O renomado escritor moçambicano Mia Couto diz que “a descoberta de um lugar exige a morte temporária do viajante”. Ao me sentir feliz e realizado em um novo destino, especialmente quando viajo sozinho, esse desprendimento das referências parece ser um ótimo companheiro.
Dificilmente entenderemos o espírito de um lugar se não deixarmos de ser nós mesmos, ao menos por alguns instantes. Além disso, em países que julgamos exóticos ou estranhos, precisamos lembrar sempre que, na verdade, os estranhos por ali somos nós.
Já quando estamos acompanhados na jornada, tendemos a comentar experiências de imediato, sem a devida reflexão, encaixando as percepções em formas preconcebidas, comparando demais e acabando, por vezes, por contaminar o que vivemos.
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Em um fim de semana ensolarado de verão, caminhei por toda a região central da capital, chamada de Baixa de Maputo. O sorriso e a simpatia de todos com quem conversei, no animado Mercado Público, na Estação Ferroviária e pelas ruas e praças da cidade, deram-me a sensação de estar em casa, mais do que em qualquer outro país africano que tive a graça de conhecer.
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Assim como Angola, Moçambique tornou-se independente em 1975, como consequência da Revolução dos Cravos, que, no ano anterior, havia derrubado a ditadura em Portugal e determinado a descolonização dos territórios lusitanos na África. Até 1976, Maputo se chamava Lourenço Marques, navegador português que explorou a região, e, desde então, foi renomeada, em homenagem a um chefe tribal dos povos Tsonga, de Moçambique.
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Localizada na costa do Oceano Índico, perto da fronteira com a África do Sul, a cidade tem pouco mais de um milhão de habitantes, ou cerca de três milhões se incluirmos o restante da área metropolitana. A arquitetura colonial portuguesa está marcada nos locais históricos, incluindo a construção que deu origem à cidade, a Fortaleza de Maputo.
O português é a língua oficial e, embora não seja a mais falada, é a que congrega os diversos povos moçambicanos, que têm como primeira língua idiomas de raiz africana Bantu. Em todo o país, os brancos representam menos de 0,1% da população e, nos relatos dos nativos, ficou claro que não existem ali o preconceito e a segregação que vemos, por exemplo, na vizinha África do Sul.
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Para um país que há 40 anos tinha 95% de analfabetismo, estava entre os mais pobres do mundo e vivia em estado de guerra civil, nota-se um avanço significativo em infraestrutura, com avenidas largas, estradas novas, escolas etc. É evidente que ainda há muito a ser feito, mas a nação parece andar na direção certa.
O motivo da minha viagem era profissional, o que me ajudou a entender um dos motores que está alavancando a economia moçambicana: as reservas de gás natural ao longo de sua costa, que começam a gerar a receita que o país precisa para se desenvolver.
A alegria e o sorriso aberto dos moçambicanos são contagiantes. Apesar da pobreza evidente, me senti seguro por onde estive e muito à vontade para conversar com todos, sempre muito simpáticos com a cultura brasileira. Mais do que à beleza natural e arquitetônica dos destinos, minhas memórias de viajante estão ligadas à experiência humana, a encantamentos e, seguidamente, a algumas enrascadas.
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Cito novamente Mia Couto que, como poucos, sabe transmitir a alma humana e a realidade através de fábulas que são tão ou mais significativas do que o puro relato jornalístico: “Ouça, e perceberás que somos feitos não de células ou de átomos. Somos feitos de histórias”.
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