Se há pessoa que é sinônimo de incentivo à leitura para várias gerações, esta sem dúvida é o professor Elenor Schneider. Aos 75 anos, e aposentado das funções em sala de aula ou na gestão, acumula ampla experiência na dedicação ao ensino, nos mais variados ambientes, mas especialmente no nível superior.
LEIA TAMBÉM: Literatura: a hora e a vez de Marli Silveira
E, nessa trajetória, transmitir o amor aos livros foi uma de suas grandes missões. Em 2024, é homenageado como a personalidade incentivadora da leitura na 35ª Feira do Livro de Santa Cruz do Sul. Nesta cidade ele se radicou há mais de cinco décadas, sendo natural da localidade de Boa Esperança, no interior de Cruzeiro do Sul. Em entrevista ao Magazine, reflete sobre a homenagem e sobre a sua trajetória.
Publicidade
Magazine – O senhor é homenageado como incentivador da leitura na Feira do Livro de 2024. Quem foi o seu maior incentivador?
Praticamente até o Ensino Médio trilhei meus caminhos sozinho. Através de colegas do internato, descobrimos alguns autores que nos fascinavam. Um deles era Karl May, um narrador fascinante, hoje quase desconhecido. Winnetou, percorrendo as cordilheiras, romances que se passavam no Velho Oeste americano, nos chegavam com uma vida pulsante. No Ensino Médio, encontrei um professor que me abriu muito os horizontes da leitura: José Clemente Pozenato. Através dele, cheguei perto de alguns grandes autores da literatura brasileira. Lembro que iniciei a leitura de Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa, mas não consegui ir muito adiante.
LEIA TAMBÉM: “Meu pai é um herói”: escritora santa-cruzense lança segundo livro
Publicidade
Só depois descobri a grandeza dessa obra, bem como de toda a produção desse autor. Em Letras, nossa leitura foi pobre. Quando iniciei meu magistério na escola, meu repertório era mínimo. Por bom tempo, falava de obras que não tinha lido e isso, lá pelas tantas, me fez abrir os olhos. Não conseguiria induzir ninguém a ler sem conhecer o conteúdo das obras. Então, mergulhei profundamente na leitura dos autores da literatura brasileira em torno dos quais giravam minhas aulas. Depois, centenas, milhares de outros, de todas as nações, entraram na minha vida. O Mestrado igualmente me abriu horizontes quase infinitos.
O que melhor funciona como estímulo a que uma pessoa passe a gostar de ler?
No meu ponto de vista, é fundamental escutar alguém que tenha lido uma obra interessante e venha a dizer: lê, tenho certeza de que vais gostar. Muitas obras que li vieram dessa receita. Além disso, ler resenhas, comentários, referências sobre autores e suas produções ajuda muito a criar esse desejo. O gostar nem sempre nasce fácil. Às vezes, precisa de um empurrãozinho. Encontrei muitos alunos que vinham me dizer que nunca tinham lido um único livro na vida. Eu dizia: vais começar, então, comigo. E, de fato, muitos iniciaram sua jornada por aí.
Publicidade
O senhor foi professor em diferentes níveis de ensino. A paixão pela leitura pode conquistar e cativar a todos, indistintamente?
LEIA TAMBÉM: Fernanda Tochetto e Isaac Bertuol reúnem autores em livro desenvolvimento pessoal e profissional
Disso tenha certeza. Quando comecei a observar o perfil da turma, do curso, direcionei algumas indicações, que depois abriram caminhos para que as pessoas continuassem a ler, inclusive importando o hábito para suas famílias, seus filhos. Aqui, estamos falando de literatura, mas a leitura não se limita a isso. Todos os profissionais, de todas as áreas, precisam da leitura para se tornarem melhores a cada dia. Certa vez um aluno me disse: não preciso de leitura, isso não vai mudar minha vida. Nunca esqueci minha resposta: pois é, cavalos não leem, cachorros não leem, galinhas não leem, burros não leem…
Publicidade
Por que ler, ou gostar de ler, é importante, sob a ótica do senhor?
No fundo, parece-me uma questão muito pessoal. Cada um lê tendo seus objetivos e suas razões. Para mim, é uma forma de preencher dignamente a vida. De todos os livros, de todas as obras, alguma coisa fica em nós e, somando tudo, isso acaba nos constituindo como pessoas, como cidadãos. Os livros nos ensinam a viver melhor, a compreender os outros, a entender desde as pequenas atitudes até as grandes atrocidades que já se cometeram na humanidade.
Como o senhor definiria um leitor, ou, no caso, um bom leitor?
Publicidade
Um bom leitor é um apaixonado. Está sempre inquieto e incompleto, porque faltam mais leituras em sua vida, ele deseja muito que essa aventura não tenha fim. Um bom leitor afaga o livro como se fosse seu próprio filho. Toca as páginas como se afagasse a pessoa amada.
O senhor também organiza eventos literários: como é, agora, estar do lado dos que são homenageados num evento? Como o senhor pretende curtir essa feira?
Sou meio retraído para essas coisas. Mas recebi com alegria o convite. E fiquei muito feliz por estar ao lado de Martha Medeiros e da colega de Academia Marli Silveira. Quero ser um divulgador do evento, convidando as pessoas a comparecer, a comprar livros, a fortalecer a feira, um grande evento, mas que exige muita dedicação e doação de quem o organiza. E, por isso, merece recompensa.
LEIA TAMBÉM: Martha Medeiros é patrona da 35ª Feira do Livro de Santa Cruz do Sul
Na condição de leitor, quem são seus autores de maior predileção, e obras referenciais?
Pergunta bem difícil essa. Indico alguns, especialmente clássicos: os brasileiros Machado de Assis, Graciliano Ramos, Lygia Fagundes Telles, Erico Verissimo, Jorge Amado, Guimarães Rosa, Assis Brasil, Autran Dourado, Drummond, Manuel Bandeira, Cecília Meireles, são tantos. E alguns estrangeiros: Gabriel García Márquez, Tolstoi, Tchecov, Dostoievski, Mário Arregui, Eça de Queirós, Flaubert, centenas…
Qual livro o senhor mais vezes leu, e por quê?
Visito com frequência os contos de Machado de Assis, de Guimarães Rosa, Memórias póstumas de Brás Cubas, O tempo e o vento (principalmente pela energia de O Continente), Grande sertão: veredas, as poesias de Fernando Pessoa, entre outras. Os textos que nos marcam profundamente sempre merecem uma nova visita.
Que obras ainda não leu, e pretende ler?
No meu radar próximo: Leopold, de Assis Brasil, Círculo de sangue, de Toni Belmonte.
LEIA TAMBÉM: Festival de Santa Cruz de Cinema já tem 509 inscrições
O senhor também escreve, o que inclui crônicas publicadas na Gazeta do Sul. De que forma ler se vincula ao escrever?
Escrever tem estreita vinculação com ler. Para escrever, tem que contar com conteúdo; caso contrário, uma crônica ou um poema não passarão de uma aventura casual. Toda boa leitura é referência para uma boa escritura. Ler, mas compreendendo, leva para muito longe. Uma das formas de um livro permanecer em nós é, após a leitura, escrever um pouco sobre ele. Fazer anotações ao longo da leitura ajuda demais a injetar a obra em nós.
LEIA MAIS SOBRE CULTURA E LAZER
Chegou a newsletter do Gaz! 🤩 Tudo que você precisa saber direto no seu e-mail. Conteúdo exclusivo e confiável sobre Santa Cruz e região. É gratuito. Inscreva-se agora no link » cutt.ly/newsletter-do-Gaz 💙
This website uses cookies.