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Não sou um folião. Não posso me considerar um folião. Sou ruim da cabeça. E doente do pé. Não sou um bom sujeito. Hehe, definitivamente, não sou um bom sujeito!
Mas minhas experiências com as Folias de Momo são bem pontuais. Já fui até comentarista de desfile de escolas de samba e fiz bem (eu acho!) o meu trabalho, agindo por pura intuição. E no meio de gente que entende do assunto. Ainda assim, desconfio da minha atuação pois que até hoje, passados três anos, não recebi um tostão por aquele trabalho. Enfim.
Em Cachoeira do Sul, cidade que me acolheu na última acne da adolescência, participei de um bloco carnavalesco muito mais por insistência dos amigos (o David Coimbra, o Serginho Lüdtke, o Café, o Seba, o Dadinho Simonis, o Ozzy e os Cetas, entre outros) do que por vontade própria. E olha só que mico: o bloco se chamava “Alalaô”. Camiseta “verde Avenida” com letreiros dourados… Pobre do meu pai: ele pagou por aquilo!
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Toda vez que no salão (o da Sociedade Rio Branco, pois que se é para pagar mico, que seja num lugar de categoria) tocava aquela bendita música que dizia que a gente tinha vindo do Egito, atalhando pelo deserto do Saara, e tal, meus colegas de bloco simplesmente surtavam e saíam pulando com a boca cheia de confetes, feito bonecos de mola. Uma coisa incrível, aquilo! Eu ficava pasmo! E tudo para ganhar umas míseras fichas de chope, premiação concedida ao bloco mais animado.
Bem, pelo menos havia um motivo. E uma lição para a vida. Hoje, quando vejo um amigo meu meio caidaço, eu ofereço um chope para ele e… pronto: é feita a mágica! O cara melhora na hora!
Mas, para participar do Alalaô, eu tinha outros três objetivos bem claros em minha mente: 1) as festinhas da concentração; 2) a irmã do Nurse; 3) e o revigorante café da manhã, no day after.
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A concentração era tão boa, com muitos drinks e rock’n roll, que às vezes a gente nem saía dela – geralmente, por falta de condições físicas, mesmo. Até hoje lembro nitidamente do Carneiro (apelido do meu querido amigo Eduardo Perez, que ainda não era careca) esticado na grama do pátio da frente da casa do Gui, repetindo em alto e bom som, para o desespero dos vizinhos: “Eu sou Robert Plant! Eu sou Robert Plant!”.
E o problema da irmã do Nurse era o Nurse. Por Deus, o cara tinha patas de cavalo no lugar dos punhos. Eu testemunhei ele rachar uma das paredes do banheiro do Rio Branco com um direto de direita só porque alguém tinha feito xixi no chope dele. E se aproximar da guria era morte certa. Para conquistar a irmã do Nurse, primeiro o cara tinha que conquistar o Nurse, o que não era nada fácil. Ela só ficava em nossos devaneios, ela e seus fru-frus de Colombina… Isso até o Tronxo, o cara mais feio da turma, casar com ela.
E a padaria era o local, na manhã, onde a gente contabilizava “os mortos e os feridos”. Mais macho era aquele que em vez de um café preto sem açúcar pedisse uma cerveja bem gelada acompanhada de um martelo (shot) de steinhaeger para fazer o famoso “trançado”. A Samira Latinha sempre nos ganhava… Ela que, no restante do ano, escovava os dentes com Arak.
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2
Lembro que assistindo ao carnaval de rua de Cachoeira, experimentei um negócio chamado “lança-perfume”. “Com esse nome”, pensei, inocente, “só pode ser algo inofensivo”… Mas não era!
O treco vinha num tubinho transparente com uma válvula de pressão em cima, tipo desodorante, que tu apertava para viajar nas brumas celestiais. Borrifava num pano e depois aspirava, pela boca. Rapaz! Com isso, tudo ao teu redor meio que se transformava num ambiente lunar, sem gravidade, em câmera lenta.
Eu olhei para as minhas mãos e elas estavam afundadas nos paralelepípedos da Rua 7 de Setembro, foram até o Japão e voltaram, com sashimis enrolados nos dedos. Na cara, uma sensação muito parecida com a de levar um soco, do Nurse.
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E sem nenhum tipo de proibição para aquele negócio. A Rita Lee fez até música para o lança-perfume. No salão, os foliões borrifavam os outros e tal, e eu, meio duro até para calçar os tênis, quando recebia o éter na cara, me transformava numa espécie de Baryshnikov gaudério, só que no modo slow motion.
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Hoje em dia, meu Carnaval é no sofá mesmo. Sei que pessoas estarão desfilando pela Marechal Floriano e os clubes estarão lotados de gentes, confetes e serpentinas. Legal! Eu fico aqui vendo o desfile das escolas do Rio, tomando uma geladinha, fazendo minhas anotações. E tal. E também por segurança, né? Vai que o Nurse resolve aparecer…
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