Muito antes de se tornar uma data de grande relevância para o comércio, com ampla variedade de produtos industrializados e forte impacto nas vendas, a Páscoa em Santa Cruz do Sul era comemorada em todas as casas com doces tradicionais produzidos pelas próprias famílias, que se empenhavam muito na confecção dos itens e nos rituais de encher as cestas e escondê-las para que as crianças pudessem encontrar. É o que recordam Rovena Emília Kahmann, a Frau Kahmann, de 101 anos, e Moina Fairon Rech, de 90 anos. Apesar das idades avançadas, a memória de ambas é invejável e fonte inesgotável de boas histórias.
Em seu livro Uma janela para o passado, Moina dedicou um capítulo inteiro para recordar as tradições da Páscoa vividas durante a infância, no Centro de Santa Cruz. Os tempos, conta ela, eram outros, e as tradições eram levadas rigorosamente a sério. A vida começava a mudar já no Domingo de Ramos, celebração que marca a abertura da Semana Santa. “A procissão era grandiosa, era tanta gente que fazia a volta na praça. Hoje são celebrações pequenas, dentro das igrejas”, observa.
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Na Sexta-feira Santa, as rádios de Porto Alegre – naquele tempo não existiam emissoras locais – deixavam a programação de lado e se dedicavam à execução de músicas clássicas. “Não havia nem comerciais. Para quem gostava desse tipo de música era um achado, porque não tocava mais nada”, recorda Moina. Nas igrejas, os sinos não tocavam e todas as imagens eram cobertas, em sinal de luto pela morte de Jesus Cristo.
Ao longo da semana, as crianças guardavam os ovos de galinha para que fossem coloridos e recheados com amendoim doce, também na Sexta-feira Santa. Durante o dia, as famílias apressavam os preparativos para a Páscoa, tocando também a produção de biscoitos da mesma receita usada no Natal. Alternavam-se somente as fôrmas para outras alusivas à data. Os hoje tradicionais e muito procurados ovos de chocolate, recorda Frau Kahmann, praticamente não existiam nas lojas e armazéns. Os poucos que havia não ganhavam destaque nas prateleiras e não eram uma possibilidade para todos. Quando havia um na casa, era repartido entre todos.
Além dos chocolates, as crianças também aguardavam ansiosas pela roupa nova. A missa de Páscoa era dia de estrear o novo traje de frio, que seria utilizado regularmente por, pelo menos, um ano – ou enquanto ainda servisse. “Nós não tínhamos muitas roupas para ocasiões como festas e ir à missa de domingo. As peças se repetiam muito até que a família pudesse comprar outras”, recorda a Frau, que nasceu em Linha Dona Josefa, no antigo distrito de Vila Theresa (hoje Vera Cruz) no início da terceira década do século passado. “A gente se comportava muito bem e deixava tudo arrumado, senão o coelho não nos deixava nada”, recorda, bem-humorada.
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