Quando era adolescente, por volta dos 16 anos, e morava em Agudo, onde cursava o ensino médio, meu primeiro emprego foi de garçom. Um dia me apresentei ao seu Valdir Niemeier, que possuía bar defronte a antiga Estação Rodoviária, perguntando se não tinha serviço para mim. De algum modo me conhecia, das andanças para lá e para cá pela Avenida Concórdia, e devia ter referência a meu respeito. Prontamente me admitiu – e cada vez que o reencontro, aliás, faz questão de lembrar que foi o meu primeiro patrão.
Por cerca de quatro meses, lá fiquei eu atrás do balcão do bar, ao lado de seu Niemeier e de outros atendentes. Como de praxe, o que os clientes do típico bar de cidade interiorana pediam, em pé, apoiados no balcão, ou instalados em mesas pelo ambiente, eram lanches (pastel frito na hora, ovo em conserva, bolo de carne, sanduíche), salgadinhos e, claro, bebidas (refrigerante, café, cerveja, um sambinha – quem não sabe o que é um sambinha? – e, em especial, um… schnaps).
Por sua localização, a metros da Rodoviária, e pelo fato de seu Niemeier ser conhecido de todos, o movimento era intenso. Nos momentos em que estava sozinho no atendimento, precisava me desdobrar em servir, cuidar do caixa, ser gentil e dar atenção aos que, mais do que sorver uma pinga ou um copo de cerveja, queriam um dedo de prosa.
Daquele tempo, guardo a aula de vida, a aprendizagem valiosa que advém da interação com gente de todas as origens. Um garçom, e tenho certeza de que isso não mudou em nada ao longo dos anos, é quase um psicólogo, como sugerem algumas canções, e por vezes mais ouve do que atende. Há gente que para junto ao balcão justamente porque está à procura de uma conversa. E esta até pode ser fiada, o que nem sempre é aconselhável para a venda dos produtos. O bar, cada bar (dia desses li sobre a cidade de Pompeia, soterrada pelo Vesúvio há dois mil anos; pelo aspecto dos bares daquela época, parece que poderia ter sido ontem), é ponto de encontro, a mais democrática mídia social.
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Lembro, por exemplo, do ajudante de pedreiro que surgia todo fim de tarde empurrando a bicicleta. Entrava e já nem pedia o schnaps, a pinga preferida. Um cliente regular não precisa pedir: o garçom o serve de pronto, porque sabe de gostos e hábitos. Ali ficava, uma bitoca no copo, um pouco de papo (ou o silêncio, que até isso garçom trata de respeitar), e depois ia embora. A graça é que todo dia saía dizendo que ia para o lado de Dona Francisca. Porém, pegava a bicicleta e sempre seguia pela Concórdia na direção leste, o exato contrário do sentido de Dona Chica. Não faço ideia de onde, afinal, ia parar.
Quantas vezes não fiquei parado junto de alguma mesa porque o cliente, por vezes uma família vinda do meio rural, queria, mais do que lanchar, papear. A mim competia ouvir, como um psicólogo adolescente. Até desconfio de que acabei parando no jornalismo por isso, por ter começado, na profissão de garçom, a ouvir tantas histórias. São elas, as histórias de vida, com o imponderável e a simplicidade do existir, que alimentam a imaginação de todos nós, nos bares da vida e pela vida afora.
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