Não raro, sou questionada se não preferiria viver na Alemanha, pelo muito que falo e escrevo a respeito, pelo uso frequente do alemão. Resultado das vivências que acumulei ao longo de minha vida em terra alemã e também do idioma, presente desde o meu nascimento. Redarguo se também não houve percepção de que igualmente falo muito de meu lugar de viver, de minha Heimatstadt Santa Cruz do Sul e do cultivo que faço do idioma oficial de meu país. De meus empenhos, enquanto professora universitária que fui por muito tempo, em favor dos dois idiomas.
Parece-me que algumas pessoas não entendem que a ideia de Alemanha ou Santa Cruz, do uso de uma ou de outra língua, que os diferentes modos de constituir vida, de seus significados nela existentes, transcendem em muito a uma simples escolha de permanência cá ou lá, de uma ou outra língua.
O sentimento de pertencimento – Heimatgefühl – que os dois espaços e os dois idiomas me conferem está intimamente ligado às minhas vivências e às raízes. Independentemente de onde eu estou, sinto-me ligada às gerações que me antecederam, sem as quais eu não existiria. De modo que amo tanto meu lugar de viver aqui, como me sinto em casa lá, do outro lado do oceano. Os dois espaços e os dois idiomas promovem minha vida, dela são indissociáveis.
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O nacionalismo tentou arrancar das pessoas esse sentimento de pertencimento expresso em idioma alemão, que incluía tanto o lugar de origem quanto a nova Heimat. De modo que, até hoje, há muitos que acreditam que somos menos brasileiros se cultivamos um olhar atencioso também para o idioma alemão, ou para outro lugar que não seja Brasil e o idioma oficial. Não entendem que a Alemanha, para muitos descendentes, mesmo para quem nunca esteve lá, pode ser um conceito espiritual, não um conceito necessariamente físico. Um estado de alma que se cultiva por meio da língua, da música, dos cantos, da culinária, das tradições, da literatura, dos valores, que fazem parte de uma Weltanschauung – uma visão de mundo que não nos torna menos brasileiros; pelo contrário, colabora para o cultivo de nosso lugar de viver. Colabora para a identidade de nossa região, diferenciando-a de outras, e este é um fator importante para o desenvolvimento de um lugar.
Aqui, em nossa região, esse espírito se presentifica por meio do cultivo da língua e da herança cultural na vida de muitos descendentes. Eles se identificam com seu lugar de viver, com cultura e língua da comunidade e, igualmente, mantêm aquele antigo olhar de encanto e de valorização do lugar de sua origem. Cultura e língua os enriquecem.
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Brasilianisch & Deutsch podem coexistir sem conotação política, mas como um estado de espírito que se cultiva. Esse espírito também se suplanta à noção geográfica de pertencimento. É um estado de alma que habita em nós, quando nos sentimos em casa em mais de um lugar, e que habita também na alma de descendentes que mantêm acesa a chama dos antepassados em seu ser. Isto transcende a ideias nacionalistas e confere peculiaridade a nossa região oriunda da antiga Kolonie Santa Cruz – é viver e amar seu lugar de viver – pode incluir mais de um lugar – mas é, principalmente, honrar e incluir a herança cultural ao cultivo do lugar em que a vida medra, fazendo dele um lugar melhor para toda a coletividade. É viver com duas almas em um só corpo.
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