Na última vez que troquei os pneus da minivan, resolvi trazer para casa três dos pneus velhos para transformá-los em canteiros de flores, no quintal. A operação, contudo, vem sendo adiada por conta da estiagem, que certamente ameaçaria o desenvolvimento das plantas. Com isso, desde então os pneus repousavam no galpão, a salvo do Aedes aegypti. Até que as gurias decidiram convertê-los em inusitados brinquedos.
Em certa medida, a ideia nasceu do esgotamento das outras brincadeiras que vêm ocupando as crianças ao longo da quarentena. Gradativamente, os joguinhos, as bonecas, os balanços e os desenhos, ao que parece, vão perdendo a graça no lento transcorrer dos dias em confinamento, o que cobra criatividade de pais e filhos na elaboração de novas atividades. Afinal, ante o risco do contágio, os tradicionais passeios em praças e parques, antes comuns nos fins de semana, seguirão suspensos por tempo indeterminado.
Com isso, quando as gurias me pediram os pneus emprestados para brincar, no domingo passado, não me opus. Mas decidi ficar de olho, em parte para garantir pronto atendimento em caso de um atropelamento ou outro acidente do gênero, mas também por curiosidade. Afinal, que raio de brincadeira inventariam com aquilo?
Como era de se prever, de início empregaram os pneus no que fazem de melhor: rodar. Mas, ao cabo de alguns quilômetros de idas e vindas pelo quintal, tiveram outra ideia: transformá-los em alvos para arremesso à distância. Na falta de bolinhas, improvisaram usando como projéteis algumas laranjas imprestáveis que haviam caído precocemente do pé. Porém, como costuma ocorrer em todas as competições que envolvem irmãos, o jogo acabou em discussão. Tudo porque, quando alguma das gurias acertava o alvo, provocava as demais com uma dancinha da vitória ou comentários jocosos sobre a performance das rivais. Tive que intervir quando a troca de provocações evoluiu para uma guerra de laranjas.
Não parou por aí. Após o fracasso do jogo de arremesso, as gurias decidiram converter os pneus em cavalos. E voltaram a circular pelo quintal, agora, na garupa de suas montarias de borracha.
– Eia, eia, cavalo – gritava a caçula, Ágatha, enquanto o arco a projetava para cima e para baixo.
Mas logo pararam, ao perceber o efeito da borracha sobre o fundilho das calças.
– Isso suja o bumbum – constatou a Yasmin.
Foi aí que a Isadora, a mais velha das três, lembrou de certo filme, estrelado pelo Adam Sandler, em que um homem é acomodado pelos amigos no recôncavo de um imenso pneu de patrola, o qual atravessa a cidade rodando com a vítima em seu interior. Para repetir a experiência, as gurias decidiram usar como cobaias os ursos de pelúcia. Logo viram que dava certo e Ágatha, então, concluiu que era hora de adicionar um toque de adrenalina à brincadeira.
– E se nós mesmas sentarmos dentro dos pneus para sair rodando?
Ainda ensaiou uma tentativa de acomodar-se no pneu e por pouco não ficou entalada no arco de aro 15. Foi então que decidimos, eu e a Patrícia, dar por encerrada a brincadeira. As gurias, já com braços e rostos camuflados com os resíduos de borracha, foram despachadas ao banho e os pneus foram reinstalados no galpão, de onde só deverão sair novamente ao final da estiagem.
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