O espírito de não se curvar diante das dificuldades e a força para criar algo inusitado e melhor na adversidade se refletem também na valentia e na resistência a invasões estrangeiras, já registradas no tempo dos romanos, que nunca conseguiram dominar as tribos desta parte da ilha que chamavam de Caledônia. O império romano limitava-se às terras ao sul do longo muro de Adriano, construído para deter ataques dos escoceses, e que ainda pode ser visitado no norte da Inglaterra.
No final do século 13, heróis nacionais, como Robert the Bruce e William Wallace, foram os últimos a defenderem vigorosamente a independência do país. No entanto, se pela força nunca foi possível conquistar a Escócia, casamentos estratégicos e favores especiais aos nobres locais acabaram permitindo à Inglaterra a criação do Reino Unido da Grã-Bretanha que conhecemos hoje.
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Escoceses deixaram marcas em todas as partes do mundo, alguns inclusive na formação do Brasil. Em Kirklinton, região de fronteira entre Escócia e Inglaterra, visitei uma mansão com belos jardins, chamada Eden Grove. Não é aberta ao público, mas, como estava à venda, pude visitar, alegadamente, como potencial comprador. Foi construída por um indivíduo não tão famoso localmente, mas que teve forte influência no desenvolvimento da economia brasileira durante o reinado de Dom Pedro II. Richard Carruthers (1792-1876) foi sócio e o maior financiador de Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá. Morou por vários anos no Rio de Janeiro e foi um dos fundadores do que viria a ser o atual Banco do Brasil. Carruthers era também um pintor razoável, e algumas de suas obras estão expostas em museus britânicos.
Outro escocês que aportou no Brasil foi o almirante Thomas Alexander Cochrane. Expulso do Reino Unido por evasão fiscal, refugiou-se na longínqua América do Sul. Com vasta experiência na Armada Imperial britânica, foi nomeado Marquês do Maranhão por dom Pedro I em 1824 e tornou-se o criador das Marinhas do Brasil e do Chile.
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Perdoado posteriormente no país de origem, retornou às ilhas britânicas comandando uma frota de navios. Para que chegasse ainda mais abastado na Europa, fez uma escala em São Luís do Maranhão, saqueando completamente a cidade e levando até mesmo um navio da Marinha brasileira para a Grã-Bretanha. Foi sepultado com honras em 1860 na Abadia de Westminster, Londres, bem em frente ao túmulo de Isaac Newton. Mais de cem anos depois, como conta Laurentino Gomes em seu livro 1822, o ex-presidente maranhense José Sarney, em visita oficial à abadia, pisou raivosamente em seu túmulo e exclamou: “Corsário!”.
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A proliferação de talentos na Escócia não está limitada somente ao passado. Em fevereiro de 2020, na cidade em que hoje moro, na Inglaterra, um concerto imperdível reunia muitos fatores marcantes para mim. Aclamada mundialmente, uma violinista virtuosa escocesa de origem italiana, Nicola Benedetti, tocaria minha peça favorita de Piotr Ilyich Tchaikovsky, o Concerto para Violino e Orquestra em Ré Maior. Nicola, filha de italianos, nasceu em 1987 na região de Ayrshire, costa oeste da Escócia, e toca o violino Stradivarius “Gariel”, instrumento avaliado em mais de 10 milhões de dólares. Foi feito em 1717 por Antonio Stradivari em Cremona, cidade de meus antepassados italianos.
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A expectativa pela feliz e múltipla coincidência fez com que eu comprasse o ingresso com meses de antecedência. O que eu não poderia prever era que, dois dias antes do concerto, teria que fazer uma cirurgia de menisco. De muletas, e contrariando conselho médico, não titubeei em ir àquele inesquecível espetáculo. A dor no joelho semiaberto foi sublimada por aquela experiência que, mais uma vez, marcava a Escócia em minha vida.
(continua)
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