Pessoas que foram infectadas com o novo coronavírus, mas ficaram assintomáticas, podem ter uma resposta imunológica mais fraca ao vírus. É o que sugere um artigo publicado na semana passada na revista científica Nature Medicine que fez uma análise detalhada, tanto clínica quanto imunológica, de 37 pacientes chineses infectados que não apresentaram sintomas.
Os autores, liderados por Ai-Long Huang, compararam o grupo de assintomáticos com 37 pacientes com sintomas leves. Todos os 74 participantes estavam internados em um hospital no distrito de Wanzhou, no sudoeste da China, e tinham sido diagnosticados com teste de PCR, que identifica a presença do vírus geneticamente. A China, onde surgiu a pandemia, adotou uma política de isolar os pacientes diagnosticados para controlar a disseminação da Covid-19.
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As análises apontaram que os anticorpos IgG produzidos pelos assintomáticos eram significativamente mais baixos que os dos sintomáticos durante a fase aguda da infecção. São eles que apontam uma resposta de longo prazo.
E de 8 a 12 semanas após a alta hospitalar, observou-se que os níveis de anticorpos neutralizantes (aqueles que de fato têm capacidade de neutralizar o vírus) diminuíram em 81,1% nos pacientes assintomáticos, em comparação com 62,2% dos pacientes sintomáticos.
O resultado, porém, não significa necessariamente que as pessoas possam voltar a ser infectadas. Mesmo níveis baixos dos anticorpos neutralizantes podem atuar de modo protetivo. O estudo não traz conclusões nesse sentido e alerta para a necessidade de pesquisas de mais longo prazo para definir quanto tempo dura a imunização contra a doença em pacientes já infectados.
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Passaporte de imunidade?
Mas o trabalho levanta um alerta ao indicar que pessoas assintomáticas que só fossem testadas, por exemplo, depois de dois ou três meses da infecção, poderiam dar negativo em testes sorológicos. São eles que estão sendo usados em estudos em vários locais do Brasil para tentar medir a taxa de prevalência da doença na população.
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Os autores de fato argumentam que esse achado, juntamente com análises anteriores de anticorpos neutralizantes em pacientes em recuperação da Covid-19, levanta preocupações em relação à validade de usar testes sorológicos para indicar pessoas supostamente já imunes à doença.
“Esses dados podem indicar os riscos do uso de ‘passaportes de imunidade’ da Covid-19 e apoiam o prolongamento de intervenções de saúde pública, incluindo distanciamento social, higiene, isolamento de grupos de alto risco e testes generalizados”, escrevem os pesquisadores.
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“Novos estudos sorológicos (que determinam a presença de anticorpos) longitudinais, analisando mais indivíduos sintomáticos e assintomáticos, são urgentemente necessários para determinar a duração da imunidade mediada por anticorpos. Além disso, baixos níveis de IgG antiviral em pacientes assintomáticos, com maior probabilidade de se tornar soronegativos, apoiam ainda mais a necessidade de pesquisas para estudar a verdadeira taxa de infecção.”
Autoridades de saúde de alguns países, como a Alemanha, estão debatendo a ética e a viabilidade de se permitir que pessoas que tiveram um exame de anticorpos positivo circulem com mais liberdade do que as que não tiveram.
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Sem desespero
Jin Dong-Yan, professor de virologia da Universidade de Hong Kong que não participou do grupo de pesquisa, disse que o estudo não nega a possibilidade de outras partes do sistema imunológico poderem oferecer proteção. “Algumas células memorizam como lidar com um vírus quando são infectadas pela primeira vez e podem apresentar uma proteção eficiente se houver uma segunda rodada de infecção”, disse.
Cientistas ainda investigam se este mecanismo funciona para o novo coronavírus. “A descoberta neste estudo não significa que o céu está desabando”, disse Dong-Yan, observando ainda que o número de pacientes estudados foi pequeno.
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‘Não sabemos como interpretar os resultados de testes’
Para o médico e pesquisador Ricardo Schnekenberg, pós-doutorando da Universidade de Oxford, que tem analisado há mais de dois meses os resultados dos testes rápidos sorológicos, que proliferam no Brasil, a pesquisa levanta muitas dúvidas sobre as inferências feitas com base nesses resultados.
“Não sabemos como interpretar adequadamente os resultados dos testes de anticorpos. E isso pode afetar a confiança nos estudos epidemiológicos que usam anticorpos para medir a prevalência da doença na população”, disse em entrevista ao Estadão.
Segundo ele, “chamou a atenção que na 2ª fase da pesquisa Epicovid19 (conduzida pela Universidade Federal de Pelotas em 133 cidades brasileiras), a cidade de Breves, no Pará, perdeu metade de sua prevalência de anticorpos em relação à primeira fase da pesquisa.”
“Será que pode ser por causa dessa redução dos anticorpos em assintomáticos?”, questionou. No entanto, ele também é cauteloso quanto às avaliações de imunidade. “Talvez não precisemos ter grande quantidade de anticorpos para conseguir neutralizar o vírus.”
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