Na quarta-feira, profissionais ligados ao meio ambiente visitaram o trecho em obras na Rua Marechal Floriano no intuito de avaliar as condições das quatro árvores suprimidas
Desde o início da nova etapa das obras de revitalização e de ampliação do calçadão da Rua Marechal Floriano, o futuro do Túnel Verde esteve em debate. Exatamente duas semanas após o começo das intervenções na quadra entre a 28 de Setembro e a Júlio de Castilhos, o inesperado aconteceu.
No dia 11 de fevereiro, duas tipuanas, que há mais de seis décadas embelezaram e forneciam sombra no cruzamento com a 28 de Setembro, perderam o equilíbrio e se inclinaram. Uma delas acabou escorada sobre um prédio. O fato foi inédito e não havia ocorrido durante as intervenções nas outras quadras.
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Seis dias depois, mais duas tipuanas acabaram cedendo, na segunda-feira, dia 17, e caíram em uma edificação, resultando em mais danos. As duas ocorrências geraram prejuízo aos comerciantes no trecho.
Diante dos fatos, o Ministério Público instaurou inquérito civil e pediu a paralisação das obras. Em resposta, o Município afirmou que somente irá remover exemplares se for necessário.
Enquanto o futuro do Túnel Verde é debatido, a Gazeta do Sul visitou o trecho com profissionais da área ambiental para verificar as condições das tipuanas. Para os três, há possibilidade de salvar as quatro árvores que cederam. E plenamente de manter todas as demais.
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O relógio marcava 14 horas de quarta-feira, dia 19, quando o engenheiro agrônomo Clóvis Berger observava com atenção o que restava das quatro tipuanas que tombaram. Seus vastos troncos haviam sido drasticamente suprimidos e a sombra gerada pela sua cobertura verde já não existia mais.
Minutos depois, chegavam o professor de Engenharia Florestal da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Jorge Farias, e o engenheiro florestal Juarez Iensen Pedroso Filho. O presidente do Conselho Municipal de Meio Ambiente, Enoir Greiner, e o ambientalista José Alberto Wenzel uniram-se ao trio, para verem de perto o estado das árvores.
Após uma análise, constararam que não há necessidade de remover os exemplares que se inclinaram. Segundo os profissionais, fisiologicamente elas demonstram estarem sadias e sãs. “Pela avaliação, eu não vejo nenhum problema em relação à idade. Dá para salvar todas elas”, destacou Berger.
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Para o grupo, a manutenção é “perfeitamente” viável. No entanto, conforme Farias, é necessário um tratamento. “Se a ideia de permanecerem as árvores vingar, tenho a convicção de que a próxima etapa é fazer cortes no topo e passar um produto adequado para cicatrizar e evitar o apodrecimento.”
Na avaliação dos especialistas, o maior problema dessas árvores está relacionado mais à perda de equilíbrio do que em relação à presença do maquinário. Após a primeira ter cedido, na esquina, devido à desestabilização do terreno, associada ao excesso de chuva, houve uma espécie de efeito dominó que afetou as demais.
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Juarez explicou que uma tipuana apoia-se na outra. “As árvores, por si só, não têm boas formas devido ao ambiente em que se encontram. Ele é hostil a elas. Mas foram sobreviventes e se autoprotegem. E a perturbação veio desse efeito dominó, que é algo que pode ir se agravando”, enfatizou.
Conforme o engenheiro florestal, trata-se de espécie com muito resiliência e por isso é comum encontrá-la em ambientes urbanos. “Ela resiste a esses ambientes e tem a capacidade de brotar. Aqui na cidade, temos vários exemplos de árvores assim. Vale o esforço em conservar essa área tão importante para a cidade, obviamente sem correr riscos e sem expor o patrimônio e as pessoas.”
Para os técnicos, o objetivo não é só preservar o túnel, mas sim conservá-lo. Isso requer, entretanto, a elaboração de um plano de manutenção e reposição caso alguma tipuana venha eventualmente a morrer. “Vai haver um momento em que vamos precisar remover uma árvore. Esse não é o problema. O que falta é um plano”, ressaltou Farias.
