Por Alessandra Steffens Bartz
Psicóloga
asbartz@gmail.com
Em meio ao isolamento e à escassez da água, a vida não tem parada: segue seu ritmo, seu rumo incerto. Eis que no andar do tempo chegamos ao período do ano em que ocorre a celebração da Páscoa. Bem de mansinho, dessa vez sem lojas ornamentadas, sem igrejas abertas, vamos nos dando conta de que estamos não somente em quarentena, mas também em tempo de quaresma. Ambos momentos de extensa reflexão.
Reflexão é a tônica que estamos vivendo coletivamente, todos envolvidos na mesma teia de angústia, preocupação e esperança. Ao mesmo tempo o mundo, exceto algumas culturas, vivencia os ritos pascais. De forma mais intimista, em suas casas, as missas e cultos religiosos serão acessados unicamente através dos meios de comunicação. A palavra fé tem sido reprisada nas redes on-line, convidando a pensar o que é a fé para cada um de nós. Muitas vezes os membros mais velhos da família carregam maior religiosidade e clamam aos demais para rezar, orar, conversar com seu Deus. Lembremos de proporcionar o acesso aos rituais da Páscoa aos mais velhos e não letrados em tecnologia. Para algumas vovós assistir à missa do domingo é muito importante e o rito da celebração da Páscoa é um momento especial na tradição religiosa.
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A festa da Páscoa nos remete também ao ritual familiar. Mais do que nunca vamos viver essa passagem em família. Cada lar tem seu modo de praticar os rituais, conforme foi transmitido de geração a geração. Esses ritos marcam a vida em família, permitindo que facilmente lembremos da Páscoa da infância, geralmente com alegria e saudade. Os símbolos pascais expressam emoções e pensamentos. Daí a importância do ovo, do coelho, da cruz, que simbolicamente transmitem mensagens. Exploremos em solidão, em casal ou em família, o significado dessas mensagens conforme a crença particular de cada um. Boas conversas podem surgir em meio à confecção de enfeites para colocar em casa, ou na invenção de ninhos artesanais; pais contando aos filhos sobre como era a Páscoa no passado da família ou até mesmo revisitando fotos de Páscoas passadas.
Curiosa esta encruzilhada onde se alocaram fatos que nos convidam a refletir: o coronavírus e seus impactos, o sofrimento da natureza, a Páscoa. Rever, reinventar, ressignificar, ressurgir, mudar. Estamos encurralados em mar revolto. Continuemos a remar. As crises convidam a refletir, aprender e agir. Então vamos nos unir em nossas casas, alguns com suas famílias, e planejar a Páscoa dentro das possibilidades atuais. Mesmo quem está sozinho, tire a poeira dos seus coelhos ornamentais para expor pela casa. Podemos sabiamente resgatar receitas de família, de doces caseiros, como o doce de batata, de abóbora, de amendoim. As crianças adoram pintar cascas de ovos com tinta, papel crepom. Desengavetem os diversos materiais que tiverem ao dispor. Com vontade e criatividade, a família pode compor uma linda festa da Páscoa, com doces caseiros, biscoitos pintados (que as crianças se divertem enfeitando), chocolates comprados ou ovos feitos em casa, a partir de barras deliciosas. Não precisamos largar os remos e pensar que esse ano não vai ter Páscoa. Já é Páscoa! Depende somente da postura de cada um de nós. E lembrem-se: estamos falando de um estado de espírito muito mais do que um evento comercial.
Embalados pelos símbolos da Páscoa, façamos o encontro com nosso íntimo. Nossos olhos enxergam para fora e nem sempre vemos o outro em sua totalidade, com qualidades e defeitos. Estamos muito estressados e críticos, polarizando o bem e o mal como realidades absolutas. A crise desnuda e mostra quem é quem. Mas e eu? Como eu estou conduzindo minha vida, como estou gerenciando minhas emoções, de que forma estou contribuindo para melhorar o clima atual de dor e incerteza? Não procure culpados ou apedreje, não profira palavras duras e agressivas. Olhe fundo para dentro de si e questione o que você está fazendo. Estou sendo solidário, cooperativo, afetuoso, fraterno? Estou preocupado com o bem coletivo ou somente com o meu próprio umbigo? Todos os anos a Páscoa nos convida a revisar nossa vida. Precisamos rever profundamente a relação conosco, com a família, com a comunidade, com a natureza, com o mundo. Vamos acolher as reflexões e fazer dessa Páscoa algo diferente, talvez com mais significado do que em outrora. Feliz Páscoa!
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