Nosso afilhado, carinhosamente conhecido como Pinguim, tem um automóvel rebaixado, desses equipados com suspensão a ar comprimido. É uma geringonça curiosa. Por meio de um controle remoto, pode-se fazer o carro baixar até raspar no chão, ou levantar até quase a altura de um veículo normal. Tudo dentro da lei: o sistema é legalizado, aferido pelo Detran. E o Pinguim, claro, roda para lá e para cá sem dar descanso ao compressor de ar, subindo e descendo, descendo e subindo.
O carro já ganhou fama na cidade e até conquistou prêmios em concursos de rebaixados. Também viralizou no YouTube, por conta de uma matéria em um canal sobre automóveis. Quando percebem o carro passando, os guris, na rua, sacam os celulares para filmá-lo. É o xodó do Pinguim.
Volta e meia acontecem encontros de aficionados por carros rebaixados, e o Pinguim é presença constante. Quando o evento é em outra cidade, a tribo segue em comboio, uns ajudando os outros em caso de perrengue. Segundo contou-me o Pinguim, alguns clubes de amantes por carros rebaixados chegam a locar cegonheiras para levar suas máquinas a tais encontros.
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O Pinguim nunca me convidou para ir em um evento desses, deve achar vexatório aparecer com um padrinho que dirige uma minivan. Mas sempre me exibe os vídeos gravados nesses lugares. As imagens mostram incontáveis carros baixos enfileirados e os orgulhosos proprietários dançando ao redor, no batidão do funk, acompanhados das namoradas. O embalo fica a cargo de duas ou três Saveiros, que sempre aparecem nesses encontros equipadas com os chamados paredões – imensas colunas de caixas de som –, garantindo a trilha sonora:
Desenrola, bate, e joga de ladin
Desenrola, bate, e joga de ladin
Hawaianos tá lançando, essa é a braba pros menorzin
Hawaianos tá lançando, essa é a braba pros menorzin.
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Confesso que não me agrada rodar em um carro baixo. Certa feita peguei carona com o Pinguim e tive a sensação de que perderia os glúteos pelo asfalto. Qualquer desnível faz o assoalho, reforçado com chapas de aço, arrastar no pavimento, espalhando fagulhas e dando aos tripulantes a estranha impressão de estar com o bumbum perto demais do solo.
Apesar disso, socorro-me com o Pinguim sempre que algum compromisso me impede de fazer alguma corrida urgente – o contrário, claro, também acontece. A diferença é que faço as corridas em uma minivan comportada, enquanto o Pinguim prefere ir lavrando o pavimento. E, nesta semana, tive que pedir ao Pinguim um favor muito especial: buscar minha caçula, Ágatha, ao final das aulas.
A traquinas se animou quando soube, pouco antes de ir para a escola, que voltaria para casa com o primo. Ela nunca havia passeado em um carro baixo.
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Contudo, ainda antes da aula, Ágatha perguntou para a irmã um ano mais velha, a Yasmin, sobre como era andar em um carro daqueles. E a Yasmin, já tarimbada com as caronas do Pinguim, tentou assustá-la:
– É apavorante! – asseverou. – O carro raspa em tudo, parece que vai se desmontar, e as pessoas ficam olhando pra gente. Mas o Pinguim acha o máximo, fica abanando para todo mundo e gritando pra gurizada – e mudou o tom de voz para imitar o primo: – “E aí, meu! E aí, feioso!”.
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E seguiu com a narrativa:
– Mas nem sei se a gurizada escuta o Pinguim, porque o som do carro vai bombando: “Desenrola, bate, e joga de ladin/Desenrola, bate, e joga de ladin…”
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Porém, Ágatha não se intimidou e esperou ansiosa pelo retorno. Quando a reencontrei, perguntei como havia sido.
– Muito show! – garantiu. – Mas o Pinguim foi logo avisando que o carro ia raspar bastante na hora de passar por um quebra-molas.
– Deve ter feito um barulhão – comentei.
– Um barulhão só, não – disse ela. – Na verdade, foram três barulhos: reeeek, preeeek e kruuuum!
E seguiu o relato:
– Mas quase não se ouviu o barulho, o som tava bombando.
E a traquinas saiu dançando pela sala, seguindo a coreografia:
Desenrola, bate, e joga de ladin
Desenrola, bate, e joga de ladin.
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