O primeiro cheque especial de que se tem notícia, no Brasil, foi o cheque ouro do Banco do Brasil. Lançado no início do ano de 1970, o cheque ouro tinha uma proposta inovadora: oferecido a clientes especiais e mediante convênios realizados com lojistas, o banco garantia o pagamento do cheque, até determinado valor. Daí que, em compras de valor maior que o limite unitário de cada cheque, garantido pelo banco, os clientes emitiam vários cheques. Depois, outros bancos lançaram seus cheques especiais, mas não mais com a mesma força e prestígio do cheque ouro do Banco do Brasil.
Hoje, o cheque especial não ostenta mais o mesmo glamour nem a segurança para quem o aceita como forma de pagamento, da época de sua criação. Ele foi transformado numa linha de crédito especial, cara, disponível na conta, podendo ser utilizado a qualquer momento, com qualquer coisa e sem qualquer justificativa.
No final do mês passado, o Banco Central divulgou um relatório – edição relativa a 2018 – em que descreve, entre outras coisas, como as pessoas estão usando o crédito. Nesse relatório, o Banco Central definiu como “usuário” do cheque especial a pessoa cuja conta corrente está com saldo devedor, no último dia do mês. De acordo com esse critério, em 2018, 16 milhões de pessoas por mês, em média, estavam com saldo negativo nos cheques especiais. São os dependentes do cheque especial que fazem mau uso desse tipo de empréstimo.
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O estudo do Banco Central mostra que 43,9% dos que usam o limite do cheque especial tem renda inferior a dois salários mínimos. Isso significa que são os mais pobres os que mais usam cheque especial; casualmente, são também os que menos estudaram e não chegaram a cursar alguma faculdade. Entretanto, de acordo com o economista da Serasa Experian, Luiz Rabi, mesmo pessoas com maior renda e escolaridade cometem os mesmos erros no cheque especial, com a vantagem, entretanto, de conseguirem sair mais rapidamente dessa situação.
O cheque especial pode salvar as pessoas de alguns apuros, em várias situações. O primeiro, mais comum, para pagar uma despesa imprevista, como o reparo do carro, remédios ou até procedimentos hospitalares. Um segundo motivo é usar, frequentemente, o limite do cheque especial para cobrir despesas normais. E o terceiro motivo, talvez o pior deles, é a pessoa simplesmente não saber quanto ganha nem onde gasta o seu dinheiro.
Uma pessoa que, permanentemente, usa o limite do cheque especial, quer dizer, toma dinheiro emprestado – e caro – do banco está a caminho do precipício. A pessoa acha que está tudo sob controle porque, quando entra o crédito do salário ou de alguma renda, o saldo da conta corrente volta ficar positivo. O problema é que, logo em seguida, à medida que os dias passam e os pagamentos de despesas se sucedem, a conta volta a ficar negativa de novo.
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O perigo começa quando a pessoa, sem dar-se conta, entra no limite do cheque especial e, aí, o que era para ser um facilitador pode tornar-se um verdadeiro devorador de salários e rendas. Mesmo que o rotativo do cartão de crédito seja o maior vilão do endividamento, o cheque especial não fica muito atrás: os juros chegam a atingir 330% ao ano. Com juros nesse patamar, o cheque, na verdade, é especial para o banco que fatura muito com esses encargos.
Para quem utiliza, permanentemente, o limite do cheque especial – situação bastante comum e que mais afeta, psicologicamente, as pessoas -, além de pagar juros elevados e correr o risco de ter cheques devolvidos, deve cancelar o cheque especial e procurar formas alternativas de financiamento mais baratas para liquidar seu saldo devedor. Aliás, desde 1º de julho de 2018, entraram em vigor as novas regras do cheque especial, elaboradas pelo conselho de auto regulação da Federação Brasileira de Bancos, cujo objetivo é alertar os correntistas sobre os riscos envolvidos no uso desse tipo de crédito rotativo, vinculado diretamente à conta corrente do usuário.
Se o cliente usar mais de 15% do limite disponível por 30 dias consecutivos, num valor mínimo de R$ 200, o banco deverá oferecer automaticamente, através dos canais de relacionamento, um parcelamento mais barato para repor o limite utilizado. O cliente tem a liberdade de aceitar, ou não, a proposta; caso decida não aderir à proposta e continuar com mais de 15% do limite tomado, o banco fará novos contatos, a cada 30 dias. Se o cliente optar pelo parcelamento do saldo devedor, os bancos poderão manter os limites de crédito contratados, levando em conta, evidentemente, as condições financeiras e patrimoniais do cliente, já que, além do limite do crédito, o cliente assumiu uma nova dívida.
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Por essas mesmas regras, além de não mais incluírem, no saldo, o valor do limite do cheque especial, de forma que o cliente não seja levado a achar que tem um determinado valor positivo na conta, quando, na realidade, este não existe, os bancos deverão comunicar aos clientes, através da internet e do telefone, toda vez que entrarem no limite do cheque especial, alertando-os de que esse crédito deve ser utilizado apenas em situações emergenciais e por pouco tempo.
Alguns especialistas acham que essas regras beneficiam mais aos bancos que conseguirão reduzir os níveis de inadimplência, quer dizer, os saldos devedores dos cheques especiais que não estão sendo pagos, afetando diretamente a rentabilidade de seus balanços. Já para o clientes, muitos analistas alertam para o cliente não se tornar um superendividado. É que ao contratar um financiamento pessoal para quitar o saldo devedor e, concomitantemente, entrar no limite do cheque especial, de novo, quem tinha apenas uma dívida, com juros caros, acaba tendo duas ou mais, dependendo de quantas vezes esse cliente vai financiar o saldo devedor o cheque especial.
Para o educador financeiro e presidente da Abefin (Associação Brasileira dos Educadores Financeiros), Reinaldo Domingos, o cheque especial só deve ser usado em casos de emergência e se o correntista tiver certeza de que poderá repor o valor total utilizado em um curto prazo. Nesse caso, inteirar-se das taxas e juros cobrados por seu banco, comparando-os com os de outras instituições financeiras. Enfim, quem entrou no limite do cheque especial não pode é deixar por isso mesmo. Vale lembrar que o uso permanente do limite do cheque especial é sinal de descontrole financeiro. Na verdade, é uma “bengala” para quem gasta mais do que ganha e prefere não enfrentar o problema de forma definitiva. Uma boa educação financeira é fundamental para superar essas dificuldades e ela pode ser aprendida. Especial deve ser nosso bolso e não o cheque.
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