Rádios ao vivo

Leia a Gazeta Digital

Publicidade

JOSÉ ALBERTO WENZEL

Doze assentos junto à cruz verde

Posso adiantar que o lugar fica no Cinturão Verde, em sua porção norte. Bastante exausto, pois o aclive exigira esforço, fui tomado pelo imprevisto. Afeito a encontrar um fragmento de rocha diferenciado, uma planta incomum, alguma fonte escondida, um muro de pedra antigo, talvez algum caminho pioneiro ou um animal curioso, não me preparara para chegar a uma pequena clareira. Não que outras inexistam. Todavia, esta é de fato incomum.

No topo da meia encosta, por entre frondosas árvores, abre-se um espaço rodeado por 12 pedras que denotam assentos, formando um círculo. Assentado, me deixei ficar. Consultei o mapa. “Precisamos de um levantamento que integre as relações naturais e construídas”, pensei.

Aproveitei para tomar um gole de água da garrafinha que a Vera não me permite esquecer. Ajeitei a caderneta de notas para registrar o momento. No papel, já amarfanhado por mãos trêmulas, rabisquei a posição das 12 pedras. Foi quando vi um cipó na forma de cruz.

Publicidade

Brotado no limite do círculo, o cipó curva-se sobre si mesmo, como a tomar força, para sustentar sua bifurcação logo acima. Cada braço sobe à luz das alturas, ombreando apoios em troncos que brilham dosséis ao sol da manhã deste maio. Mesmo as cruzes têm raízes nutridoras e folhagem que respira solaridades.

Poderia ter me detido em imaginar o propósito e quem desenhara o círculo em assentos de pedra que convergem para um cipó em cruz, porém optei por absorver a mística/física do lugar. Como sair de uma clareira misteriosa? Descobri que poderia seguir por uma trilha em direção sul como descer por outra mais a noroeste. Logo percebi que as duas eram a mesma; a que trazia também reconduzia.

Antes de seguir caminho, fiz o que há muito pretendera: desvestir o “olhar de paisagem”, que vê sem enxergar, que se vale da legislação para nela encontrar brechas e se justificar, que culpa aos outros para não se enfrentar, que se percebe omisso para não se incomodar, e pior, sucumbe perante seus erros, com o que se percebe constrangido ou até desautorizado a defender o Cinturão Verde, ou outra virtuosa causa de coletivo alcance.

Publicidade

“Que nossos erros, sejam antigos ou recentes, não nos tirem das lutas que verdadeiramente valem a pena”, garanti a mim mesmo, sem desmemorizar o passado, que deste ninguém se despe. Já em pé, falei ao vento. Ventilei um pedido: que minhas cinzas fossem sopradas no Cinturão Verde. Aliviado e respeitoso, tomei coragem e me aproximei do cipó erguido em cruz. A esta pedi licença. Agradeci a oportunidade de confirmar que DEUS e NATUREZA podem ser escritos com as mesmas maiúsculas.

***

Dedicamos esta coluna ao ambientalista José Lutzenberger, falecido no dia 14 de maio de 2002. Ele nos ensina que a redenção é possível. Em 1970, próximo aos 44 anos de idade, analisou seus erros e optou, vigorosamente, pela preservação e recuperação da natureza.

Publicidade

LEIA MAIS TEXTOS DE JOSÉ ALBERTO WENZEL

Quer receber as principais notícias de Santa Cruz do Sul e região direto no seu celular? Entre na nossa comunidade no WhatsApp! O serviço é gratuito e fácil de usar. Basta CLICAR AQUI. Você também pode participar dos grupos de polícia, política, Santa Cruz e Vale do Rio Pardo 📲 Também temos um canal no Telegram! Para acessar, clique em: t.me/portal_gaz. Ainda não é assinante Gazeta? Clique aqui e faça sua assinatura agora!

Publicidade

Aviso de cookies

Nós utilizamos cookies e outras tecnologias semelhantes para melhorar sua experiência em nossos serviços, personalizar publicidade e recomendar conteúdos de seu interesse. Para saber mais, consulte a nossa Política de Privacidade.