“As pessoas têm que dar valor à família. Muitas vezes pensamos que a mãe ou o pai da gente pode estar errado, mas são os nossos melhores amigos. Um dia eles vão e não avisam, e a saudade fica.” Este é um Dia das Mães diferente para Franklin Elimar Fetzer, de 41 anos. É o primeiro dele, da irmã Aline Juçara, de 44, e do irmão Jean Carlos, de 33, sem a mãe Heide Juçara Priebe por perto. A mulher de 63 anos foi cruelmente assassinada a tiros pelo ex-companheiro, o pedreiro Servo Tomé da Rosa, hoje com 70 anos, autor confesso do crime e que está preso preventivamente no Presídio Regional de Santa Cruz do Sul. O delito que chocou o município aconteceu em 8 de julho do ano passado, na Travessa Tenente Barbosa, no Centro.
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Se nesse caso a falta da mãe é como uma ferida impossível de cicatrizar em uma família, em outro é a perda do filho que faz o Dia das Mães ter um sabor amargo. Sizane do Amaral Gonçalves, de 49 anos, convive desde 8 de novembro do ano passado com a morte do filho Maicon Natan Gonçalves Marques, de 32.
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“Todo dia, ao amanhecer, é uma dor que se renova.” Na data, Maicon foi brutalmente assassinado com tiros na cabeça junto ao Trevo de Ferraz, em Vera Cruz, após ser atraído para uma emboscada. A trama apontou seis pessoas como participantes do homicídio, que teve como mentora intelectual a nora de Sizane e esposa de Maicon, Tamara Cristina da Silva, hoje com 27 anos. Autora confessa do crime, ela está presa preventivamente no Presídio Estadual Feminino de Rio Pardo.
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Em reportagem especial, a Gazeta do Sul revive essas duas histórias de famílias marcadas por crimes singulares e que vão passar o Dias das Mães relembrando bons momentos com os entes queridos e lutando por justiça.
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Encontros em família não são mais os mesmos
A cristaleira com xícaras de porcelana permanece da mesma forma, intocável, na casa de Heide Priebe, onde Franklin mora hoje. O filho de 41 anos regula até o toque da irmã e do irmão nas peças, para evitar alguma possível adversidade. Mais do que objetos, são memórias de uma vida que foi, de fato, vivida naquela casa. “Isso aqui foi a conquista dela. Ela tinha família, filhos, realizou-se no trabalho, passou a dirigir o carro. E ter essa casa era mais uma vitória. Era o local em que ela queria viver até a velhice, mas infelizmente hoje só temos recordações dos momentos aqui”, disse Franklin.
O local ainda guarda muitos dos objetos de decoração que a mulher mesma fazia. “Ela gostava de trabalhos manuais como tricô e bordado. Fazia bolo para levar aos nossos avós, estava sempre em movimento. Tinha um espírito jovial.” Os últimos dias têm sido de aperto no coração para os três filhos de Heide. Eles receberam a Gazeta na residência em que ela morava, na alameda 4, Condomínio Terra Nova Moradas, no Bairro Pedreira.
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Já são dez meses sem a mãe, mas não há tempo que amenize a dor. O Dia das Mães é a última grande data anual que os filhos ainda não haviam passado sem Heide. E eles garantem, os eventos em família não são mais a mesma coisa. Para a filha Aline Juçara, uma particularidade torna a sensação deste Dia das Mães ainda pior. “No ano passado, a minha filha estava com Covid-19 e não chegamos a participar do churrasco em família. Logo pensei que poderia passar tantos outros. Jamais imaginei que poderia ser o último.”
Os encontros familiares sempre foram realizados na casa da mãe e do pai de Heide, hoje com 91 e 88 anos, respectivamente, no Bairro Bom Jesus. “Nossa família ficou dilacerada. Ainda realizamos nossos encontros em família, mas mudou muito, pois não temos mais a mãe, que era a matriarca, era quem tinha força de fazer as coisas mesmo quando estávamos desanimados”, comentou Franklin. O crime aconteceu no fim da tarde de 8 de julho.