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O grupo também destacou que não pretende apontar culpados pelo que ocorreu no Túnel Verde, e quer inclusive se aproximar do poder público para auxiliar na tomada de decisão. Na visão dos especialistas, é necessário somar o conhecimento científico no Município para buscar medidas em prol das tipuanas “Temos a chance de criar um case de sucesso para mostrar como se faz o manejo”, defendeu o professor.
“As tipuanas são totalmente recuperáveis”
Clóvis Berger/Engenheiro agrônomo
“Dá para salvar as árvores, com certeza. Pela avaliação, não vejo nenhuma com problema de idade. Elas estão sadias, só que foram muito mal podadas. Foram trucidadas, um desastre o que fizeram ali. Porém, é totalmente recuperável.
É necessário fazer a fixação dela, ser equilibrada novamente, se ainda não foi feito, e realizar um tratamento fitossanitário, para que não haja a entrada de alguma doença. Também precisamos deixar ela brotar e conduzir o processo de maneira a formar de novo a copa original.
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Para mim, todo o problema reside no desequilíbrio da copa, um erro na sua condição que vem ao longo dos anos. Eu vi uma foto, acho que da década de 1970, em que as tipuanas, podadas, tinham 5 metros de altura. E agora elas estão com pelo menos 15 metros, e deveriam estar na metade desse tamanho com a copa, daí não teria problema nenhum.
A poda racional, feita com conhecimento e os cuidados próprios, teria conduzido as tipuanas à situação de equilíbrio entre a copa e o sistema radicular e respeitando o espaço dos prédios e outros itens do espaço público.
Esse processo deve ser contínuo ao longo dos anos. Com esse cuidado, a eventual substituição de alguma tipuana seria muito tranquila, sem afetar as árvores próximas. Eu acho que está havendo uma inversão nesta obra. A ideia do calçadão é fazer o calçadão porque existem as tipuanas, existe o Túnel Verde. No momento em que se pensa em tirar o Túnel Verde, qual a função, qual o sentido do calçadão? Se não priorizarmos elas, a população não vai ter mais a sombra e o aconchego proporcionado pela alameda, porque a obra vai tomar espaço. Podemos manter o Túnel Verde por tempo infinito.”
“É importante abraçarmos a ciência”
Jorge Farias/Professor do Curso de Engenharia Florestal da UFSM
“Entendemos que é necessária a conservação do Túnel Verde e isso passa pela necessidade de adaptarmos as obras civis às árvores, e não o contrário. Nós estamos vendo em várias cidades as pessoas priorizando o concreto e deixando as árvores se virarem. E o que estamos vendo aqui é um pouco disso. O Município focou num projeto totalmente voltado para benfeitorias e obras civis e esqueceu as árvores.
E a consequência veio, a conta chegou. Removeram o solo, não levaram em consideração o tamanho da copa, a posição da árvore… E aí houve uma conjugação de fatores, chuva, peso de árvores, posição, entre outras. Foi um efeito dominó, caiu uma e vêm caindo as outras.
A nossa sorte é que não estamos passando por nenhum forte temporal. Se estivéssemos, seria catastrófico.
As tipuanas não estão comprometidas. Elas foram cortadas e passaram por uma poda muito drástica. Nós podemos assumir um compromisso, se tivermos apoio do Município, em termos de recursos operacionais, e conseguiremos salvar essas quatro tipuanas que foram podadas drasticamente. Não há necessidade de remoção delas.
Inclusive, nós podemos, tecnicamente, lançar um desafio para garantir a restauração, a conversação e a recuperação delas, para que sirvam de modelo de como nós podemos conduzir o restante das tipuanas no Túnel Verde.
A longo prazo, temos que começar a construir um plano de gestão do Túnel Verde. É uma coisa que está caindo de maduro. E outra questão é que eu acho importante abraçarmos a ciência. Nós temos que olhar para o Túnel Verde com esse olhar de conservação ambiental, mas pensando em harmonia, em consolidar essa necessidade de preservação e de desenvolvimento.”
“A Marechal Floriano é o que é devido ao Túnel Verde”
Juarez Iensen Pedroso Filho/Engenheiro florestal
“As obras que foram realizadas não contemplaram a arborização que existia aqui. Eu emiti um parecer, estive visitando uma árvore da esquina, que foi uma das que eu avaliei como possível de permanecer. E mesmo assim, essa foi uma das que tombaram.
