A mera presença de Pilly Calvin ilumina um cômodo inteiro, seja pelos vibrantes cabelos vermelhos, pela risada alta, ou pelas roupas sempre únicas. Contudo, o que encanta o olhar do espectador são maneirismos sutis, como a forma delicada de segurar o cigarro, a insinuação de um sotaque ou os olhares – ah, os olhares não negam a trajetória de uma atriz com 50 anos de carreira. Nessa profissão, ela já foi protagonista e coadjuvante, mocinha e vilã, e mesmo longe dos palcos encontrou vários papéis: de mãe, filha, bióloga, diretora e tantos mais.
Pilar Nuñez Calvin nasceu em Valencia, na Espanha, há quase 70 anos. Os pais se mudaram da Europa para Santa Cruz do Sul na década de 1950, para que o pai trabalhasse numa indústria do município. Uma das tradições da família era ir aos cinemas todos os sábados e domingos conferir os filmes da Era de Ouro de Hollywood, estrelados por Sophia Loren, Claudia Cardinale e Brigitte Bardot. “Na volta pra casa, sentávamos com um café e umas bolachinhas, pai, mãe e filhas, para comentar o que o filme tinha nos passado. Isso me ajudou muito na criação de personagens, foi muito forte na minha formação essa época”, conta. Outras referências são as atrizes Fernanda Montenegro e Marília Pêra e os cineastas Pedro Almodóvar e Federico Fellini.
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A história da artista com o teatro começou na adolescência, quando estudava em colégio de freiras, onde encenava peças de teatro. Aos 13 anos montou uma peça no galpão da oficina do pai, e o valor dos ingressos foi doado para a igreja. Mais tarde, estudante de Biologia, curso no qual se graduou, foi convidada para uma leitura e diante da falta de uma das atrizes, aceitou o convite para substitui-la. Aceitou e não parou nunca mais. Com 19 anos, ajudou a fundar o Teatro de Bolso, em Bagé, depois se mudou para Porto Alegre onde residiu por cerca de 20 anos. Foi na Capital que o nome Pilar, tão comum quanto Maria por aqui, se tornou Pilly nas mãos da imprensa, e o apelido virou nome artístico. Além de ter morado em São Paulo e no Rio de Janeiro, ela teve temporadas morando na Espanha, onde também trabalhou com o teatro.
Somando experiências no cinema, na televisão e no teatro, de acordo com Pilly, cada meio possui particularidades. “No teatro é preciso exagerar, ter movimentos largos, tudo é grande para a energia chegar no público. Atrás da máquina é o contrário, ela trabalha muito a teu favor, então não é preciso fazer tanta coisa, uma atuação mais comedida, uma olhada, um gesto, tem grande diferença”. Já do cinema para a tevê, ela explica que no segundo tudo é imediato e gravado sem ensaios, e com o tempo ela passou a gostar de atuar em todos os formatos.
Além de adorar se assistir na tela, Pilly adora “carregar a pilha”, como diz, assistindo a espetáculos teatrais e musicais, e sente falta de uma maior variedade de opções na região. “Isso faz muita falta. Volta e meia tenho que viajar para São Paulo, então assisto 10, 20 peças, sempre com ingressos oferecidos por amigos”, comenta. Segundo a atriz, outro hábito que contribui para o trabalho é a leitura, que desenvolve a imaginação, criatividade, além de trazer informações.
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A atriz conta que não é uma daquelas pessoas que pensava desde pequena em fazer teatro. “Nem me passava pela cabeça, mas o teatro sempre me procurou e nunca me faltou trabalho”, relata. Quando perguntada de quantas produções participou ao longo da carreira, a atriz garante que não há como saber o número exato. Foram nove seriados, algumas novelas, sendo a mais recente Salve-se quem Puder, da Rede Globo, além de três longas metragens, dezenas de curtas – muitos produções de universidades que apoia – além de centenas de peças de teatro. Em casa, são duas gavetas de uma cômoda cheias de roteiros e programas guardados de quando ela ainda tinha intenção de criar um portfólio.
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Há dois meses, Pilly concluiu as gravações da série Centro Liberdade, rodada em Porto Alegre, pela Prana Filmes. É o trabalho mais recente dela. Analisando a própria carreira, ela diz que sempre acreditou que os artistas possuem um par de antenas a mais, captando problemas antes e os retratando no palco e no texto. “Eu acho que todas as peças que você apresenta e as pessoas saem tocadas, modificadas, valeu a pena. Porque o teatro sempre será, não morre, nada toca mais do que a energia que você manda direto para a pessoa, olho no olho. Vou completar 70 anos em abril, uma vida bem vivida, sou alegre e feliz, porque fiz o que quis. Até rimou”, conclui.
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Mãe progressista
Pilly é mãe de Guillermo Calvin, de 33 anos, que mora em São Paulo. Ela conta com orgulho que criou o filho sozinha, e decidiu ser mãe solo com apoio dos pais. “Eu não vejo muita harmonia nos casamentos e não tenho vocação pra ele. Fui 13 anos casada e não foi legal, não fiz a pessoa feliz e não fui feliz”, relembra. A mãe pedia que ela tivesse um filho e que não era preciso estar casada pra isso. Com 36 anos, a atriz começou a sonhar que tinha um filho e passou a desejar a maternidade, o que ocorreu em seguida, levando o filho desde a infância nas viagens e mudanças. A volta dela para Santa Cruz ocorreu para cuidar dos pais, já falecidos, quando estavam idosos.
Atividades locais
Em Santa Cruz do Sul, Pilly Calvin fez parte da trupe responsável pelo lendário Paradão do Floriano, espetáculo apresentado no extinto Café Floriano, que reunia esquetes, dublagens e uma série de inovações teatrais. “Era muito divertido de fazer, e o público enlouquecia. Nunca vi caber tanta gente em um espaço tão pequeno. Cada vez a gente chegava de um jeito diferente: de caminhão soltando foguetes, na outra entramos de empilhadeira, a gente fazia horrores”, brinca. Foi ali que ela conheceu Duca Spall e Simone Bencke, com quem viria a fundar o Espaço Camarim, local marcante para a história do teatro no município. Pilly deu aulas e oficinas, além de dirigir peças no espaço. “As minhas oficinas sempre terminavam com uma peça, eram umas cinco por ano e sempre tinha público. Não venham me dizer que Santa Cruz não tem público que é mentira, sempre lotava”.
Um peixe fora d’água
Quando voltou da Espanha para Santa Cruz, para cuidar dos pais, Pilly não era conhecida na cidade e o estilo único foi alvo de olhares atravessados. “Eu me vestia diferente e as pessoas me olhavam de cima a baixo, então me sentia um peixe fora d’água”, disse. As roupas excêntricas são um reflexo da personalidade dela, que nunca quis vestir o óbvio, sendo diferente em todos os locais que morou. No município, conta que passou a ser respeitada pelo trabalho e reconhecida como atriz.
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A artista defende que se vestir de uma forma exótica ajuda a cultura local, por desembaraçar cada pessoa da multidão. O cabelo vermelho, que se tornou como uma marca, por exemplo, foi pintado pela primeira vez há mais de 30 anos para uma peça, numa época em que poucas mulheres tingiam o cabelo desse tipo de cor. “Eu sou uma pessoa individual e a minha força está exatamente nisso, em ser o que tu és, não o que os outros querem que seja. Alguém tem que abrir caminho, é coisa de ter a sua personalidade”.
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