Cultura e Lazer

Dom da palavra: Antonio Carlos Secchin concede entrevista à Gazeta

O professor e escritor Antonio Carlos Secchin demonstrou ao longo dos anos familiaridade com os mais diferentes gêneros de texto. Da poesia ao ensaio, colecionou premiações. E em 2022 apresentou aos leitores um volume reunindo narrativas curtas, Ana à esquerda: & outros movimentos, lançado pela editora Martelo, com 128 páginas, o qual proporciona acesso ao seu lado ficcionista. Que, por sinal, envolve uma segunda parte nesse volume, trazendo uma novela, Movimento, antes publicada em sua juuventude.

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Como frisa na entrevista por e-mail que concedeu à Gazeta do Sul, essa obra teve calorosa acolhida, afirmada com o Prêmio da Biblioteca Nacional para livro de contos. Tende a ser um estímulo ou um incentivo extra para que ele persista no exercício da escrita ficcional. Além de professor e escritor, Secchin é um bibliófilo, que nunca descuida de salientar sua paixão pelo manuseio de livros, tanto antigos, dignos de coleção, quanto lançamentos, a fim de se manter atualizado em relação à produção de seus pares. Frequentador assíduo e contumaz de livrarias e sebos, compilou uma lista completa dos locais do gênero no Rio de Janeiro e em São Paulo. São, compreensivelmente, como capitais culturais da região Sudeste, as duas cidades com o maior número desse tipo de estabelecimentos.

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Para outros bibliófilos, o Guia dos Sebos das cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo é um precioso manual, a indicar endereços que Secchin, com seu olhar acurado de mestre, prospectou.

Entrevista

  • A diversidade que está sendo promovida em termos de integrantes da ABL, com mais mulheres e inclusive o primeiro indígena (Ailton Krenak), é uma forma de sugerir e inspirar esse protagonismo e essa abertura também em outras instituições e na sociedade como um todo?
    O principal requisito para a escolha de um acadêmico é a qualidade de sua obra. Quando a isso também se alia a representatividade de algum segmento, tanto melhor, mas a representatividade em si não é suficiente, se não se faz acompanhar do reconhecimento do alto nível de uma trajetória. A Academia, como a sociedade, é plural, e é orgulhosa e zelosa dessa pluralidade.
  • Como é a relação do senhor com autores e intelectuais gaúchos ao longo do tempo e como é a relação do senhor com o Estado? Vem com alguma regularidade ao Rio Grande do Sul?
    Ia mais ao Rio Grande do Sul quando ainda era mortal (rsrs). Participei de Feiras do Livro, ministrei curso na pós-graduação da Ufrgs, percorri muito os sebos de Porto Alegre. Estou sempre receptivo à possibilidade de retornar, se bem que, hoje em dia, não dou mais aulas, e compro livros antigos pela internet . Continuo assíduo nos sebos gaúchos, mas agora em visitas virtuais.
  • Quem são as suas grandes predileções pessoais em termos de autores e de obras, na literatura nacional?
    Para ficar nos mortos: minhas predileções são previsíveis – Machado de Assis, Guimarães Rosa, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral… No entanto, confesso que me agrada muito descobrir/ler autores esquecidos, responsáveis por uma espécie de prazer clandestino. Topar com autores da chamada “segunda linha”, que poucos conhecem e que têm valor, no período em que me concentro, entre meados do século 19 e as primeiras décadas do século 20. No Rio Grande do Sul, o simbolista Marcelo Gama seria exemplo da boa literatura de escassa ressonância.
  • E na internacional, quem foi determinante em sua formação e quem hoje especialmente gosta de ler?
    Aqui teria de fazer uma relação por idioma/país, e seria lista longa demais. O diferencial, em relação à lista brasileira, é que entrariam os pesos-pesados, pela dificuldade de acesso aos ditos “menores” de outras literaturas.
  • Muito se debate a projeção da literatura brasileira no mundo. Isso é importante? O senhor entende isso como relevante? E como pode ser promovido, inclusive por vias institucionais?
    Nossa literatura, infelizmente, está fora do circuito internacional., num reflexo da modesta posição que, lamentavelmente, o português ainda ocupa em termos de capilarização cultural, quando comparado com o inglês, o espanhol, o francês, o italiano, o alemão… Por isso, ainda necessitamos de estímulos, como o da BN, que fornece bolsas de tradução a profissionais estrangeiros dedicados à literatura brasileira. Há poucos anos, numa grande livraria parisiense, vi nossos autores alojados numa pequena prateleira de modesta estante identificada como “literatura portuguesa”. Dá a impressão de que nem sequer chegamos a1822.
  • Leitura, literatura e educação são irmanadas. Como melhorar a relação do brasileiro com a leitura? Como avalia o momento atual, nesse sentido?
    Não alimentemos qualquer ilusão, agora temos de conviver com um mundo em que o livro perdeu a centralidade. Ainda assim, a literatura fornece um tipo de conhecimento que nenhuma outra modalidade discursiva veicula. Que ela sobreviva, no livro. Ou fora dele, na telinha, mas que resista. Contra todas as previsões, o e-book não extinguiu, sequer ameaçou, o livro físico.
  • Quais têm sido seus projetos mais recentes na produção literária? A que tem se dedicado ou o que deve lançar em breve?
    Na minha oscilação poesia/ensaio, o filão que ficou mesmo sufocado foi o da ficção. Todavia, em 2022, lancei pela Martelo, de Goiânia (GO), Ana à esquerda & outros movimentos, ficção reunida, que, para minha agradável surpresa, obteve o segundo lugar no Prêmio da Biblioteca Nacional para livro de contos. No ensaísmo, pela editora da Unesp, saíram em 2022 dois alentados volumes, Papéis de prosa – Machado & mais, e Papéis de poesia II. Agora, espero que seja a vez, em 2025, de o poeta voltar à cena.
  • O senhor é um bibliófilo reconhecido, com direito a ter lançado guia de sebos do Rio e de São Paulo. Segue frequentando muito esses espaços? Como vê as perspectivas desse mercado, e também das próprias livrarias? Garimpar em sebos poderia ser considerada uma arte à parte, não é mesmo? O senhor vê assim?
    Vejo ambiguamente. Comemoro o fato de, pelos sites da internet, ter acesso a sebos e livros que não teria condição de conhecer presencialmente. Mas deploro que essa modernização tenha drasticamente diminuído o número de livrarias físicas. No Centro do Rio, fecharam quase todas. Isso priva o bibliófilo de um de seus maiores prazeres: no garimpo, deparar com livros que não procurava, mas que lá estavam à espera dele.
  • Se o senhor pudesse enviar um recado a um estudante dos ensinos Fundamental e Médio, em termos de atenção e dedicação à leitura, que argumento usaria, nesse sentido?
    Numa sociedade em que se perpetua vertiginosa transformação, a leitura é a melhor arma para desenvolvermos a capacidade crítica e de conhecimento do mundo. Adaptando e invertendo um conhecido ditado, lê melhor quem lê primeiro.

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Romar Behling

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Romar Behling

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