Depois de uma sexta-feira difícil, quando a população de Santa Cruz começou a ter noção do tamanho dos estragos causados pela chuva torrencial da quinta-feira, o tempo quente e seco do fim de semana contribuiu para que os moradores pudessem dar prosseguimento à limpeza das casas, pátios e ruas.
Em vários bairros do município, a mesma cena podia ser vista: famílias inteiras lavando móveis, roupas e outros pertences em frente às casas, numa tentativa de recuperar e reaproveitar o que fosse possível. Mesmo após dois dias do ocorrido e com grandes esforços da Prefeitura, Defesa Civil, Corpo de Bombeiros e grupos de voluntários, as marcas deixadas pelo temporal ainda são visíveis por toda a cidade, e vão permanecer por muito tempo na memória dos atingidos.
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Um dos casos que mais chamaram a atenção foi o de Vandélio Puntel, de 45 anos. Morador da Rua Padre Anchieta, no Bairro Santo Inácio, ele teve praticamente todos os pertences destruídos pela enxurrada causada pelo rompimento do muro de um condomínio nos fundos de sua casa. Na manhã de sábado, a família dele ainda tentava tirar o barro dos cômodos e limpar sofás e colchões com o lava-jato.
Pior do que perder os bens materiais, segundo ele, é o medo que ficou. “Estou trabalhando bastante o lado psicológico com a minha filha, isso aqui foi um horror. Vou ter que procurar ajuda psicológica para ela. Além da minha, porque eu perdi tudo. Todos os meus bens, meu material de trabalho, tudo.”
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Na sexta-feira, o relato de Vandélio à Rádio Gazeta sobre o pânico gerado na menina, que não conseguia parar de chorar, comoveu os ouvintes. Ao relembrar os momentos que passou, quando teve de arriscar a própria vida para salvar a filha, a esposa e a sogra, Vandélio se emociona. A perda de um dos cães, que estava há 13 anos com a família e não pôde ser resgatado, também é dolorosa.
“Escutamos aquele barulhão do muro se rompendo. Nós estávamos sentados na sala olhando televisão, só tive tempo de gritar para a minha filha sair, mas não deu tempo. Quando vimos a água já estava tomando conta de tudo, saí arrastando ela e depois voltei para buscar minha esposa e minha sogra”, afirmou.
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Na tarde dessa sexta-feira, quando uma nova pancada de chuva caiu sobre Santa Cruz do Sul, ele temeu outra vez pelo pior. “Deu medo, minha filha… o psicológico dela, chorando. Tive que acalmar ela, dizer que não ia acontecer de novo e nós vamos protegê-la. É difícil.” Com o muro aos fundos da residência desmoronado e o barranco ameaçando cair, Vandélio teme que uma nova tragédia possa acontecer, com a previsão de novas chuvas volumosas para esta semana.
“Foi um teste pro nosso psicológico estar debaixo de toda aquela água sem saber o que fazer, se tem mais gente precisando de ajuda. A vizinha aqui de trás tem quase 80 anos e estava gritando por socorro, um outro vizinho foi quem resgatou ela. Não sabíamos se tinha mais gente na mesma situação, porque era muita água. Foi um desespero total, você quer ajudar, quer ser ajudado e não consegue fazer nada. Eu nunca tinha visto uma coisa dessas”, lamentou.
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Sinval foi salvo com a ajuda da vizinha
Nos momentos da chuva e no dia seguinte, diversas fotografias e imagens impressionantes circularam pelas redes sociais e aplicativos de mensagens. Uma das que mais chamavam a atenção, contudo, era a parede deslocada inteira pela força das águas na Rua Marcílio Dias, no Bairro Bom Jesus.
O morador do local é o aposentado Sinval Chagas dos Santos, de 63 anos. A casa dele foi totalmente destruída pelo temporal, restando somente a roupa que vestia e alguns poucos pertences que puderam ser resgatados pelos vizinhos e familiares.
“Já estava entrando água, e eu procurava uns tijolos para erguer a geladeira. Quando vi, veio aquilo tudo, o muro dos fundos arrebentou e a enxurrada veio contra a minha casa. Eu não sabia nadar, a água chegou até o meu pescoço, tentei nadar igual um cachorro. Foi quando enxerguei a vizinha e ela me puxou pelo braço”, relatou.
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Se não fosse a ajuda de Maria Estela, ele não teria forças para vencer a correnteza e provavelmente teria morrido afogado ou soterrado. Pelo corpo ficaram os machucados e as marcas de uma noite de pânico. Morador do local há dez anos, Sinval conta que nunca presenciou nada parecido em sua vida.
O muro que desabou foi construído por ele mesmo. “Nem imaginava que algo assim pudesse acontecer. Quando fiz o muro. algumas pessoas disseram que eu tinha que ter colocado uns canos para a água sair, mas com o tanto que foi seria impossível”, ressaltou.
Abrigado na residência de uma das filhas, Sinval conseguiu um novo imóvel para morar provisoriamente, bem como diversas doações de roupas, móveis e eletrodomésticos dos amigos. Ele é natural de Herveiras, mas vive em Santa Cruz do Sul há cerca de 40 anos.
Colaboraram para a reportagem os repórteres Bruna Lovato (bruna@gaz.com.br) e Iuri Fardin (iuri@gazetadosul.com.br).
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