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Dias de quarentena: nossos medos coletivos

Alessandra Steffens Bartz
Psicóloga
asbartz@gmail.com

Folheando as pesquisas recentes, que procuram entender os efeitos psicológicos da pandemia, confirmo que muitas emoções estão sendo colocadas à prova. Dentre as emoções identificadas como mais frequentes, aparecem, no topo da lista, o medo e a insegurança. Outros itens compõem essa lista, como ansiedade, angústia, estresse. Após dois meses da implantação das medidas de proteção e cuidado em relação ao coronavírus, observa-se um rastro de medos de todos os tipos.

Desde pequenos lidamos com variados medos, desde o temor de escuro, monstro, injeção, de prova, de errar na escolha da profissão ou namorada, enfim. Ao longo da vida passamos por muitos outros temores e vamos superando um de cada vez, aos poucos, encarando-os de frente. Na hierarquia dos medos, talvez entender que o homem é o lobo do homem, como filosofou Thomas Hobbes, seja a mais dura constatação humana. As atuais fake news demonstram o quanto o homem pode ser tóxico com seus pares. Mas estamos temendo também um vírus minúsculo, que vem ceifando vidas, quebrando empresas, tirando o tapete sob nossos pés. Estamos muito assustados, com medo do visível e do invisível, com medo de ter medo.

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O medo é uma emoção que nasce conosco e tem uma função adaptativa muito importante. Ele nos protege dos perigos. Ficamos mais atentos e cuidadosos para atravessar uma rua, dirigir defensivamente, não adentrar as profundezas do mar. O medo de adoecer e de perder quem amamos nos faz encarar com mais seriedade as medidas preventivas incentivadas pela ciência. Porém, quando o medo se torna muito intenso, paralisa. Quem já passou por uma situação de medo extremo sabe que o coração acelera, as mãos tremem, o suor é frio, a angústia aperta o peito. Frente a essa dose excessiva de medo, travamos e não conseguimos agir ou reagir como deveríamos.

Pior é saber que a pandemia não se trata apenas do fantasma da infância, que nos assustava, mas que todos afirmavam não existir. Trata-se agora de uma situação real. Muitos já adoeceram e vários se curaram. Mortes são noticiadas todos os dias. Demissões são anunciadas frequentemente. Segmentos comerciais estão fechando. O ramo cultural vem padecendo. A realidade atual alimenta o medo com elementos sólidos, concretos, dignos de tirar o sono, gerar tensão, não sair da cabeça. E viver com medo nos coloca em alerta, desgasta e estressa. Baixa a imunidade, tão necessária para a manutenção da saúde. Sendo assim, não temos saída: precisaremos aprender a lidar com nossos medos.

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Mas, atenção: não embarque na onda de afogar as inseguranças e angústias em álcool, drogas, automedicação, descontrole alimentar. Não aumente seu problema! Busque ajuda psicológica sempre que sentir que o medo está sendo maior do que suas forças. A pandemia vem piorando muitos quadros psicológicos e psiquiátricos. Não descuide da sua saúde mental! Além dela, precisamos da saúde física, financeira, relacional, espiritual. Aproxime-se de alternativas saudáveis, que o fortaleçam.

Então, quais são as estratégias para lidar com o medo? Fugir, evitar, negar, não vale. Não funciona fazer de conta que o problema não existe e seguir a vida normalmente. A vida dita normal não existe mais. A realidade agora é outra, e exige outras ferramentas. E a melhor delas é enfrentar a situação de frente. Encare seus medos, converse com eles, divida suas angústias com alguém de confiança, escreva um diário. Ter medo não é fraqueza, não se envergonhe. Pense em alternativas para lidar com cada situação. Por exemplo: se perder o emprego, qual poderia ser o plano B? Quem sabe é o momento de trocar de ramo, fazer o que sempre sonhou. Observe atentamente o mercado. Passamos a ter outras necessidades. Qual pode ser um nicho de oportunidade? Ouse fazer atividades diferentes, talvez nunca antes pensadas.

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Precisamos reunir muita coragem! Lembremos, contudo, que ter coragem é enfrentar apesar do medo, conforme já explicava Aristóteles. Talvez hoje você não tenha um plano B, mas ele pode ser construído aos poucos. Procure não se desesperar. Valorize atividades e contatos que acalmem. Dividir nossas dores diminui o peso e nos permite perceber que temos os mesmos medos. Sim, todo mundo tem medo de alguma coisa. Tememos a vida e a morte. Precisamos encarar nossa finitude. Enquanto isso, cuide da sua vida com todo o amor. Trate com afeto as pessoas que ama. Nossa paz de espírito é possível quando estamos livres da culpa do que deixamos de fazer.

E observe o seu olhar. Mantenha-o no presente. Procure, todos os dias, listar três coisas boas que aconteceram. Tendemos a dar atenção ao negativo, ao que assusta, o que faz parte das nossas estratégias de sobrevivência enquanto espécie. Porém, precisamos aprender a enxergar tantas coisas boas que nos rodeiam. Não espiche seu olho para o futuro com frequência. Viajar para o futuro costuma ser acompanhado da ansiedade de que o pior aconteça. Imagens catastróficas vão fomentar o medo. Estamos inseguros; no entanto, nunca tivemos certeza do futuro. Apenas sonhávamos ter. A vida é assim, pode mudar tudo a qualquer momento. Já sabíamos disso, não?

A história nos conta que, em outras mazelas vividas no passado, foi possível emergir das cinzas. A civilização venceu pestes, guerras. Lembremos que a união faz a força. Somos seres sociais e, por isso, nos aproximamos quando temos medo. Quem dera o medo possa nos unir enquanto comunidade humanitária e solidária, onde todos se ajudem, numa rede mútua de apoio. A tecnologia nos dá suporte para reunirmos forças, mesmo distanciados. Os povos antigos venceram unidos, e somente assim venceremos também. Dividindo, compartilhando, somando, nos encorajando uns aos outros a enfrentar nossos medos coletivos. Não estamos sozinhos nessa passagem histórica.

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