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Servo morava na alameda 8, no mesmo condomínio de sua ex-companheira. Ele esperou a mulher sair do trabalho e atirou à queima-roupa contra a cabeça e o braço dela, quando Heide buscava seu carro na Travessa Tenente Barbosa, no centro de Santa Cruz do Sul. No último disparo, que provocou a morte, o projétil entrou pela lateral do corpo e atingiu o pulmão. Embora tenha sido levada ao Hospital Santa Cruz (HSC), ela morreu ainda naquela noite. Servo foi detido em flagrante pela Brigada Militar depois de cometer o crime.
Ele tentou se matar com um tiro no peito, mas sobreviveu após receber atendimento. Foi conduzido ao presídio logo após deixar o HSC, na tarde de 11 de julho, pelos policiais da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam). Ainda na casa de saúde, à delegada Raquel Schneider, ele chegou a confessar o crime e descreveu em ordem cronológica a violência contra Heide, alegando que não aceitava o fim do relacionamento.
“Um pedaço de nós foi junto”
Em 15 de março deste ano, os filhos de Heide perderam também o pai, vítima de um câncer no intestino. “Infelizmente, sabíamos que perderíamos o pai em algum momento, pois ele estava há cinco anos doente, lutando, já acamado, sofrendo. Mas a mãe foi uma morte não avisada, nos tiraram ela de uma maneira brutal. É difícil de suportar, de entender”, comentou Aline.
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“Na última semana em vida, nosso pai disse que precisava ir embora, nos deixar, mas que a mãe não estava mais aqui, e estava preocupado, porque ela nos dava esse suporte. Hoje estamos órfãos, e precisamos seguir pela memória deles”, complementou a filha, que chegou a escrever um poema para Heide alusivo ao Dia das Mães.
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“Eu sempre dava algum presente para ela, e agora não posso mais. Queria dizer algo, por isso escrevi esses versos simples, com as palavras que eu diria para ela hoje, se pudesse.” Para Jean Carlos, o assassinato da mãe foi ainda pior devido à crueldade. “Foi uma morte que vimos por vídeo. Uma pessoa que saiu para trabalhar, faceira, acabou sendo morta dessa maneira premeditada por uma pessoa que quis assassiná-la e era da nossa convivência.” Neste domingo, 14, os filhos irão levar flores ao túmulo de Heide, no Cemitério Türk, em Linha do Rio, interior de Candelária.
“Está difícil seguir em frente. Nada vai reparar a dor e a ausência dela. Pelo fato de eu morar aqui, isso se torna a cada dia muito difícil, pois éramos muito amigos. Hoje, chegar e não encontrá-la em casa é muito duro. Carrego ela no coração e tenho me segurado na fé, lembrando da pessoa boa que ela foi e por quem todos tinham muito carinho”, enfatizou Franklin. “Tá bem difícil de passar a dor. Todos os dias eu me acordo. Não é fácil de esquecer, e não sei se vou conseguir. Quem sabe, irei amenizar a dor mais pra frente. Um pedaço de nós foi junto”, disse Jean Carlos.
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Servo Tomé da Rosa será julgado em júri popular pelos crimes de perseguição, violação de domicílio e homicídio triplamente qualificado. As qualificadoras – dispositivos que podem ampliar a pena – foram elencadas por feminicídio (vítima ser mulher), motivo torpe (término do relacionamento) e recurso que dificultou a defesa da vítima (o fato de Heide ser pega de surpresa com a ação do homem).
Ele é orientado pelo defensor público Arnaldo França Quaresma Júnior. Apesar de ter confessado o crime na fase da investigação policial, na audiência de instrução do caso, em 28 de outubro do ano passado, ele reservou-se o direito de permanecer em silêncio. A família prefere não comentar sobre o julgamento, que deve ocorrer nos próximos meses.
