A doutora do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional (PPGDR) da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), Tuíze Rovere, recebeu o Prêmio Capes de Teses 2024 na área de Planejamento Urbano e Desenvolvimento Regional. O prêmio é considerado o “Oscar acadêmico” do Brasil.
Tuize, com orientação da professora Cláudia Tirelli, apresentou a tese TERRITÓRIOS DE (RE)EXISTÊNCIA: Cidades, mulheres e as redes de cuidado como subversão da política pública habitacional. O trabalho resulta da compreensão de que existem cidades diferentes para grupos de pessoas diferentes.
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“A cidade, que é pensada pelos planejadores urbanos, não é a mesma cidade vivida no cotidiano das mulheres, das pessoas racializadas, das crianças, das pessoas com deficiências, dos idosos, da população LGBTQIAPN+, etc. Nas periferias empobrecidas essas diferenças se tornam ainda mais gritantes. A partir desta compreensão, minha intenção foi buscar entender como as mulheres moradoras das periferias urbanas, atravessadas pelas políticas públicas habitacionais, desenvolvem suas formas de (re)existência a partir do vivido, e assim subvertem as normas sobre elas impostas.”
Tuize se propôs a desenvolver uma exploração etnográfica junto às moradoras de um residencial em Santa Cruz do Sul, financiado pelo programa Minha Casa Minha Vida, em uma das regiões mais empobrecidas da cidade. Na construção da tese buscou investigar as formas que essas mulheres desenvolvem no cotidiano de suas vidas para sobreviver, (re)existir e subverter as normas impostas a elas pela política pública habitacional, que ela considerou como uma biopolítica, na medida em que tenta controlar seus corpos na cidade, determinando onde devem viver, por onde devem circular, como devem se comportar nos diferentes espaços.
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“Mas elas subvertem essa lógica e resistem para manter a própria existência e dos seus, construindo redes de ajuda e cuidados entre si. Considerando que o Brasil é um país fortemente marcado pelo racismo e de bases escravagistas, busquei amparo em epistemologias feministas e decoloniais e no cruzamento de metodologias disruptivas que pudessem promover a aproximação com o cotidiano das moradoras, acompanhando-as em suas rotinas diárias e ouvindo suas narrativas por cerca de um ano. A tese delineia suas territorialidades espaço-temporais e suas experiências desde as margens, mostrando outra dinâmica urbana e outra forma de viver a cidade, muitas vezes silenciada pelas construções hegemônicas de cidadania e urbanidade. Assim, a tese mostra que as subjetividades dessas mulheres são construídas a partir dos seus lugares de moradia e de suas relações com a casa, a vizinhança, a rua, o bairro e com a cidade. Da mesma forma, mostra que o acesso às políticas públicas habitacionais traz ao mesmo tempo oportunidades e constrangimentos às suas vidas, assim como a manutenção de seus lugares junto às periferias empobrecidas.”
A pesquisadora ainda faz questão de frisar que foi dentro do PPGDR que compreendeu a importância das dinâmicas territoriais para a compreensão dos efeitos das políticas públicas nos territórios. Foi no Programa também que passou a entender a multiescalaridade das práticas sociais, e como a microescala pode definir a macroestrutura e vice-versa. “O programa, através dos professores e especialmente da minha orientadora, me instigou ainda mais o interesse que eu já tinha pelas políticas públicas urbanas, me levando à compreensão de seu funcionamento e de sua complexidade. E foi refletindo sobre os próprios conceitos de desenvolvimento e de região que expandi minha compreensão crítica sobre as cidades e as dinâmicas urbanas.”
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Arquiteta e urbanista, Tuize ainda se diz incrédula por receber o prêmio, visto que, segundo ela, fazer doutorado é um empreendimento de vida e demanda muito esforço, ainda mais no caso dela, mãe-solo e com uma criança de 7 anos na época em que passou na seleção. “Quero que a minha pesquisa sirva de subsídio para outras tantas e também para políticas públicas que proporcionem mais autonomia para as mulheres, especialmente as mulheres moradoras das periferias urbanas brasileiras. E gostaria também que contribuísse para a efetivação de um campo consistente nos estudos urbanos feministas no Brasil, um país de tantas desigualdades e onde as mulheres ainda são a maior parte da população abaixo da linha da pobreza e das pessoas sem moradia adequada, além de um país onde os índices de violência contra as mulheres não param de crescer. Assim, receber este prêmio me vem como reconhecimento, tanto do meu esforço pessoal como pesquisadora, intelectual e acadêmica, como do campo dos estudos feministas e decoloniais dentro do planejamento urbano e regional. Um campo ainda tão estigmatizado na nossa área.”
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