Uma das primeiras influências da Índia sobre o Brasil ocorreu no final do século 17, quando a princesa portuguesa Catarina de Bragança casou-se com o Rei Carlos II, da Inglaterra. O dote foi pago pela coroa portuguesa com a ajuda de vários traficantes de escravos lusos e brasileiros.
Além de vasta quantia em dinheiro, e da cidade marroquina de Tânger, os bens transferidos à coroa britânica incluíram também uma importante possessão na costa da Índia: Bombaim, hoje Mumbai. O casamento traçaria parte do destino dos países envolvidos.
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Catarina trouxe para a Grã-Bretanha o hábito indiano de beber chá. Com isso, alavancou o consumo de açúcar nas ilhas britânicas, que, graças ao trabalho de milhões de escravos no Brasil, havia então se tornado acessível à população europeia.
O Brasil é comparável à Índia em alguns aspectos, quase todos relacionados a pobreza, desigualdade e subdesenvolvimento. As duas nações, mais Rússia, China e África do Sul, são colocadas artificialmente na pseudofamília geopolítica dos Brics.
A realidade é que, além de a cultura e a mentalidade serem completamente diferentes, no que se refere ao indivíduo e às soluções de problemas, não há padrão de comparação significativo, e nessas características a Índia leva acelerada vantagem. Apesar de o governo central oscilar entre diferentes ideologias e tendências, o parlamento indiano mantém intocadas iniciativas básicas de promoção do desenvolvimento, que estão oportunizando um futuro promissor, com visão de longo prazo e respeito às normas e padrões mundiais. E, para ficarmos apenas nesse último exemplo, infelizmente, esse não é o caso do Brasil.
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O Tamil, idioma do sul da Índia, é uma das 23 línguas nacionais entre as centenas faladas no país, e de onde veio uma expressão usada hoje internacionalmente. Pária (paraiyar) se referia a uma casta de percussionistas que, por tocarem no couro dos tambores, eram considerados impuros. O termo, adotado pelos ingleses, tornou-se uma forma depreciativa de se referir a pessoas, grupos ou países que se tornam inconfiáveis e desprezados na comunidade internacional, por envolver práticas e posições políticas que andam na contramão das normas e do bom senso.
O Brasil precisa ficar atento. O isolamento geográfico da América do Sul nunca nos ajudou. Além disso, mais recentemente, em todos os lugares que visitei, pude ir compreendendo como o Brasil está construindo o próprio isolamento, a partir de posicionamentos geopolíticos. E, assumindo assim uma indesejável condição de pária em questões humanísticas, de políticas públicas, de cidadania e, especialmente, ambientais.
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A situação ambiental, em particular, ao se considerar o ritmo atual, produzirá efeitos catastróficos para as próximas gerações. Não há mais como justificar desmatamento e poluição em nome de ilusórios e ilegítimos discursos sobre progresso e soberania. O esforço, obviamente, não deve estar focado só na Amazônia.
A Europa, por exemplo, nos últimos 15 anos reflorestou uma área do tamanho de Portugal, enquanto o Brasil elimina mais que essa área de florestas a cada dois anos (dados do Fórum Econômico Mundial). Países europeus voltaram a ter, em média, porcentagens de florestas em seus territórios semelhantes aos números brasileiros, com os países escandinavos chegando a ter mais de 70% de seus territórios cobertos por árvores, em áreas regulamentadas e ferrenhamente protegidas. A imprensa internacional tem alertado, de maneira geral, para o aumento das queimadas e a destruição da diversidade de fauna e flora no Pantanal e na Amazônia, expondo o problema como uma preocupação mundial.
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Além das questões ambientais, aparecem, cada vez mais, dados que dão conta da redução de incentivos à educação e à pesquisa acadêmica. Notícias dessa natureza são tão nocivas à reputação do país quanto as já tradicionais informações a respeito da corrupção estatal e privada, sempre presentes nas manchetes internacionais, e que servem tristemente de subsídio à construção de nossa imagem externa.
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Por isso, da Índia, seria razoável que nos ficasse, ao menos, o exemplo de que avanço econômico, desenvolvimento humano e respeito internacional requerem soluções de longo prazo, como educação de qualidade em todos os níveis, investimento vigoroso em investigação científica e tecnológica, garantia de dignidade à população mais pobre e políticas perenes de diminuição da desigualdade social. Em todos esses aspectos, infelizmente, nós, brasileiros, estamos perdendo. De goleada.
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