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LUÍS FERNANDO FERREIRA

Difícil de acreditar

O filme nacional Medida Provisória, de Lázaro Ramos, exige de início uma certa “suspensão de descrença”. A ideia de que, num futuro não muito distante, o governo federal poderia enviar (ou “devolver”) para a África todos os negros e pardos residentes no Brasil parece absurda demais. Significaria deportar mais de 50% da população. Ora, quem iria trabalhar no serviço pesado depois disso? Difícil de acreditar.

Mas, aceitando a premissa (é só um filme, afinal), é possível prestar atenção em elementos bem mais verossímeis e palpáveis. Situações já incorporadas ao cotidiano, de tão comuns: o olhar desconfiado e ofensivo do guarda que vê um negro dirigindo um carrão; ou a ansiedade da proprietária de um prédio – com “sangue 100% europeu”, diz ela – que não vê a hora de os inquilinos de “cabelo ruim” sumirem do mapa. Enfim, todo o desprezo pouco disfarçado do racismo brasileiro – ultimamente reforçado por eventuais “surtos” de neonazismo delirante que já acionaram o alerta nas delegacias da Polícia Federal. O nazismo não tem fundamento na racionalidade, nem o racismo. Quer dizer, o fato de algo parecer irracional não é obstáculo para que se torne realidade. Nunca foi. Nem mesmo um “Ministério da Devolução” como o do filme de Lázaro.

Ainda hoje, quando lembramos da abolição da escravatura, práticas de trabalho escravo são adotadas em diferentes regiões do Brasil. Luta-se ainda contra essas práticas de subjugação e humilhação. A página não foi totalmente virada. E o preconceito apenas se modernizou com a tecnologia: redes sociais e aplicativos de mensagens são terreno fértil para a disseminação de todo tipo de ofensas.

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Não se trata apenas da cor. Como lembra o escritor José Faleiro em um de seus textos, qualquer característica que evidencie a descendência africana de alguém pode ser motivo de repúdio e agressões: o “cabelo ruim”, ou os traços do rosto. Nunca é demais lembrar: racismo é crime inafiançável e imprescritível.

Também sobre isso é a matéria na página 7 desta edição – e de outras que virão. Porque Santa Cruz do Sul é uma cidade de muitas cores, mais até do que alguns imaginam.

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