Na véspera da 35ª Feira do Livro de Santa Cruz do Sul, cuja abertura vai ocorrer na segunda-feira, personagens surgem em diferentes ambientes do centro da cidade. Foi para homenagear esse evento, e ainda a Procissão das Criaturas, que o professor, escritor e desenhista José Arlei Cardoso compôs cinco obras, de forma exclusiva, para a série Desenha Santa Cruz. Ele é o artista convidado na etapa de abril, que a Gazeta do Sul compartilha com os leitores.
A série decorre de parceria entre a Gazeta e a Associação Pró-Cultura de Santa Cruz do Sul. Uma vez por mês, um artista é convidado a eleger cinco situações da realidade urbana e traduzi-las em desenho inédito, com seu estilo ou com os recursos que costuma utilizar.
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A Gazeta do Sul publica de forma exclusiva esse conjunto, e posteriormente uma segunda ação deve ser realizada na parceria com a Associação Pró-Cultura. O primeiro artista, em março, foi o chargista e ilustrador Fernando de Barros. Agora, Arlei elaborou as peças que ilustram esta reportagem, e ainda a arte da capa desta edição do jornal, que destaca a Casa das Artes Regina Simonis.
O professor, escritor e desenhista José Arlei Cardoso está radicado em Santa Cruz do Sul desde o começo do século 21, quando deixou Santa Maria, onde antes residia, para se fixar no Vale do Rio Pardo.
Nessas duas décadas, além de ter atuado por um bom tempo no ramo da publicidade e da propaganda, com agência, investiu numa carreira universitária junto à Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), na qual leciona, no Programa de Pós-Graduação em Letras. Antes disso, concluiu ele próprio o mestrado e o doutorado na mesma instituição, além de um pós-doutorado, que o coloca na condição de professor pesquisador, ocupado de temas como intermidialidade e escrita criativa.
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E a temporada residindo em Santa Cruz o familiarizou com alguns dos principais eventos culturais da região. É o caso da Feira do Livro, que se inicia justamente nesta segunda-feira, e ainda da Procissão das Criaturas, sendo um entusiasta de ambas. Na Procissão de 2023, como frisa, lá estava ele ao lado da filha, Laura, integrado a milhares de aficionados que desfilaram pela Rua Marechal Floriano caracterizados de personagens da literatura ou do universo pop, geek e de cosplay.
Assim, nada mais natural que Arlei, como é conhecido, quando convidado a participar da série Desenha Santa Cruz, lançasse mão de personagens de sua predileção, integrados a espaços urbanos. “As criaturas já andam pela cidade, na verdade”, frisa, lembrando que Santa Cruz é hoje uma localidade cosmopolita, recebendo pessoas do mundo todo.
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Ele próprio, por sinal, vem de Uruguaiana, onde nasceu, tendo ainda dois irmãos, um que segue na terra natal e outro radicado em Santa Catarina. Ainda dos tempos na Fronteira, onde ficou até concluir o Ensino Médio, Arlei lembra de sua paixão pela leitura e pelos quadrinhos. Depois se mudou para Santa Maria, onde cursou Comunicação na UFSM, na década de 1990, e de lá, posteriormente, houve a opção por Santa Cruz.
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Com suas amplas referências do universo da literatura e dos gibis, comenta que, desafiado pela Gazeta, visitou lugares com os quais tinha uma afinidade natural no ambiente urbano. Sua atenção recaiu em especial sobre as praças centrais, que, em seu entender, proporcionam uma agradável transição entre o urbano e o rural, com ampla arborização, bancos e passeios públicos. “São lugares que adoro e frequento sempre”, diz. Sua opção foi por desenhar esses temas à moda clássica, à mão: fez várias pesquisas in loco, definindo os melhores ângulos, e então fez um esboço, posteriormente encorpado a nanquim, para finalmente ser colorido com aquarela.
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A estratégia de introduzir personagens clássicos da literatura ou dos quadrinhos, segundo ele, acaba por formalizar uma homenagem aos dois eventos do calendário cultural que tanto admira, a Feira do Livro e a Procissão das Criaturas. “Na verdade, tive ideias com uns 20 personagens diferentes, que testei. Até concluir que estes, pelos quais optei, melhor se inseririam no contexto da paisagem, dos cenários e dos prédios que aparecem nas obras”, frisa. “Espero que os leitores curtam! Eu adorei fazer!”
