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Contrabando está conectado a outros crimes

A palavra “contrabando” ainda remete aos conhecidos sacoleiros, cruzando a Ponte da Amizade, na divisa com o Paraguai. Mas a estrutura que envolve o comércio de produtos ilegais, dentre eles o cigarro, é bem mais ampla e perigosa. Além de onerar os cofres públicos, quem atua nesse tipo de delito está conectado a outros grupos criminosos. Faz uso das mesmas estruturas do tráfico de drogas e de armas. Em visita a Santa Cruz do Sul ontem, integrantes do alto escalão da Polícia Federal reiteraram a necessidade de fechar o cerco aos contrabandistas. A estimativa é de que 30% dos cigarros consumidos no País tenham origem ilegal. 

Para o diretor da Divisão de Repressão a Crimes Fazendários, Franco Perazzoni, a lógica do envolvimento dos contrabandistas com outros crimes pode ser explicada em uma palavra: lucro. E cigarro está entre os principais produtos contrabandeados que chegam ao Brasil. “É uma atividade que movimenta muito dinheiro e com alta lucratividade”, afirma o delegado. 

É em busca do lucro que bandos migram de atividade. “Está tudo interligado. A rede que é utilizada pelo tráfico de drogas também é usada para favorecer a logística e o transporte do contrabando.” À frente da Delegacia Regional de Investigação e Combate ao Crime Organizado, Mauro Silveira enfatiza que os grupos criminosos não operam de forma exclusiva. “Dificilmente tenho uma investigação que não vá cruzar o próprio contrabando de cigarros com o tráfico de armas, o roubo de carros, clonagem de veículos. No roubo de veículos, eles vão usar armas. Essas armas muitas vezes vêm do exterior. Não há essa diferenciação dos grupos criminosos.”   

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Nesse sentido, Perazzoni explica que a ideia de que o contrabando seja um crime de menor potencial é equivocada. Para o delegado, ele  tem como característica a “concorrência deseal”. “Você insere um produto no mercado nacional que pode causar danos à saúde humana, que não paga tributos e, por consequência disso, gera também prejuízo ao Estado. E, na sequência, ainda você está prejudicando uma gama de pessoas que vivem disso. Seja a indústria ou o pequeno produtor.” 

Perazzoni lembra que até mesmo na corrupção existe essa falsa distinção entre os crimes. Servidores que aceitam a propina para o contrabando muitas vezes não aceitam para o tráfico. “Essas estruturas são todas interligadas. É bem complicado. Às vezes, pode parecer que não seria algo de prioridade. Mas dentro de uma visão global e que visa realmente à segurança pública, o combate ao crime organizado, o contrabando de cigarros, principalmente aqui na Região Sul, é bastante estratégico.”

A comitiva

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Um encontro com representantes da cadeia produtiva, visitas a um fumicultor e a empresas estiveram entre as atividades da comitiva. Ainda pela manhã, o presidente do Sinditabaco, Iro Schünke, apresentou aos delegados números e ações do setor. Ele falou sobre a preocupação com o contrabando, que prejudica não só a indústria legal, mas também o governo e a sociedade. 

O chefe da Polícia Federal em Santa Cruz, Gustavo Schneider, frisou a importância desse encontro: “A visita é importante nesse sentido de ampliar conhecimentos”. O delegado Mauro Silveira enfatizou a relevância de conhecer a cadeia do tabaco. “Para melhorarmos a nossa qualidade da prestação de serviço da reprimenda criminal, é muito interessante que nós entendamos muito bem como é que funciona isso.”

ENTREVISTA

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Gazeta do Sul – Qual a importância de manter o diálogo com outros países, como o Paraguai?

Franco Perazzoni – Todo diálogo possível, inclusive para se fazer uma repressão mais eficiente, é válido. Mas não é só o contrabando de cigarros ou de qualquer outra mercadoria. As estruturas que trabalham com esse tipo de crime são estruturas que atuam em outros crimes. Isso fomenta a desigualdade social e uma série de problemas que enfrentamos nas regiões de fronteiras. Não é um problema só do Brasil. Temos 12 mil quilômetros de fronteiras. Então, não só o diálogo com o Paraguai, mas com todas as nações que fazem fronteira, é de suma importância para nossa segurança. Falo segurança em sentido mais amplo. Segurança alimentar. Segurança de saúde. Protegendo as fronteiras, tendo um diálogo mais aberto com as outras nações, você vai ter uma garantia muito melhor do que está chegando ou saindo.

