Normalmente o acidente vascular cerebral (AVC) está associado a idosos e a pessoas obesas, sedentárias e com problemas com álcool e drogas. No entanto, casos cada vez mais frequentes mostram que o número de jovens com a doença tem aumentado em todo mundo. A santa-cruzense Ana Paula Wetzel, de 33 anos, descobriu da pior forma que as estatísticas têm mudado. No último dia 4 de janeiro, sofreu um AVC isquêmico devido a uma dissecção da artéria cerebral. Moradora da capital catarinense, Florianópolis, atualmente está de volta à sua cidade natal, onde recebe os cuidados e carinho da família e amigos.
As dores no pescoço e na cabeça começaram no início de dezembro do ano passado, mas Ana Paula diz que inicialmente achou que seriam sinais do corpo, devido a adaptações na vida. O primeiro atendimento na UPA de Campeche aconteceu no dia 20 daquele mês, quando o médico suspeitou ser arterite temporal. A partir dali, foram muitas idas e vindas a unidades de saúde em busca de atendimento e de alívio. Na virada do ano, durante dias de férias em Santa Cruz, seguiu convivendo com a dor e mal-estar. Já de volta a Santa Catarina, viu seu problema se agravar e conta que ainda precisou enfrentar preconceito e desinformação.
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Sem atendimento adequado e sem conseguir ficar em pé ou falar direito, a engenheira ambiental revela que foi socorrida pelos pais, que viajaram para buscá-la. “Foi só no dia 7 de janeiro que me deram baixa no Hospital Santa Cruz. Com angiotomografia e ressonância magnética realizadas, foi diagnosticado que eu tive AVC isquêmico”, conta. Foram 11 dias de internação.
Desde então, a rotina na casa da família, no Centro de Santa Cruz, inclui exercícios para retomar o movimento e amenizar a sensibilidade, além de anticoagulante e remédios para dor e ansiedade. “A vida vira de cabeça para baixo, mas cada dia é uma vitória.”
Rotina sofre alterações do dia para a noite
A comerciante Maíra Thomas, de 30 anos, também viu sua rotina mudar da noite para o dia no início deste ano. Com sintomas que persistiram por mais de uma semana e após muitas visitas a um hospital da cidade, a santa-cruzense teve um AVC isquêmico e trombose cerebral. “Estavam tratando como enxaqueca, medicavam e me mandavam embora. Eu avisava que não era normal”, lamenta.
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Na manhã do dia 17 de janeiro, quando resolveu que buscaria auxílio em outro hospital de Santa Cruz, Maíra teve um desmaio ainda em casa. “Abaixei para colocar os calçados e foi como se enfiassem uma faca na minha nuca.”
Após recuperar parcialmente os sentidos, a moradora do Bairro Arroio Grande conta que já havia perdido os movimentos do lado direito do corpo. “Eu estava sozinha e me acordei com meu cachorro pulando em cima de mim. Consegui vomitar e chamar um motorista de APP, que me levou passando mal e quase inconsciente ao hospital”, revela.
Com quadro delicado, Maíra ficou 18 dias internada e até hoje depende de sua família para tudo. “A recuperação é lenta, mas quero muito ficar boa. Estou de repouso absoluto em casa, tomando anticoagulantes e remédios para dor e fazendo fisioterapia. São pequenas vitórias no dia a dia.”
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A jovem conta que a parte psicológica afeta bastante, mas o suporte dos familiares e amigos tem sido fundamental para sua recuperação, desde o hospital até a nova rotina em casa. “Sempre fui muito agitada, fazia tudo sozinha, por isso toda essa situação me deixa um pouco ansiosa”, conta.
Saudável e sem problemas de saúde, ela ressalta que não sabe exatamente o motivo de ter sofrido um AVC isquêmico, com o agravante da trombose cerebral. A suspeita é de que a sucessão de problemas possa ter sido provocada pelo uso contínuo de pílula anticoncepcional nos últimos anos, agravado pelo acúmulo de estresse.
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Sinais
O neurocirurgião Marcelo Corrêa Vione reforça a importância de as pessoas reconhecerem os sintomas do AVC para socorrerem familiares e amigos. O paciente normalmente apresenta boca torta ao sorrir, perde as forças para levantar os braços e apresenta dificuldades na articulação das palavras.