Milhares de turistas já devem ter tirado uma fotografia registrando-se com o display “Eu amo Santa Cruz” posicionado na Praça Getúlio Vargas, estrategicamente tendo a Catedral São João Batista na paisagem ao fundo. Pois Arlei flagrou mais uma ilustre visitante por lá: ninguém menos do que Hermione, a bruxinha de Harry Potter, da já clássica série criada pela britânica J. K. Rowling. E ela, como bem registrou em seu desenho, lançou um feitiço de transformação no coração da cidade, que parece capaz de inundar de amor a todos os habitantes.
A Praça Getúlio Vargas, como salienta Arlei, é o marco zero da povoação da colônia de Santa Cruz, espaço definido nos primórdios a partir da chegada dos primeiros imigrantes à Alte Pikade, a atual Linha Santa Cruz, na parte mais alta. Ali, os colonos pioneiros se estabeleceram no dia 19 de dezembro de 1849, de maneira que em 2024 o município e a região comemoram os 175 anos desde o início da colonização alemã. E, claro, essas comemorações ainda se inserem no âmbito dos 200 anos de imigração alemã no Rio Grande do Sul, a serem comemorados em 25 de julho, dia e mês em que chegaram os primeiros colonos à atual São Leopoldo, no Vale do Rio dos Sinos.
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Arlei comentou que, em suas visitas para apreciar, in loco, os espaços que pretendia contemplar em suas obras, privilegiou as praças, pois constituem ponto de concentração e integração da população local com os que visitam a cidade. E a praça mais central jamais poderia deixar de estar nesse projeto, por sua vegetação primorosa e os vários prédios históricos em suas imediações. No desenho, optou por um ângulo que não implicasse em ter de inserir toda a construção da Catedral, que, no entanto, pode ser divisada à direita, com parte de uma de suas torres. À esquerda eleva-se o prédio vizinho do antigo Colégio das Irmãs, atual Faculdade Dom Alberto. E, se esses dois elementos oferecem o pano de fundo, com o azul do céu, é o verde da grama e de uma árvore que se insinua à esquerda que remetem a um dos grandes símbolos de Santa Cruz: a sua arborização, que tem no Cinturão Verde o ponto máximo da qualidade de vida.
Com a Praça Getúlio Vargas contemplada, e sob os cuidados de Hermione, a parada seguinte de Arlei, descendo duas quadras pela Marechal Floriano, foi a Praça da Bandeira, que tem em seu centro o Palacinho, sede do poder Executivo Municipal. E quem ele flagrou por lá? Ninguém menos do que a Alice, que viajou do País das Maravilhas até Santa Cruz para bater um papinho com o gato de Cheshire, este acomodado sobre os galhos de uma das centenas de árvores que emolduram aquele ambiente urbano. Foi o gato que deve ter soprado a Alice que esta, sim, era uma Cidade das Maravilhas!
A exemplo do que fizera nos outros locais selecionados para serem desenhados na série, Arlei tirou várias fotos nas visitas à praça, até definir o melhor ângulo para, em seu desenho à mão, assegurar plena verossimilhança ao trabalho. “Eu tive a preocupação de que o leitor, o espectador, ao ver o desenho, se sinta plenamente convencido de que é este o lugar, real, que teve preservados seus detalhes mais relevantes.” A perspectiva valoriza o Palacinho, ao fundo, com a riqueza de detalhes arquitetônicos que o caracteriza como prédio histórico. O mesmo vale para as cores, rigorosamente obedecidos os tons da hora do dia em que a paisagem é captada.
Salienta-se, uma vez mais, o equilíbrio entre as diferentes tonalidades: o céu, parcialmente nublado; o dourado elegante do Palacinho; o calçamento em tons chocolate ou café; e, muito especialmente, o verde da grama e das folhas das árvores. Novamente o verde se salienta, transmitindo frescor e ar puro, convite a apreciar um descanso à sombra.
É nesse cenário, embora estático e bucólico, que o gato de Cheshire, com seu inusitado tom bordô, e abancado em seu mirante sobre a copa de uma árvore, reage sorridente à forma como Alice se dirige a ele, a menina com seu emblemático vestido de tom azul claro. Arlei posiciona uma cena clássica de contos de fadas em pleno centro de Santa Cruz, mais uma vez reafirmando que não existem limites para a arte de qualidade. São os artistas que, literalmente, fazem maravilhas!