Gazeta – A legislação brasileira atende às necessidades no combate ao contrabando? 

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Perazzoni – Para nós, policiais, que atuamos nessa linha de frente, o mais importante é a certeza da punição. Esse tipo de crime tem repercussões gravíssimas para a sociedade. Se a pessoa é pega com uma pequena quantidade de drogas, ela pode até pegar uma pena bastante alta. Mas, ao mesmo tempo, você tem um carregamento com toneladas de cigarros e, muitas vezes, no fim de semana seguinte já vai encontrar aquela pessoa na rua. Porque tem ocupação lícita e porque (o contrabando) não é visto como um crime violento. O nosso problema não é tanto de legislação, mas de aplicação. Quando a gente trabalha num contexto de crime organizado, é preciso ter cuidado. Eu não posso ter uma pena gravíssima para o contrabando de cigarros e querer tratar igualmente uma pessoa que entra com alguns maços e uma quadrilha que movimenta milhões. Precisamos ter instrumentos que façam essa diferenciação. Hoje conseguimos. A gente consegue com a legislação. E há várias coisas que podem ser melhoradas. Não temos hoje uma legislação que permita, ao apreender um caminhão nesse tipo de prática ilícita, que ele seja revertido em benefício da sociedade. É diferente do que acontece no tráfico de drogas.

Mauro Silveira – A polícia está tendo, em determinados locais, um ônus muito grande na manutenção desses veículos. Isso aí, além de ser custoso, torna-se uma incongruência. Se você tentou descapitalizar o criminoso, retirar os meios dele para continuar a delinquir, eu tenho que, por outro lado, reverter isso aí para o bem da sociedade. Se você ficar com esses bens por muitos anos com uma custódia, eles também se tornam onerosos para o órgão que foi responsável pela apreensão dos veículos. 

Perazzoni – Quando você efetivamente consegue descapitalizar o criminoso, o crime deixa de compensar. Você conseguiu instrumentalizar uma quadrilha e movimentar milhões. Se vai preso, fica quatro ou cinco anos. O crime compensa? Compensa, se o dinheiro estiver te esperando quando você sair da cadeia. E isso muitas vezes acontece por estratégia de lavagem de dinheiro. Mais importante do que a pena, para desarticular um criminoso é necessário descapitalizá-lo. Precisamos ter formas de fazer com que o patrimônio apreendido nas mãos dos criminosos seja revertido rapidamente para as instituições não só de segurança pública, mas também as instituições sociais. E mais do que isso: é ter instrumentos para que aquela empresa envolvida com algum tipo de prática ilícita tenha sua licença de atuação suspensa. Os empresários devem ser realmente responsabilizados. Descapitalizados. Para que possam sentir que uma ação estatal foi realizada e essa ação tem força de lhes causar um prejuízo. Como eu comecei a dizer lá atrás, eles buscam lucro. Se eu não conseguir tirar o lucro deles, o crime compensa, e sempre vai compensar. 

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Gazeta – Existe uma saída para conter o contrabando? 

Perazzoni – Temos investido na área de inteligência. Feito parcerias com a Receita e com outros órgãos. Esse tipo de iniciativa aqui também é extremamente importante. Tenho uma média de 150 operações por ano na área de fazendária. Pelo menos uns 40% a 50% na área de contrabando, não só de cigarros. Então é óbvio que se a gente tiver mais recursos, vai continuar atuando dessa forma. Todo mundo concorda que é preciso atuar na fronteira e reprimir ilícitos. Mas, muitas vezes, esquecem nossos policiais que estão vivendo em cidades de fronteira. Eu acredito que, com o que a gente faz, já consegue muita coisa. Mas poderíamos e gostaríamos de fazer mais.

Silveira: estruturas criminosas agem de uma maneira conectada

 

Perazzoni: a ideia de “menor potencial ofensivo” é equivocada

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