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Ricardo Düren

É tempo de ter fé

Já se passou quase um ano desde que escrevi, nesta coluna, sobre uma séria preocupação que nossa caçula, Ágatha, demonstrou no período da Quaresma de 2020.

– Pai? – chamou-me, na ocasião. – Será que o Coelho da Páscoa pega coronavírus?

A apreensão da traquinas tinha lá suas justificativas. Uma vez que o Coelho estivesse isolado, de quarentena, a entrega dos ninhos estaria comprometida. Contudo, na manhã de Páscoa, os ninhos com guloseimas foram encontrados aos pés da árvore pascalina – um galho caprichosamente adornado pelas gurias com cascas de ovos pintadas à mão. E, ao redor, podiam ser vistas as pegadas que o Coelho deixou ao circular pela sala – estranhamente, ele pisou em alguma coisa, talvez em uma poça de tinta branca, antes de entrar. Guloso, ainda deixou por ali uma cenoura parcialmente roída.

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Pelo visto, ou o Coelho é imune ao vírus ou toma os devidos cuidados.

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Lembro que, na época, ainda estávamos nos acostumando com a ideia da quarentena e nutríamos a impressão de que a pandemia acabaria logo adiante. Nem nos passava pela cabeça a possibilidade de atravessar uma segunda Quaresma sob a ameaça da Covid – muito menos com índices muito piores de doentes e vítimas.

Mas a Páscoa, vale lembrar, é tempo de esperança, de mudança, de vida nova. Se na Páscoa de 2020 tínhamos uma mera impressão, ainda fantasiosa, de que a pandemia não iria durar até o ano seguinte, agora é preciso acreditar com todas as forças, com todo o nosso coração, que venceremos o vírus nos próximos meses. Afinal, a fé move montanhas – e nos move a grandes realizações. Paradoxalmente, no caso da pandemia, a grande realização passa por atitudes simples: usar a máscara, lavar as mãos, usar o álcool gel, abdicar das festas e aglomerações. Não parece tão difícil.

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Falando nisso, gostei do primeiro discurso do médico Marcelo Queiroga, o futuro novo ministro da Saúde. Em tempos de tanta divisão política e ideológica, inclusive no que toca ao combate à Covid, Queiroga adotou um tom conciliador. Ao mesmo tempo em que defendeu a manutenção da atividade econômica, corroborou o que diz a ciência e conclamou a população a fazer sua parte: apelou para o uso da máscara e para a atenção às regras de higiene e distanciamento. Deixou subentendido que uma coisa está vinculada a outra – ou seja, para que fábricas, lojas e restaurantes possam ficar abertos, a população precisa se cuidar para valer.

Do contrário, acontece o que vimos em nosso Estado em fevereiro e agora em março: após um clima de oba-oba, com praias e praças abarrotadas, festas clandestinas e máscaras esquecidas, as UTIs lotaram, vidas se perderam em ritmo assombroso e o comércio teve que fechar. Que essa dura experiência nos sirva de lição daqui para a frente.

Enfim, coloquei fé no Queiroga, que demonstrou ser um sujeito equilibrado e com visão sobre os dois lados da moeda. Espero, contudo, que tenha pulso firme para acelerar a vacinação dos brasileiros, que ainda se arrasta de maneira frustrante.

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Desta vez, Ágatha não tem demonstrado apreensão com o risco de o Coelho não aparecer daqui a duas semanas. Pelo visto, concluiu que pode colocar fé nele. Suas preocupações têm girado em torno do tradicional almoço de Páscoa. A caçula defende que deveríamos bolar algo diferente neste ano. Como anda fascinada com os animes do Naruto, sugere um almoço ao estilo japonês.

– Poderia ser comida japonesa, com hashi ao invés de talheres…

Hashi

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– Siiiim, paiii. É o nome dos pauzinhos que os japoneses usam para comer.

Eis mais um desafio para nós, pais. Os hashi exigem uma técnica apurada de manuseio, que eu não domino – o que me deixa em risco de passar fome na ocasião. Além disso, não faço ideia de como é a Páscoa no Japão, país de tradição budista. A única certeza que tenho é que, lá, a Páscoa começa 12 horas mais cedo. Tá aí mais uma coisa a se aprender.

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