“Oh, minha mãe Heide
Queria que isso não fosse verdade
Que no Dia das Mães você voltasse
E por mais uma vez me abraçasse
Que mãe querida você foi
Tanta coisa linda você fez
Tanta alegria nos trouxe
E tudo foi embora de vez
Mãe, sinto muito a tua falta
Falta da nossa amizade, do teu cheiro
De ter você o tempo inteiro
De dividir contigo os meus anseios
E hoje é só saudade
É só ficar na vontade
De dizer: oh, mãe Heide
Eu te amei de verdade”
Aline Juçara Fetzer
Conforto nos áudios do passado
“Mãezinha, curte essa tua viagem.” O áudio carinhoso deixado pelo filho Maicon Natan Gonçalves Marques na conversa de WhatsApp é escutado vez por outra na semana pela mãe Sizane do Amaral Gonçalves, de 49 anos. É no passado que ela encontra a forma de ouvir a voz dele, que não está mais presente. O homem de 32 anos foi brutalmente assassinado na noite de 8 de novembro do ano passado, em Vera Cruz.
O áudio foi enviado pouco antes de uma viagem que Sizane fez com o marido, semanas antes do homicídio do filho. “Não consigo entender, pois muitas pessoas dizem que tenho que começar a viver, mas a saudade é muito grande. Às vezes eu escuto as mensagens de áudio dele, me chamando de mãe”, salientou Sizane.
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Muito apegado, querido por todos e brincalhão, o filho sempre passava o Dia das Mães com Sizane, mais conhecida como Tita no mundo das guloseimas caseiras. “Esta semana, mais do que as outras, não está sendo nada fácil, pois é o primeiro Dia das Mães sem ele. É difícil lidar com essa situação.” Oito dias após o homicídio, em 16 de novembro, antes de a polícia apurar o caso e descobrir os detalhes, Tamara Cristina da Silva escreveu um bilhete para a sogra e deixou na agenda dela.
No papel, ele afirmava adorar Sizane. “Você é como segunda mãe pra mim. Amo você”, diz parte do texto. O papel, que a doceira havia colado na parede, por acreditar que era um gesto de carinho por parte da nora, agora está juntado ao processo do caso. “Eu não quero que a morte do meu filho fica impune. Não está sendo fácil pra mim. Fica uma saudade imensa do meu filho, que partiu dessa maneira horrível.”
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Atualmente, Sizane detém a guarda provisória do filho de 2 anos que Maicon teve com Tamara e busca na Justiça a guarda definitiva. “Ele pergunta sobre o pai, pede para ver as fotos. É a herança do Maicon. É a única coisa que me resta, proporcionar uma vida e assumir o que meu filho faria por ele. Tenho força para criar meu neto com todo o carinho.”
Crime planejado a sangue-frio
O caso veio à tona em uma reportagem da Gazeta do Sul de 26 de novembro do ano passado. A Polícia Civil descobriu os detalhes do crime, cometido a sangue-frio após ser planejado e organizado ao longo de meses. Para os agentes, Tamara Cristina da Silva, de 27 anos, e o ex-padrasto dela, Carlos Rech, de 48, teriam sido os mandantes do assassinato.
Em um caso complexo, a autora teria usado Rech para assassinar o companheiro, pois teria descoberto indicativos de traições da vítima ao acessar mensagens no direct do Instagram de Maicon. Além dos dois, foram presos um homem de 26 anos, amigo de infância da mulher, que intermediou a negociação da morte por R$ 1 mil, e outro de 31 anos, que assassinou Maicon a tiros perto do trevo de Ferraz, após chamá-lo para um suposto trabalho.
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Os quatro vão responder por homicídio triplamente qualificado, com as qualificadoras de paga ou promessa de recompensa e motivo torpe; meio cruel; e emboscada, dissimulação ou outro recurso que impossibilita a defesa da vítima. Outro homem, de 28 anos, que adquiriu a motocicleta de Maicon, roubada no dia do homicídio, responde em liberdade por receptação.
Um sexto rapaz, de 22 anos, também irá responder em liberdade por receptação, por ter recebido a moto de Maicon vendida pelo indivíduo de 28 anos. O processo desse caso está em andamento. A Polícia Civil finalizou o inquérito, e a denúncia já foi encaminhada pelo Ministério Público ao Poder Judiciário. No momento, a Vara Judicial de Vera Cruz aguarda a apresentação de defesa por parte de um dos réus para daí ser marcada a audiência de instrução.
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