Todo mundo lembra o que estava fazendo em 27 de janeiro de 2013. E isso é palpável, na medida em que todos falam e comentam como acompanharam a tragédia que aconteceu na Boate Kiss, em Santa Maria. Mas será que nos colocamos no lugar dos pais e sobreviventes? É um exercício a ser feito e as séries Todo Dia a Mesma Noite, da Netflix, e Boate Kiss – A Tragédia de Santa Maria, do Globoplay, podem ajudar nisso.
Eu lembro muito bem daquela manhã de domingo. Estava dormindo em casa e meu pai, Marco Antônio, me ligou. Atendi e ele disse: “Graças a Deus que atendeu. Deu um incêndio numa boate em Santa Maria e tem mortos. Achei que tu pudesse estar tocando lá com a banda”. Eu disse que não, que tinha saído com amigos naquela noite, em Santa Cruz, e naquele momento estava em casa. Voltei a dormir. Quando acordei, já mais ao final da manhã, falei com a minha mãe, Elisabeth, liguei a TV e tive a noção da real gravidade que se instaurava no nosso Estado.
Naqueles anos, eu tocava em uma banda de rock com amigos em muitos locais de Santa Cruz e região. E em Santa Maria, cidade que respirava cultura e entretenimento, nossa parada era o Macondo, onde as bandas de rock tocavam. Nem sequer sabíamos da Kiss, que era uma festa focada em outros estilos, para outro público. Mas meu pai não fazia ideia de nada disso. Só sabia que tocávamos também em outras cidades, e o “ufa” dele naquela manhã, ao saber que eu não estava tocando naquela boate com meus amigos, é o instinto de pai que sinto hoje.
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E isso faz com que me coloque no lugar dos pais e dos sobreviventes. “Pra que reviver essa história?”, “Deixem os pais descansarem”, “Pra que trazer mais dor e sofrimento às famílias?”,“Desnecessário mostrar e recordar tamanha tragédia e sofrimento”. Foram algumas frases que li em redes sociais sobre o movimento criado em torno do caso nos últimos dias, agora que completa dez anos. Tive a oportunidade de conversar com sobreviventes, pais e amigos dos que faleceram no incêndio, durante a cobertura jornalística da Gazeta feita no julgamento dos réus em Porto Alegre.
Acredite quando digo que eles não querem fazer parte da cultura abrasileirada do “deixa isso pra lá, vamos superar, bola pra frente”. A história de luta e de impunidade não deve ser silenciada. O que eles querem é manter viva a memória dos filhos, para que isso não aconteça com outros jovens, como a minha filha e tantas outras crianças de hoje, que amanhã vão estar em festas com amigos. Hoje eu sou pai de uma menininha, e tudo que eu quero é proteger a Elis de qualquer mal que lhe possa acontecer. Se fosse minha filha que tivesse partido, estaria fazendo a mesma coisa que esses pais e sobreviventes, que se recusam a deixar essa história para trás, recusam-se ao silenciamento e esquecimento, e que continuam cobrando por justiça, e não vão descansar enquanto essa justiça não vier.
A história precisa ser contada para que as pessoas não esqueçam jamais dos erros cometidos para que o saldo final fosse de 242 mortos, mais de 600 feridos e milhares de familiares e amigos desamparados. Para entendermos melhor, é preciso fazer essa pergunta: e se fosse seu filho? E se ele tivesse falecido em um dos casos de maior negligência da história e hoje, dez anos depois, absolutamente ninguém tivesse sido responsabilizado por isso?
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