Isso evidencia que as intervenções físicas que ocorreram aqui afetaram a estabilidade dela e levaram-na a se inclinar e se encostar no prédio. Por consequência, com essa remoção das duas da esquina, veio se agravando um efeito dominó.
Eu entendo o Túnel Verde como algo único, as árvores estão sendo preservadas ao longo das décadas, porque elas coabitam nesse ambiente. Então, é isso que mantém elas por tanto tempo, de uma forma tão longeva, num ambiente tão difícil para o desenvolvimento de árvores; elas se autopreservam.
Com essa perturbação que aconteceu na esquina, isso veio se agravando. Então, nessas quatro árvores que tiveram que receber essa intervenção drástica, talvez uma opção seja estabilizar os troncos, manter e fazer um trabalho específico no entorno das árvores.
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Dá para ver pela seção transversal dos troncos que eles estão extremamente íntegros. Não há podridão, não há medula podre, não há um processo de apodrecimento do tronco. Ou seja, fisiologicamente, elas estão bem.
É preciso buscar uma harmonia, a estabilidade no espaço que ela tem e ver se há ferramentas para manejar e conduzir a arborização compatível com o local. O Túnel Verde merece esse esforço para mantê-lo por décadas convivendo pacificamente, de forma harmoniosa e segura, tanto para o patrimônio privado quanto para as pessoas. A Marechal Floriano é o que é devido ao Túnel Verde.”
Na última quinta-feira, o Conselho Municipal de Meio Ambiente e Saneamento Básico protocolou no Gabinete do Prefeito e da Procuradoria-Geral do Município um ofício sobre as tipuanas que formam o Túnel Verde. O documento resultou de uma reunião ocorrida no dia 14 de fevereiro, e também foi encaminhado ao Ministério Público.
Nele, a entidade sugeriu a manutenção do tronco dos quatro exemplares que sofreram supressão após tombarem. Conforme o ofício, eles pedem para que, segundo os técnicos da área florestal, avaliem a situação para que possa ocorrer a brotação dessas árvores. Apela ainda para a alteração no projeto de acessibilidade.
Ainda durante a reunião, os integrantes do conselho debateram acerca da supressão de quatro tipuanas no próximo trecho da Rua Marechal Floriano a receber as obras, entre a Júlio de Castilhos e a Ramiro Barcelos. Duas delas, segundo o ofício, apresentam boas condições de sanidade, tendo apenas interferência nos traçados previstos de acessibilidade.
Para o conselho, uma alternativa é o deslocamento dos traçados a fim de permitir a manutenção das árvores. A justificativa teve como base laudos técnicos com sugestão e parecer da Sociedade dos Engenheiros e Arquitetos de Santa Cruz do Sul (Seasc).
Outras duas, situadas em frente ao Colégio São Luís, poderão ser mantidas após o rebaixamento das copas e o escoramento, conforme recomendações contidas em laudos técnicos.
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No documento, consta que o conselho buscou opiniões de profissionais e da Seasc. Sugere ainda que o escoramento, durante a execução dos serviços, tenha acompanhamento de um responsável técnico, que deverá orientar as operações e tomar medidas necessárias em caso do risco de queda.
A secretária municipal de Meio Ambiente, Prissila Bordignon, anunciou nessa sexta-feira as recomendações presentes no parecer técnico encaminhado ao Ministério Público. O estudo foi realizado durante a semana para apurar os motivos que levaram ao tombamento das tipuanas, além da situação fitossanitária das demais árvores que formam o Túnel Verde no trecho em obras.
A recomendação dos técnicos é remover e substituir dois dos quatro exemplares que se inclinaram. Um deles, segundo o documento, estava com o tronco oco e o outro apresentava um corte de raízes mais profundas, incluindo as principais. “Uma árvore está 50% desvitalizada e a outra apresenta poucas raízes por ter sido podada de uma maneira totalmente errada”, destacou Prissila.
A pasta irá avaliar se fará a retirada dessas duas tipuanas. As demais serão mantidas para rebrote, permitindo o crescimento de novos brotos após serem podadas.
De acordo com a secretária, não há um prazo estabelecido para a remoção. “O grande debate vai se dar para escolher a espécie para a substituição, se será a tipuana ou uma similar para fechar o Túnel Verde”, afirmou.
