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Depois da enchente: Esperança para recomeçar e evoluir

Foto: Nathana Redin/Gazeta da Serra

Entre um atendimento e outro, Danusa sequer ouvia o barulho da água seguindo seu fluxo no arroio do outro lado da rua. Por muitos períodos raso, passava manso, deixando pedras e raízes à mostra. No final de abril, o Carijinho já não era o mesmo. A intensa chuva que caiu sobre a região o fez transbordar, como há tempos não se via, e de uma forma tão marcante que entrou para a história, somando-se a uma das maiores intempéries vivenciadas em território gaúcho.

A microempreendedora sobradinhense, Danusa Rech, profissional da área estética, viu seu negócio, tão planejado e sonhado, ser levado com a força da água. Incrédula, conta que custou a acreditar que o seu ‘vizinho Carijinho’ pudesse ter alcançado a dimensão em que chegou. Conforme recorda, foram poucos minutos até que a água alcançasse a altura da janela de sua esmalteria.

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Com a correnteza, foram embora materiais de trabalho e outros tantos itens que ficaram danificados no espaço em que atua e também na residência da família. Era preciso acreditar e recomeçar. ‘Mas começar por onde?’ Este talvez seja um questionamento feito por grande parte ou a totalidade das pessoas atingidas pela enchente que marcou o final de abril e o mês de maio no Rio Grande do Sul. Danusa e o marido Daniel permaneceram alguns dias fora de casa até que retornaram e se reencontraram com o lar. Havia muito por fazer.

Registro da situação após o avanço da água durante a intempérie do final de abril e início de maio | Foto: Arquivo pessoal

Para ela, que durante um período da vida foi servidora pública, chegou a passar na cabeça que o tão sonhado negócio próprio levaria tempo para ser recuperado. Em meio ao barro, com os móveis revirados, a sensação primeira era de ter que começar quase do zero. Foi limpando, organizando e contando com a colaboração de familiares e de pessoas da comunidade, que a esperança mostrou que seria possível se refazer e dar sequência ao projeto iniciado em 2012. “Não sobrou nada no lugar, estava tudo revirado. A gente não sabia nem por onde começar. Foram dias limpando e limpando”, recorda.

Como Danusa, muitos salões, estéticas e outros espaços deste ramo, dentro de uma ampla gama de empreendimentos, foram impactados pela intempérie climática. Os desafios que já tinham se mostrado durante a pandemia por Covid-19, desta vez já não eram em razão da necessidade de distanciamento e do cancelamento de eventos, mas de um episódio que permanecerá na lembrança de sobradinhenses e gaúchos.

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Há quatro anos residindo e trabalhando no mesmo endereço, Danusa é manicure, pedicure, podóloga, maquiadora, cabeleireira, designer de sobrancelhas, depiladora, a dona e funcionária de seu negócio. Para se reerguer, além de remover os entulhos, limpar e colocar as coisas no lugar, era preciso investir para readquirir o que perdeu. A área da estética e da cosmética, assim como das cores e desenho, sempre foi uma paixão, e sua mãe uma inspiração e influência. Dona Rosani Bernardy Rech recebeu a filha, o genro e a neta por alguns dias até que pudessem retornar para casa. “Não foram só coisas que se perderam, foram finais de semana que se deixou de sair, festejar, para trabalhar e ir conquistando aquilo. É difícil, mas quando se faz o que a gente ama qualquer dor supera. Então a gente busca sempre o melhor. Vemos o quanto somos fortes. Às vezes tem momentos que eu estou dentro do salão e digo: “está naquela gaveta”, mas já não está mais ali, porque se foi. É uma adaptação nova. No primeiro dia que retornei os atendimentos me auto inundei, porque daí a gente não tinha ideia que os canos estavam entupidos. Foram 40 dias sem poder trabalhar e o movimento também foi retornando aos poucos”, lembra.