Se um desses três sinais for anormal, a chance de acidente vascular cerebral é de 72%. Se dois desses três sinais forem anormais, as probabilidades sobem para 85%. “Quando os sintomas são reconhecidos, é importante levar a pessoa imediatamente para o hospital, principalmente através dos sistemas de emergência”, recomenda.
Um alerta nas redes sociais
Após sofrer um AVC isquêmico em janeiro deste ano, a santa-cruzense Ana Paula Wetzel fez um relato em suas redes sociais. Ela alerta, sobretudo, para a visão distorcida de que a doença não acomete jovens. “Acho importante a gente começar a prestar atenção ao corpo, a saber lidar com cada detalhezinho que esteja diferente. Muitos amigos que, assim como eu, correm igual a loucos nesse mundo capitalista para poder sobreviver, depois que isso aconteceu comigo pisaram no freio e tiraram um tempo para olhar e cuidar de si próprios”, ressalta.
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Além disso, Ana Paula comenta que também considera importante o investimento na saúde e na pesquisa, para atualizar e formar cada vez mais e melhores profissionais na área de saúde. “Eu não consegui o diagnóstico dentro de quatro horas para evitar sequelas. Não consegui nem dentro de 24 horas. Porém, hoje eu estou muito bem para quem teve um AVC isquêmico, me recuperando a cada dia. Todo dia é uma vitória. Todo dia vem um sorriso depois de algumas lágrimas.”
A comerciante Maíra Thomas também concorda com a necessidade de atualização na saúde. “Eu precisei chegar toda torta no hospital para me tratarem da forma correta. Seguem padrões, mas tudo pode acontecer. Eu sou a prova disso.”
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Todo AVC é potencialmente muito grave, reforça médico
Embora o acidente vascular cerebral seja mais frequente em pessoas acima de 45 anos, com cem casos para cada 100 mil habitantes por ano em todo o mundo, a medicina tem registrado um aumento do problema em jovens adultos e também em crianças.
O neurocirurgião Marcelo Corrêa Vione, especialista no tratamento do AVC, explica que o crescimento da incidência pode estar relacionado à elevação da obesidade, hipertensão, sedentarismo e uso de drogas ilícitas – que têm capacidade de aumentar a pressão e também causar danos nas artérias, o que potencializa as chances da doença.
O especialista informa que o AVC atinge pessoas cada vez mais jovens porque a população está exposta a fatores de risco cada vez mais cedo, como pressão alta, diabetes, colesterol, cigarro e vida sedentária. Além das causas clássicas, há problemas incomuns e secundários ao nascimento, como as doenças genéticas.
“Os exames de imagem hoje estão muito melhores. A gente consegue detectar AVCs muito pequenos com ressonância magnética, o que torna o diagnóstico mais preciso.” Vione destaca que os tratamentos também evoluíram nos últimos dez anos.
Apesar disso, esclarece que todo AVC é potencialmente muito grave e causa reflexos na qualidade de vida das pessoas. “O fundamental é o tempo que o paciente chega ao hospital”, diz. A cada segundo após um acidente vascular, perde-se 32 mil neurônios. Os números aumentam drasticamente com o passar do tempo: são 2 milhões de neurônios perdidos por minuto e 120 milhões de neurônios perdido por hora, podendo chegar a 1,2 bilhões de neurônios perdidos por AVC. “Uma pessoa que ficou com um AVC por três a quatro horas, mesmo com tratamento adequado precoce, pode ter um envelhecimento cerebral compatível com 15 a 20 anos.”
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Acompanhamento psicológico
Estima-se que em torno de 70% das pessoas que sofrem um AVC desenvolvam algum tipo de transtorno psicológico, como depressão, transtorno de ansiedade e crises de pânico. A psicóloga Janice Brito de Senna destaca que, apesar desse índice, ainda pouco se fala sobre o assunto, mas considera fundamental que os pacientes tenham acompanhamento psicológico, até mesmo devido às questões cognitivas. “Muitas vezes as pessoas ficam com dificuldades de atenção, na fala, no pensamento e memória. Podemos ajudar a organizar isso, junto com a reabilitação física e o acompanhamento de outros profissionais.”
Janice destaca que, mesmo para quem não venha a desenvolver transtornos após um acidente vascular, o suporte terapêutico é importante para que aceite suas novas limitações e as mudanças em sua rotina, além de incentivar o aperfeiçoamento de novas habilidades. O trabalho psicológico também visa facilitar a comunicação do paciente com sua família e vice-versa, para que todos possam passar por essa fase difícil da melhor maneira possível.