Conforme o estudo realizado pelos técnicos do Meio Ambiente, a queda das quatro tipuanas não foi resultado de uma única causa, mas de uma associação de fatores. O primeiro a ser mencionado são os fatores climáticos adversos durante o período em que ocorreram os tombamentos.
Também foi constatada uma alteração do curso pluvial. Proprietários de estabelecimento relataram diversos vazamentos na rede provocados pelas próprias raízes. Ainda registraram uma elevada umidade nos troncos e nas raízes das tipuanas, evidenciando a incapacidade das árvores em absorver o acúmulo de água subterrânea. Conforme o parecer, acumulações de água por períodos prolongados podem causar podridão de raízes e fazer a árvore tombar, por conseguinte.
A apuração também menciona que os quatro exemplares estavam situados em frente a edificações com fachada de menor altura em relação às demais tipuanas do Túnel Verde. E também estão situadas em esquina, que são as primeiras a sofrer adversidades climáticas.
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Outro fator citado foi o corte de raízes feito no ano passado. Segundo o relatório, embora tenha sido emitido um alerta para preservar as raízes principais, o que poderia levar a um tombamento, tal medida não foi respeitada.
Na avaliação da secretária de Meio Ambiente, Prissila Bordignon, a poda de raízes ocorreu de forma “malfeita e malconduzida”. “As raízes essenciais, que foram destacadas com um spray prata, não poderiam ser retiradas. Mas foram”, salientou.
Prissila Bordignon
Secretária municipal de Meio Ambiente
Conforme a titular da pasta, apurou-se que a ação ocorreu sem um monitoramento da equipe. Diante disso, afirmou que irá abrir um processo administrativo para apurar os fatos. “Não conseguimos nenhum registro fotográfico. Como foi feito isso? Foi pela Secretaria de Obras. E como foi feito sem nenhum tipo de acompanhamento técnico?”
Prissila cita ainda a falta de manutenção e de um cronograma de podas. A secretária apurou que tal medida não ocorria há muito tempo. “E o peso das copas, associado à falta de manutenção, colaborou para o tombamento. Então, é um somatório de fatores e que vem acontecendo há décadas.”
Na tarde de sexta-feira, o promotor Érico Barin, que nesta semana instaurou um inquérito civil para apurar a queda das tipuanas, manifestou-se sobre a resposta enviada pela Prefeitura de Santa Cruz do Sul ao Ministério Público. Nela estavam incluídos documentos, como laudos técnicos da Secretaria Municipal do Meio Ambiente e da Defesa Civil.
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Conforme Barin, a documentação assegura a possibilidade de sequência das obras sem que prejudique ou resulte na extração de outras árvores. “Então, o primeiro objetivo do Ministério Público foi atingido, qual seja, de que as obras apenas prosseguissem em havendo laudo ou parecer técnico ambiental atestando a ausência de novos prejuízos ao patrimônio público ambiental e paisagístico. Isso protege tanto as tipuanas quanto a população”, destacou.
O promotor afirmou que continuará monitorando as intervenções para verificar se todas as cautelas previstas nos laudos serão acatadas. Também enviará sugestões ao Município com base no laudo feito pelo Gabinete de Assessoramento Técnico, que deverá chegar na segunda-feira. “Prosseguiremos na tentativa de elucidação dos motivos que deram causa a quedas e extrações de tipuanas”, ressaltou.
Quanto a outra investigação existente, Barin afirmou que retomará as tratativas com o Município e as entidades de defesa do meio ambiente. O intuito é intensificar o monitoramento do Túnel Verde e evitar novos incidentes, assim como preservar o patrimônio público.
Sobre a recomendação de retirada de duas tipuanas, conforme o parecer técnico do Município, o promotor afirmou que aguarda o parecer do GAT. “Numa primeira análise, o laudo da secretaria municipal está bem elaborado”, afirmou.
Para a apuração do inquérito, o promotor solicitou que a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) e a Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema) fizessem uma vistoria no trecho em obras. Conforme a assessoria de imprensa do governo do Estado, a visita ocorreu na tarde dessa quinta-feira. Agora os técnicos estão elaborando o laudo que, após revisado, será juntado na ação civil pública.
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