O que é amizade para você? Quais são as principais características que fazem com que duas pessoas se tornem companheiras? É possível ser amigo de alguém para sempre? O Dia do Amigo é comemorado em 20 de julho no Brasil, apesar de a data também ser lembrada em 30 de julho, Dia Internacional da Amizade, em algumas ocasiões.
Estas e outras reflexões estão sendo feitas por muitos em meio à pandemia de Covid-19. Isso porque, com o distanciamento, reuniões sociais em casa ou em lugares públicos praticamente foram extintas. Paralelamente, ficamos por um período muito mais pensativos sobre nossas relações interpessoais.
“O isolamento favoreceu o autoencontro, ou seja, o encontro com os próprios recursos, uma vez que a pandemia é de uma situação absolutamente nova, desconhecida e de difícil solução para a qual poucas forças psíquicas que tínhamos desenvolvido até então serviam para enfrentá-la. Dessa forma, só a busca efetiva pelo caminho da reflexão poderia trazer novas possibilidades de resistência e de superação”, avalia a neuropsicóloga Gisele Calia.
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Mariana, que prefere não identificar o sobrenome, disse que percebeu que muitas amizades não faziam mais sentido depois da pandemia. “Quando tudo isso começou (Covid), muitas pessoas acabaram se afastando, não só fisicamente, mas deixaram de mandar mensagens para saber como eu estava. Depois, fui percebendo que gente que antes falava comigo uma vez por semana, que mandava áudio no WhatsApp, parou de fazer isso. Então, comecei a questionar se era amizade verdadeira”, desabafa.
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Quando começamos a olhar mais para nós mesmos, no “silêncio” da quarentena, escolhas anteriormente feitas foram revistas. Reciprocidade é regra para relações saudáveis e, no quesito amizade, não é diferente. “Amizades desgastadas, pouco recíprocas ou até mesmo abusivas deixaram de ser uma escolha e foram descartadas. Essa espécie de “faxina emocional”, se não for vivida como “erros do passado” e sim como uma espécie de “limpeza de armário para doação do que não me serve mais”, pode ser importante para a saúde mental, pois adequa as escolhas com o que se está vivendo no presente, tanto do ponto de vista externo, quanto interno, de descobertas e novas possibilidades de ser”, afirma Gisele Calia.
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As amizades também podem acabar sem precisar de um evento que simbolize isso. A própria ausência de contato ou se este é feito de maneira unilateral pode fazer com que essa relação se torne falida. E, ao perceber isso, a pessoa vive uma espécie de luto em relação às lembranças que foram produzidas desta convivência
Para Mariana, é muito difícil aceitar que algumas relações de amizade ficaram nos tempos de colégio, por exemplo. “Tentei levar algumas amizades da época da escola até os dias atuais, mas parece que seguimos por outros caminhos que não se cruzaram mais. É muito difícil eu tentar fazer contato com a pessoa, mandar mensagem, dedicar tempo da minha vida para saber como a outra pessoa está e receber emojis como resposta ou até mesmo ser ignorada”, afirma.
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A neuropsicóloga Gisele Calia explica que a amizade é uma vivência, uma experiência emocional de troca afetiva que ocorre desde a infância: “Antes mesmo de a criança saber o que significa a palavra amizade, ela já é capaz de sentir a ligação afetiva com alguns outros seres, humanos ou até mesmo, com os animais. E qual a importância desse afeto, desse vínculo para a vida das pessoas? Tudo o que ocorre universalmente, independente de cultura ou região, em todas as épocas, está ligado a alguma importância relacionada à sobrevivência da espécie. Sobrevivência aqui entendida no sentido mais abrangente: físico e psicológico. A amizade é uma realidade desse tipo, universal, e, portanto, tem participação na nossa evolução enquanto espécie”.
É por isso que sofremos tanto nos primeiros meses de pandemia de Covid-19, momento em que estávamos preocupados em sobreviver a um vírus invisível, a prover alimentos, manter os empregos e cuidar da nossa saúde mental. E a amizade está no pacote também. Se somos seres gregários, ou seja, só sobrevivemos e atingimos a plenitude de nossa existência se estivermos vinculados a outras pessoas, essa convivência é fundamental, presencial ou online.
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Nós vínhamos de uma fase em que diversas redes sociais estavam desgastantes. Aquela curtida, comentário em postagem e afins já não estavam sendo suficientes para alimentar uma amizade. Por outro lado, em meio à pandemia de Covid-19, apps de mensagens como o WhatsApp tiveram papel fundamental, na medida que aproximaram as pessoas com troca de mensagens de áudio e até chamadas em vídeo.
“Os dispositivos móveis foram a ponte entre as pessoas na pandemia. Possibilitaram a comunicação que não podia ser “real”, presencial. Isso os tornou tão indispensáveis quanto os alimentos ou abrigo, uma vez que a necessidade de comunicação é constitutiva do ser humano”, avalia Gisele Calia.
A neuropsicóloga ressalta, no entanto, que os apps não foram os responsáveis por afastamentos: “Eles foram apenas meios de contato, ainda que de um contato “sem tato”. Por produzirem uma comunicação virtual, artificial, sem os componentes físicos de uma interação social, eles podem ter potencializado desencontros e dificuldades de resolução de conflitos que já estavam presentes nas relações que se romperam durante a pandemia”.
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Também é preciso considerar que não basta só escrever “bom dia”, mandar fotos e vídeos engraçados ou reenviar figurinhas fofas para fazer contato. Para que a amizade seja regada, é necessário uma série de habilidades como empatia, solidariedade, ouvir o que o outro tem a dizer e falar também de si. Iniciar esse vínculo também pode ser uma boa dica.
“Quando percebi que as amizades que estava mantendo antes da pandemia não faziam mais sentido como disse, comecei a mandar mensagens para pessoas que eu não conversava há 2, 3 anos. E me surpreendi com a possibilidade de voltar a criar esse vínculo de confidência mesmo, de intimidade e companheirismo. Então, resolvi dedicar minha energia a essas amizades e a deixar o caminho aberto também, por que não, para fazer novos amigos. Mesmo que seja no mundo virtual”, conclui Mariana.
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