Enquanto o conflito armado segue no Leste Europeu, com a invasão da Rússia ao território da Ucrânia, em milhares de pequenas propriedades rurais do Sul do Brasil a atenção de descendentes de ucranianos está voltada para a realidade da terra de origem de seus antepassados, alguns dos quais chegaram há poucas décadas. Com inquietação e ansiedade pelo destino da nação, situada a milhares de quilômetros, cuja língua e cuja cultura realimentam em seu dia a dia, ocupam seu tempo… em meio ao tabaco! Isso mesmo. Ampla parcela dos descendentes de ucranianos no Brasil tem no tabaco a sua principal fonte de renda, e o resultado de seus esforços é direcionado para as indústrias de processamento das folhas localizadas no Vale do Rio Pardo, principalmente Santa Cruz do Sul.
É uma realidade como a da família de Alcéia e Edson Jacyszyn (pronuncia-se “jaquissin”), filhos de ucranianos que residem na localidade de Faxinal dos Paulas, a cerca de seis quilômetros da sede de Rio Azul, no Centro-Sul do Paraná. O município é o quinto maior produtor de tabaco do País na atualidade (com 2 mil famílias produtoras e colheita de 15,4 mil toneladas), o segundo no Paraná, atrás apenas de São João do Triunfo, no qual a etnia igualmente está presente. Por seu envolvimento com a cultura, não por acaso Rio Azul é conhecido como a Capital do Fumo no Paraná, sediando estruturas de compra da produção de empresas do setor. O casal plantou 65 mil pés na atual safra, e dessa cultura retiram o seu sustento e o da mãe dele, dona Anita, e ainda dos dois filhos, José Augusto e João Paulo.
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Do mesmo modo, o tabaco está presente na paisagem em toda a região, e em outras localidades do município de cerca de 15,5 mil habitantes. Junto a esse público, os bombardeios e a violência em cidades da Ucrânia são motivo de angústia, pois parentes e amigos ficaram por lá, ainda que as gerações mais novas não tenham tanto contato com a área de origem de pais, avós ou bisavós. “Todo mundo sofre com isso, e não vê a hora de que isso acabe”, confirma Alcéia, por telefone. No dia 18 de fevereiro deste ano, uma sexta-feira, ela e a família recepcionaram a equipe da Expedição Os Caminhos do Tabaco 2022, iniciativa da Gazeta Grupo de Comunicações.
O jornalista Marcio Souza e o fotógrafo Alencar da Rosa, da Gazeta do Sul, conheceram a propriedade, na companhia do produtor rural, comunicador e influenciador Giovane Luiz Weber e de Alan Toigo. Na ocasião, a invasão russa não havia se iniciado. Menos de uma semana depois, na quinta-feira, 24, Vladimir Putin autorizou a ofensiva, e desde então o conflito já se estende por um mês.
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Cultura é garantia de renda na pequena propriedade
A produtora rural Alcéia Jacyszyn explica que a etnia e a cultura ucraniana estão presentes junto à maioria das famílias nessa região do Paraná. E, passo seguinte, as lavouras de tabaco se materializam na paisagem de milhares de pequenas propriedades familiares, com médias de três a quatro alqueires (na faixa de oito a dez hectares). Em Prudentópolis, situada a cerca de 100 quilômetros de Rio Azul, por exemplo, em torno de 80% da população de 50 mil habitantes é considerada descendente de ucranianos. Além da língua, praticada no dia a dia nos lares e nas ruas, eles professam a cultura e a fé, com ênfase na religião cristã ortodoxa, com templos bem característicos. “Em Rio Azul mesmo, ainda temos duas igrejas ortodoxas, e nelas o padre reza a missa em ucraniano”, informa.
Além de ser casada com um descendente de ucraniano, ela é filha de mãe ucraniana, dona Izaura Dussanoski, por sua vez casada com um polonês, já falecido, de sobrenome Sikora, que é o sobrenome de solteira de Alcéia. ”Aqui temos também italianos, alemães…”, enumera. E lembra que cidades próximas, como Mallet, Dorizon, Rebouças, São Mateus do Sul e Irati, igualmente têm forte identificação com a cultura ucraniana. “Em Prudentópolis, o prefeito já manifestou que tem total interesse em acolher refugiados ou imigrantes vindos da Ucrânia, que deixam para trás as áreas de conflito”, observa.
Sobre as razões pelas quais as famílias ucranianas fizeram a opção pelo tabaco, e por que essa cultura se ajustou tão bem a sua rotina, lembra que a própria Ucrânia é uma nação forte na produção agrícola, e que os descendentes aqui tiveram nessas folhas uma excelente fonte de receita viável para as pequenas áreas de terra de que dispunham. “Eu e o Edson plantamos desde quando nos casamos, há 20 anos”, informa. Atualmente, até ensaiam a diversificação com o cultivo de moranguinhos, mas a tendência é de que o tabaco seguirá presente na família por um bom tempo.
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