Entre argumentos contra e a favor, o tema aborto é sempre motivo de polêmica. Recentemente, com os debates realizados no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a descriminalização, as discussões ganham as rodas de conversa. Em Santa Cruz do Sul não é diferente. Veja o que dizem alguns profissionais e líderes religiosos.
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Para a sexóloga e ginecologista Renata Becker Jucá, uma educação sexual com foco também nos métodos contraceptivos precisa ser adotada como forma de prevenir a gravidez inoportuna. “Nós já temos legislação que trata de casos específicos, onde o aborto é permitido (no Brasil ele é possível se a gestação colocar a mãe em risco, se o feto for anencéfalo ou se a gravidez for fruto de estupro). O que preocupa é que, se a prática for de fácil acesso, possa ser realizada por impulso”, diz. “Após o ato, a culpa e o arrependimento podem trazer sérias consequências para a vida reprodutiva da mulher.”
Além disso, Renata aponta que uma gravidez não planejada pode se tornar desejável com o passar do tempo. Assim, afirma que a mulher não deve assumir a decisão sozinha. “Tem outra pessoa que participa disso e que é pouco abordada: o pai”, alerta. Diante de alguns argumentos favoráveis ao aborto, de que a mulher é dona do próprio corpo, a médica afirma: “A gravidez é algo que acontece dentro da mulher, mas o corpo que está lá dentro não é parte dela.”
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Diante de um tema tão cercado por controvérsias, o diálogo. É dessa forma que o padre Roque Hammes, coordenador da Pastoral na Diocese de Santa Cruz do Sul, acredita que o assunto deveria ser tratado. Para ele, apesar de a Igreja Católica defender a vida acima de tudo, o termo “descriminalização” precisa ser repensado. “Nós não queremos enxergar as mulheres como criminosas.” Ele também defende ampliar a discussão e responsabilizar todos os envolvidos, com foco no papel do homem.
Caso a votação no STF aprove a descriminalização, o pároco entende que será necessário pensar em uma série de medidas para não banalizar a prática. “A decisão não pode ser tomada da noite para o dia”, argumenta. De acordo com Hammes, no entanto, o ideal seria que houvesse um trabalho efetivo de prevenção e que a educação sexual também fosse trabalhada no cotidiano das pessoas.
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Procurar a igreja para a tomada de decisão é uma medida sugerida pelo pastor Márcio Arthur Trentini, da Comunidade Evangélica de Confissão Luterana no Brasil. “Nós não queremos apontar culpadas, mas amparar nesses momentos”, salienta. De acordo com ele, no entanto, seria preciso repensar medidas públicas, entre outras atividades, para que não fosse necessário aos envolvidos chegarem ao ponto de cogitarem um aborto. “Nós defendemos esse presente de Deus, essa vida gerada. Mas nós também nos preocupamos que ela seja cuidada de forma responsável após a gestação”, afirma.
O pastor Márcio Arthur Trentini também acredita que qualquer decisão, diante da dúvida, vai acarretar em dor para a mulher. “Em situações pesadas e difíceis sempre estaremos sujeitos ao erro. Por isso é importante encontrar amparo e suporte em alguém”, sugere.
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Vida e liberdade da mulher
Aos 24 anos, Yasmin D’Ávila defende a descriminalização do aborto. Para a professora de Ciências Humanas, ao pensar na legalização é preciso se reportar para além da própria realidade e vivência, em contextos onde não haja informação suficiente e sim extrema pobreza e necessidade – sem falar em métodos contraceptivos, nem sempre seguros à mulher.
Formada em História, Yasmin acredita que defender a legalização é tornar a escolha segura e possibilitar a formação de redes de assistência e luta pela saúde da mulher. “Em nossa sociedade se culpabiliza as mulheres que desejam abortar ou que já abortaram. Pouco é discutido sobre os homens negligentes que abandonam seus filhos e as crianças e jovens em condições de vulnerabilidade”, afirma. “Elas, ao invés de serem acolhidas, são criminalizadas, revelando a hipocrisia dos movimentos pró-nascimento.”
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A dor do adeus precoce
No dia em que decidiu abortar, Olívia (nome fictício) estava sozinha. Contrariando os pedidos do primeiro namorado e da mãe, adquiriu medicamento abortivo. Em casa, sentiu as dores físicas e emocionais da decisão. Com 17 anos, na época acreditava não ter condições psicológicas para gerar uma criança.
Após o aborto, Olívia enfrentou a depressão e o abandono do companheiro. Além disso, precisou de muito tempo para se perdoar. Hoje, mãe, diz ter encontrado a paz recentemente, mais de dez anos depois do aborto.
Apesar de ter sentido na pele todo o processo, Olívia acredita que seja necessário ir além. “O aborto não é algo legal, mas criminalizar nunca vai ser o caminho. Quando optei por fazer estava extremamente sozinha e vulnerável, sem assistência alguma”, lembra.
A descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação foi a pauta polêmica do início de agosto. Nos dias 3 e 6 ocorreram audiências públicas no Supremo Tribunal Federal (STF) para discutir se a prática deve deixar de ser crime. Apresentada pelo PSOL, a ação contou com assessoria técnica do Instituto de Bioética Anis.
A audiência, por sua vez, foi convocada pela ministra Rosa Weber, que agora deve preparar relatório e seu voto. O julgamento pelo STF, no entanto, ainda não tem data definida, podendo ficar para o próximo ano. Na Argentina, em votação no último dia 8, o projeto de lei que descriminaliza o aborto não foi aprovado.
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