Categories: Romeu Neumann

Devíamos aprender com a dor

Seria mais fácil falar de amenidades. Fazer de conta que a tragédia causada por esta pandemia é exagero dos noticiários, que os números são abstratos e impessoais. Mas não são. Fico com a impressão de que este vírus, além de traiçoeiro e letal, embaçou nossa capacidade de ver e compreender o que se passa ao redor.

Seria de se esperar, por exemplo, que em tempos tão difíceis, de dor, perdas, luto coletivo, as pessoas assumissem uma atitude mais solidária, dispostas a fazerem sua parte para amenizar o sofrimento de tanta gente.

Sinceramente, afora o heroísmo dos profissionais da saúde que atuam na linha de frente para socorrer as vítimas da Covid, assim como de algumas categorias de heroicos trabalhadores que dão suporte a esta missão, pouco ou nada se percebe em mudança de atitude. Não para melhor, como seria de se esperar.

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Ao contrário, vejo muitas pessoas cada vez mais preocupadas consigo mesmas e desinteressadas em relação aos outros. Observe os ambientes que frequentamos: supermercados, farmácias, bancos, estacionamentos… Se olhar bem, muita gente disfarça o que suas atitudes não conseguem esconder: “Primeiro eu”, “fiz o que precisava”, “danem-se vocês”…

O que levaria uma pessoa a passar no caixa e sequer se dar ao trabalho, por educação que seja e ainda mais em tempos de pandemia, de remover o carrinho ou o cesto que usou e, quem sabe contaminou, para que outro cliente possa finalizar suas compras? Para mim, é soberba, empáfia, desprezo pelos outros.

Por que pessoas haveriam de furar a fila para tomar a vacina no lugar de quem tem prioridade? Ou de estacionar seu carro (quase sempre modelo do ano) na primeira vaga, mesmo que reservada a pessoas com necessidades especiais em frente ao banco, à loja, ao mercado?

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O que se passa na cabeça de irresponsáveis que promovem e frequentam festas clandestinas? Por adrenalina ou por descomprometimento mesmo, se infectam, espalham e levam o vírus a reboque para suas casas e depois choram as perdas.

Quantas decisões e escolhas terão que ser reavaliadas? As minhas, as suas, as dos nossos gestores e governantes. Até mesmo a hierarquia das prioridades.

Nos acostumamos a exigir resultados imediatos. Muitas ações que dependem de debate, de estudos, planejamento e previsão orçamentária sequer saem do campo das intenções. Sob a tutela do pragmatismo e do imediatismo que incorporamos à nossa maneira de ver o mundo, sempre haverá algo mais urgente a ser feito: projetos e obras que resultem em bem-estar, em conforto, que nos passem uma percepção de progresso.

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O inesperado colapso na estrutura e na capacidade de oferecer socorro a pessoas desesperadas – de todos os níveis sociais e econômicos, idades e convicções – implodiu toda esta lógica. E nos fez ver o quanto somos frágeis e, quem diria, nivelados em nossa pequenez diante do mistério da vida.

Devíamos aprender com a dor e repensar conceitos e prioridades: nós, cidadãos, e os que têm poder para tomar decisões por nós. Ou haverá algo mais importante e inerente a nossa condição humana do que seguirmos vivos? 

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