. A 28ª edição acontece nos dias 20, 21 e 22 de julho e promissores painéis e palestras estão na programação. Como coordenador, sempre busquei privilegiar a qualidade. Não me interessam muito os palestrantes espetaculosos, aqueles que, finda a sua fala, tudo já se evaporou. Nossos temas dominantes são a língua, a literatura e questões relacionadas à educação. A edição deste ano vem recheada de ótima programação.
  • Algum sonho no ambiente do ensino que o senhor perseguiu ou alimentou e que não viu realizado ou não se realizou? Ainda acredita que será possível vê-lo concretizado?
    Um dos meus arrependimentos é não ter publicado as tantas metodologias que usei, principalmente da metade em diante do meu magistério. Eu era obsessivo na questão de sempre inovar, de criar exercícios significativos, de não me repetir. Quando vejo, hoje, o material didático que levava para minhas aulas, sinceramente me emociono e digo para mim mesmo: como não gostar de uma aula assim?
  • É possível conceber um espaço de ensino ou de educação sem professor? A partir disso, que tarefa nos cabe em sociedade para que as gerações atuais e as futuras sejam plenamente educadas dentro dos conceitos e das informações de que necessitarão para, por sua vez, se realizarem?
    Não consigo entender um espaço de educação sem professor. Vou adiante: bom professor é aquele que estudou para isso, que continua estudando, que se informa, que não vive alienado, aquele que não se fanatiza mas tem visão crítica, que tem capacidade de discernir, aquele que não aceita a fome, as agressões ambientais, o desemprego, como se isso fosse a condição normal de uma sociedade. Das mãos de professores assim pode-se esperar um futuro muito mais animador, uma sociedade muito mais humana e feliz.
  • O que é ensinar?
    Ensinar é simplesmente um exercício de amor. E o amor é, como se pode ler na Bíblia, perseverante, gratuito, desinteressado, misericordioso, exigente, sincero; quem ama, quer o bem do outro. Ensinar sempre me levou para perto da paixão. Eu era um professor apaixonado pelo que fazia. Todos os apaixonados por sua profissão nunca encaram o trabalho como um exercício pesado, detestável. A mãe que ensina a filha a bordar, fica feliz quando esta aprendeu e agora anda sozinha. O pai que ensina ao filho o manejo da terra, fica feliz quando este anda sozinho e até faz muito melhor do que o próprio pai. Ensinar é simplesmente um exercício de amor.

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