Uma denúncia encaminhada à Faculdade Dom Alberto, em Santa Cruz do Sul, expõe uma suposta fraude acadêmica. O documento reúne conversas, por redes sociais, entre uma estudante e um advogado. Nelas, a jovem solicita que ele realize testes online em seu lugar. Em troca, é acertado um pagamento. A mesma aluna troca mensagens com outro estudante sobre a realização de suas tarefas. A prática, além de poder configurar falsidade ideológica e até estelionato, alarma ainda mais por envolver universitários do curso de Direito. A faculdade apura o caso e garante que já alterou seu modo de avaliação.
Os diálogos mostram acertos da aluna com o advogado, entre setembro de 2015 e maio de 2016, para ele realizar provas online. Uma das avaliações era aplicada todo o semestre e representava parte da nota que podia ser obtida pela estudante. Para cada teste, o advogado cobra R$ 60,00. A jovem também pede que ele realize uma série de provas, pela internet, para que ela reaproveite 18 disciplinas cursadas em uma universidade de outro município.
Em 14 de novembro de 2015, a aluna faz o contato com o advogado para que ele realize essas provas. Ele questiona se ela pretende pagar à vista ou parcelado. “Depende do valor que vais cobrar”. “Eu cobro a média de 60 reais cada uma, mas como são bastante vou fazer um preço diferente”. A estudante promete conseguir novos clientes, caso ele lhe cobre um valor acessível. A negociação é encerrada em R$ 900,00, a serem pagos em nove parcelas de R$ 100. “Mas vai ter uma ótima nota”, promete.
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Parte dos pagamentos são realizados por depósito bancário. Os comprovantes estão anexados na denúncia. Em janeiro de 2016, ela encaminha o recibo da transferência da primeira parcela. Dois meses depois, volta a pedir que o advogado realize um teste online. É acertado um novo pagamento de R$ 60,00. Em maio, a jovem chega a fazer contato pedindo que ele faça um trabalho para ela. Ele relata que está ocupado e indica outra pessoa.
Em setembro de 2016, a estudante troca mensagens com outro aluno do Direito sobre o andamento de algumas tarefas. Na conversa, a jovem admite ter comprado trabalhos de um advogado e relata ter medo de ser denunciada. “Quem mais vai perder é vc (você). No caso hipotético, o (cita do advogado) já é formado, não tem vínculo com a instituição. Eu posso trocar de faculdade, mas somente depois do processo terminar. Se tiver um processo”, responde o estudante.
Em novembro, a gestão do Dom Alberto passou para o Instituto Educacional Alfa, de Minas Gerais. Por nota, a instituição informou que abriu um processo administrativo e “que tomará as medidas previstas em regimento”. A faculdade também esclareceu que esse sistema não faz mais parte das avaliações. Há pouco mais de uma semana na coordenação do Curso de Direito, Diogo Durigon afirmou que a faculdade não admite esse tipo de prática e que as avaliações serão presenciais. Ele complementou a nota enfatizando que “a instituição, prezando pela qualidade e seriedade, tomará as medidas que se fizerem necessárias para apuração e eventual penalização”. Os nomes dos envolvidos não foram divulgados, em razão do caso estar ainda em averiguação.
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O ACERTO
As conversas iniciam quando a estudante entra em contato com o advogado para realizar uma tarefa online. Ele cobra R$ 60,00 para responder as questões no lugar dela. Os dois acertam o pagamento por meio de depósito. O advogado envia os dados de sua conta bancária para a estudante. Ela repassa sua senha para as provas:
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* Sistema de Provas Eletrônicas (SPE) era o meio usado para os alunos realizarem testes online. A prova conhecida como SPE era aplicada por semestre. Ela integrava parte da nota e incluía temas das disciplinas já cursadas.
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Entenda:
É crime?
Tanto o Ministério Público como a Polícia Civil, confirmaram que, de forma preliminar, entendem que o caso pode ser configurado como crime de falsidade ideológica. O Ministério Público indicou ainda que pode ser compreendido também como estelionato. Embora a instituição de ensino não tenha sido lesada financeiramente, dessa forma a estudante obterá uma vantagem econômica, no entendimento da promotoria.
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A Gazeta do Sul consultou ainda o Ministério Público Federal, que afirmou não poder emitir um parecer mais aprofundado por não ter conhecimento sobre o caso. Nenhuma denúncia havia sido formalizada na Procuradoria do MPF até então. A competência federal é atribuída quando se lesa um bem ou serviço da união. Neste caso, pode ser entendido que o lesado seria o Ministério da Educação.
Qual a pena?
Conforme o artigo 299 do Código Penal, a pena para falsidade ideológica pode chegar a cinco anos de reclusão e multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos e multa, se o documento é particular. O estelionato – obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento – também prevê pena de um a cinco anos de reclusão e multa.
O que diz a OAB?
Sobre a suposta prática da aluna, a Ordem dos Advogados do Brasil entende que não cabe ao órgão se manifestar sobre o caso. Já em relação ao advogado, caso se confirme a prática, por meio de investigação, o profissional poderá responder um processo ético-disciplinar na OAB, que vai da sanção de advertência até exclusão, além de um processo criminal por falsidade ideológica.