Como uma criança em uma loja de brinquedos, percorro o Zelyony Baazar (Mercado Verde) de Almati, o maior mercado público do Cazaquistão. Visitas a lugares como esse, em especial no leste europeu, na Ásia Central e no Oriente Médio, têm para mim interesse muito mais cultural do que comercial. Invariavelmente, reafirmam minha certeza de que são a melhor exposição da realidade de um povo, e onde se entende mais rapidamente uma cidade.
Herança do período soviético, o local impressiona pelos amplos pavilhões de produtos alimentícios, setorizados por frutas, verduras, grãos, queijos, mel e carnes, com destaque para a especialidade local, a adocicada carne equina. Do lado de fora, todo o entorno é um imenso labirinto de bancas com artesanato, vestuário, flores, música e o que mais se possa imaginar. É um espetáculo para os cinco sentidos, onde eu poderia passar o dia todo, ou vários. Os vendedores são simpáticos à sua maneira, sem serem ostensivos. Esperam sempre que o cliente tome a iniciativa. A diversidade étnica, no mercado e em toda a cidade, torna esse teatro do cotidiano ainda mais interessante, coroando aquilo que o poeta Arthur Rimbaud chamava de “espírito do lugar”, que é sempre difícil de colocar em palavras.
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Do alto do pavilhão principal, eu tirava algumas fotos quando notei que algumas vendedoras me acenavam lá de baixo. Acenei de volta, e uma senhora apontou para um enorme aviso, que eu obviamente não tinha visto, indicando a proibição de fotografias e filmagens. De longe, me desculpei e voltei ao piso térreo, onde em seguida apareceu um cidadão falando em cazaque, a língua local variante do turco. Pelo que pude captar pela expressão e gestos, pedia que eu apagasse as fotos. Me fiz de desentendido, sorri e apertei sua mão. Ele me olhou por um instante, achou engraçada a minha reação, e me ofereceu um dos potes de mel que vendia. Palavras não são tudo, e, às vezes, um sorriso faz milagres.
Independente desde 1991, o Cazaquistão é a maior nação do mundo sem acesso ao oceano, ocupando vasta área da Ásia Central, a oeste dos Montes Urais. O nome vem de Kazakh, que quer dizer viajante, indicando a natureza nômade dos antigos habitantes da região, os cossacos. O russo, segunda língua oficial, e o alfabeto cirílico vieram dos eslavos. Abundantes reservas de petróleo e gás natural explicam a ótima infraestrutura e o desenvolvimento que vi por ali. A quantidade de alunos uniformizados e engravatados saindo das escolas em pleno sábado evidencia a prioridade na educação de qualidade, o que sempre é indicativo de um futuro promissor para uma nação.
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As pessoas são cordiais e atenciosas, na sua grande maioria com os traços orientais dos cazaques, que representam 70% da população. Almati (Alma-Ata) é a maior cidade e centro econômico, com 2 milhões de habitantes, ou 12% da população do país, concentrados na região montanhosa da fronteira com o Quirguistão. Até 1997, foi a capital dessa antiga república soviética, que já havia sido dominada pelo Império Russo. Um fogo cruzado cultural influenciou toda essa região, com mongóis, russos, chineses, persas e outras etnias vindas de todas as direções.
Após visitar o rico Museu Estatal do Cazaquistão e o antigo Palácio Presidencial, atravessei a longa avenida Furlanov em direção ao Parque Pavlov, o maior da cidade. Um monumento aos mortos da Segunda Guerra exalta os soviéticos e a proteção que ofereciam durante o período da Cortina de Ferro. No centro da praça, a Catedral Ortodoxa da Ascensão foi o único prédio alto sobrevivente em um terremoto que sacudiu a cidade em 1911. Entrei para admirar os belos e tradicionais ícones e apreciar os cantos monofônicos da liturgia ortodoxa russa. Três quartos dos cazaques praticam o islamismo, e minha visita seguinte foi à Mesquita Central. O templo, para 7 mil fiéis, é revestido em mármore e tem o majestoso pórtico e as cúpulas douradas ricamente decorados com versos do Alcorão. Na saída, parei em frente a um teatro para observar o elegante público que entrava para assistir à ópera Carmen, em mais um indicativo de que a cultura ocupa um espaço importante na sociedade local.
Deixei Almati com uma resposta clara para a questão que sempre me faço após cada nova experiência, e que define se me dedicarei a narrá-la. É um critério absolutamente pessoal, que de forma alguma desmerece países, cidades ou paisagens: o espírito do lugar e as pessoas que encontrei transformaram, ao menos um pouco, minha consciência e a forma pela qual vejo o mundo? Almati é uma cidade pouco conhecida, em um país do qual pouco se fala, fora do circuito mundial. Apesar disso, praticamente não vi padrões culturais ou de consumo importados, nem a ansiedade por ser e agir como europeus e americanos. O que senti nos cazaques foi serenidade e segurança em sua identidade própria. Objetivos, sejam eles coletivos ou pessoais, de curto ou longo prazo, precisam ser, antes de tudo, autênticos e independentes.
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