Essa nem a escritora inglesa Mary Shelley (1797-1851) poderia ter previsto: até a criatura criada pelo dr. Frankenstein tem sido vista pela região central de Santa Cruz. Ao menos, ela pode ser flagrada em uma obra de Arlei da série Desenha Santa Cruz. Na ocasião em que o artista a “captou”, ela estava espiando exemplar da geladeira de livros junto à Praça da Cultura José Paulo Rauber Filho, ao lado da Biblioteca Pública Municipal Elisa Gil Borowsky. Talvez estivesse mesmo conferindo se o romance no qual suas aventuras e desventuras são narradas, que tem como título o sobrenome do doutor, não estaria entre as opções disponíveis para leitores.
E, nessa terceira obra, Arlei acabou por contemplar mais uma das praças da área central, esta localizada muito próximo do Monumento ao Imigrante, no entroncamento da Marechal Floriano com Galvão Costa. No desenho, Arlei valoriza a sobriedade e a imponência do prédio que sedia a Biblioteca, e que, originalmente, era a sede da Cadeia Pública, ou presídio. Se antes aquele local privava de liberdade a todos os que ali eram confinados, por uma dessas artimanhas do destino (mas, claro, pode-se denominá-la também de decisão administrativa), agora celebra a fonte de liberdade de pensamento por excelência, que constituem os livros, de todos os gêneros.
Não escapa ao observador que o branco do prédio, em especial de uma das paredes, domina a tela: um branco de leveza, de folha a ser preenchida, aguardando pelas histórias e pela imaginação sem fim e sem limites dos que têm a produção literária e a leitura como predileções. O que, naturalmente, é o caso de Arlei, professor da área de Letras e um leitor inveterado, como ele próprio se define. Diante do branco do prédio da Biblioteca salienta-se, em destaque, o sobretudo azul da criatura, curvada, em reverência, para a geladeira amarela repleta de livros. Para compor o restante do quadro, o passeio ao longo da Rua Galvão Costa, os canteiros de grama verde na praça e, na parte superior, o céu azul com nuvens esparsas. Nada nem ninguém desvia a atenção da criatura do livro que lê: mais de dois séculos depois de ter sido criada por Mary Shelley, ali, no desenho de Arlei, ela aparece absolutamente em paz.
Na Terra do Basquete, sede do Corinthians, campeão brasileiro de basquete de 1994, sabe quem também bate um bolão? Pippi Meialonga! Isso mesmo: a cativante e sapeca personagem criada pela escritora sueca Astrid Lindgren foi vista (por Arlei) ensaiando algumas jogadas na quadra de basquete do Estádio Municipal, no interior do Parque da Oktoberfest. De vestidinho azul, e com as meias altas que são sua marca registrada, ela não se importou em deixar as tranças voando para todo lado ao subir, com um impulso, em direção à cesta e ao garrafão, pronta para um arremesso sem dúvida certeiro.
Pela expressão do rosto, no qual se flagra um sorriso maroto, pode-se ver que ela está absolutamente feliz e à vontade. E não é para menos: tem a quadra toda para si, e está cercada pela natureza exuberante do parque, no qual se salienta o bosque de árvores verdejantes logo após o gramado. É uma cena que Arlei conhece muito bem: ele próprio frequenta o local há muitos anos, em companhia de um grupo de amigos, adeptos do esporte, que ali praticam o basquete quase todas as semanas.
Pippi Meialonga granjeia uma imensidão de fãs e admiradores que certamente podem ser, também eles, torcedores do UniCo, a versão atual da equipe do Corinthians, que justamente na última terça-feira encerrou sua participação na competição do Novo Basquete Brasil (NBB) deste ano. Arlei salienta que a referência ao basquete é uma homenagem declarada sua, de um fã e um torcedor do Corinthians, por ocasião da passagem dos 30 anos desde a conquista do título nacional, no dia 17 de abril.
Em seu desenho, ele fez a opção pelo minimalismo, permitindo que a estrutura da cesta e do garrafão esteja em destaque. E é com o olhar fixado nesse alvo que Pippi salta. Arlei a mostra no ar, em vias de arremessar a bola, e assim a cena, ainda que estática, eterniza esse movimento, em sintonia com as aventuras da personagem infantil criada por Lindgren. É a maneira que Arlei definiu para encerrar, com chave de ouro, sua participação no Desenha Santa Cruz, junto com a cena de Romeu e Julieta no balcão da Casa das Artes Regina Simonis.
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