Biólogos e ornitólogos, especialistas em pássaros, calculam que uma gaivota, ave marinha, pode viver até 30 anos. Mas não uma em especial, o Fernão Capello Gaivota, ou Jonathan Livingston Seagull, seu nome de batismo, no original em inglês. Sua longevidade amplia todas as perspectivas da sua condição. Ele completa nada menos do que 50 anos em 2020.
Neste meio século, o personagem, criado pelo aviador e escritor norte-americano Richard Bach, firmou-se no imaginário de sucessivas gerações de leitores e fãs, no mundo todo. E, como seria de esperar, as histórias de afeto e de ternura e as lições de superação e expansão de horizontes que cercaram o personagem Fernão Capello Gaivota tornaram célebre, da noite para o dia, o seu autor, que segue, aos 84 anos, flutuando na fama de sua mais cativante criação.
Fernão Capello Gaivota não foi a primeira tentativa de Bach, nascido em Oak Park, Illinois, em 1936, de traduzir o que via “de cima”, quando voava como piloto da Força Aérea americana. Em 1963, lançara Estranho à terra, e três anos depois publicou Biplano. Em 1969, viria Nada por acaso, uma espécie de preparação de terreno para o voo definitivo de Fernão Capello, no ano seguinte.
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Eram os emblemáticos anos 60, que culminava, com a chegada do homem à Lua, e que agora dobravam rumo aos igualmente incríveis anos 70. Ali, Fernão Capello Gaivota paira como divisor de águas, carregado de nostalgia, misticismo e de uma pulsação quase incontrolável, que impulsiona para um novo tempo.
Afinal, nunca é demais lembrar: Fernão Capello nasce “diferente”. Todas as demais gaivotas de seu bando estão satisfeitas com o que lhes cabe no existir: voar, seguir o rumo do vento, coexistir, alimentar-se, e cumprir a sina de ser gaivota, todas iguais, sempre iguais, em que é inadmissível ser diferente ou almejar algo diferente. Para o pano de fundo da sociedade da época, o que começa a fermentar no peito e nos olhos de Fernão Capello certamente pulsava em muitos corações.
Então Fernão Capello começa a se dar conta de que ele quer voar diferente, quer fazer manobras, quer “surfar” outros ventos, quer ver o mundo de forma diferente. O que, a um primeiro momento, cria desconforto em todo o seu bando, graças à determinação, à autenticidade e à energia de Fernão pouco a pouco cativa outras gaivotas, e ele realmente muda a forma como o voar e o viver eram entendidos até então.
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Em suma: Fernão Capello é uma espécie de artista, de artífice, à frente de seu tempo, que enxerga um mundo novo, acredita na verdade desse mundo, e vai em busca da abertura de horizonte. O livro, com suas pouco mais de cem páginas, e em tons alegóricos, conquistou os leitores e mereceu sucessivas edições, também no Brasil. Por aqui, a Record, que coloca a obra nas livrarias nacionais, lançou uma edição de luxo em 2015, realçada com belas fotos de gaivotas de Russell Munson, e acrescida de uma inédita quarta parte, e das “últimas palavras”, que Bach elaborou em 2013.
Com o sucesso e a consagração plena de Fernão Capello Gaivota, o escritor ainda deu continuidade a sua obra com uma série de outros textos de tom filosófico, dentro da mesma linha de reflexão. É o caso de O dom de voar, de 1974; o igualmente belíssimo Longe é um lugar que não existe, de 1976, Ilusões, as aventuras de um messias indeciso, de 1977; A ponte para o sempre, de 1984; Um, de 1988; e Fugindo do ninho, de 1994. Mas seria mesmo o eternamente simpático Fernão que ficaria pairando no imaginário de todos. Portanto, votos de felizes voos para essa gaivota cinquentona, que descortinou tantos horizontes para milhões de leitores.
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