Após alguns dias do evento climático, Danusa passou a receber mensagens com sugestões de iniciativas que estavam surgindo dentro e fora do Rio Grande do Sul com o objetivo de ajudar pessoas afetadas pela enchente. “Começaram a aparecer links de ajuda, especialmente voltados a esse ramo da estética. As pessoas me enviaram e eu pensei: ‘vou tirar uma tarde para me inscrever em tudo o que achar’. O primeiro que acessei foi um SOS para apoio na saúde mental, para como lidar com a situação que se apresentava. No mesmo dia já participei da primeira sessão. A partir dali comecei a me inscrever em projetos diversos, como voltados a manicures, da Fecomércio, do Sebrae, entre outros, e acabei sendo atendida de alguma forma por todos eles. Também nos inscrevemos para descontos em compra de mobiliário e surgiram ainda as possibilidades de financiamento. A partir dali eu já não seria mais uma pessoa física. Por mais que já fosse microempreendedora, comecei a ver a importância do CNPJ. Isso foi na quinta-feira daquela semana. No dia seguinte, quando já não tinha mais barro no chão, me senti firme de novo. Pensei: ‘Calma, tem solução”, revela, mencionando também o ‘abraço’ da família para recolocarem as coisas no lugar.

Entre as iniciativas das quais recebeu suporte, está a do Sebrae, o que incluiu a visita de consultores para um levantamento das perdas, oportunizou uma bolsa que a auxiliou na aquisição de um autoclave, e em uma série de aulas on-line sobre fluxo de caixa, organização financeira e marketing digital. “Além do acolhimento e de um levantamento, também através de indicações de como dar um impulso nesta retomada. Tudo que o Sebrae tinha disponível eu comecei a acessar, construindo desde o plano de negócio, sendo assessorada e recebendo orientações até mesmo de divulgação do negócio e de como investir também em mim. Abracei tudo o que eles tinham para oferecer”, detalha.

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Em outra iniciativa, foi uma das selecionadas e recebeu materiais de trabalho, assim como outras frentes e pessoas fizeram a doação de móveis ou equipamentos essenciais para o trabalho. Danusa também participou do MEI RS Calamidades, programa criado pelo governo do Estado para a retomada e o incentivo aos microempreendedores individuais atingidos pelas enchentes de 2024, participando de cursos oferecidos pela PUC. “Conseguimos nos reestruturar. Organizamos primeiro o salão para retomar os atendimentos e a casa fomos indo aos poucos. Estamos investindo em formação, e o Daniel de Siqueira, meu marido, que é barbeiro e cabeleireiro, vai ser um dos incrementos no salão, ampliando os serviços com corte e tintura femininos”, acrescenta.

Danusa menciona ainda a solidariedade naquele momento. “Às vezes dá até saudade da gente lembrar que estava limpando e a porta do salão abria seguida de um ‘Oi, eu vim te dar um abraço’, ‘eu vim te trazer um bolinho que eu fiz’, ‘eu fiz uma bolacha e te trouxe’. Ao mesmo tempo que foi um momento difícil, esses gestos também ficam marcados”, ressalta.

“Tenho que acreditar que tudo vai dar certo”

Chegando na reta final de 2024, o pensamento já aponta um novo 2025. “Foi um momento muito desafiador, de ver nascer a esperança e até conseguir colocar as coisas em ordem. Neste final de 2024, tem um ditado que diz: ‘cuida o que tu vai jogar no universo, cuida o que tu pede’. No final de 2023 eu subi lá nos pés do Cristo. Eu precisava de um momento para conversar com Deus e fazer meus pedidos. Eu não vou esquecer o dia que eu pedi e o que eu pedi. Foi na tarde do dia 24. Sentei lá, com o vento no rosto, e pensei: “nesse novo ano eu queria reformar minha casa, eu queria dar uma inovada no meu salão e eu queria trocar de carro. Será que se não fosse pedir muito”. Eu acho que quando deu a enchente, aquela coisa, assim, que também vem: ‘tu aprende pelo amor ou pela dor’. ‘Vamos botar teu nome aqui. Eu acho que tu é uma forte candidata que vai aprender. Tu vai saber lidar com isso. Tu pediu uma coisa e eu não posso te dar de mão beijada, eu vou tentar de outra forma’. E aí o que eu tive que fazer? Reformar minha casa, trazer novidades para o salão e trocar de carro. Na vida a gente vai aprendendo, na dor ou no amor. No momento eu tenho que acreditar que tudo vai dar certo. Então, para 2025 eu quero contar mais ainda a minha história. Um dia vou olhar para trás e lembrar da enchente, que naquela época eu perdi tudo, mas foi o que me fez crescer, alavancar. Essa é a grande esperança que eu tenho, que com tudo isso eu aprenda e que eu só evolua, que eu não fique estagnada. Dá vontade de chorar, dá, eu choro. Tem trauma, tem, mas eu não posso parar, eu tenho que tocar”, salienta Danusa.

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